Nota de editor:
Devido à
existência de erros tipográficos neste texto,
foram tomadas várias decisões quanto à
versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi
mantida de acordo com o original. No final deste livro
encontrará a lista de erros corrigidos.
Rita
Farinha (Nov. 2009)
JOSÉ BARBOSA
As relações luso-brasileiras
LISBOA
1909
JOSÉ BARBOSA
As relações luso-brasileiras
(A immigração e a
«desnacionalização» do
Brasil)
LISBOA
EDIÇÃO DE JOSÉ BARBOSA
RUA DO LORETO, 56, 1.º D.
1909
todos
os direitos reservados
LISBOA
TYPOGRAPHIA DO COMMERCIO
Rua da Oliveira, 10, ao Carmo
1909
Amicus Plato
sed magis amica
veritas...
INTRODUCÇÃO
O Brasil já foi uma região mal conhecida. Hoje
já
o não é. Em todos os centros civilizados deixou
de ser
ignorado. Existe, emfim! E não existe sómente por
ser
riquissimo de climas, de flora e de fauna, nem por offerecer,
nos seus terrenos inexplorados, largo campo
ás ambições insatisfeitas dos povos do
Velho Mundo,
nem sequer por haver desenvolvido de maneira collossal
as suas producções.
Tudo isso torna conhecido o Brasil. Mas o que mais
lhe propaga o nome é a surpreza causada pela sua cultura,
ainda ha pouco representada de modo inolvidavel
e memorando pelos seus delegados na Conferencia de
Haya e no Congresso de Hygiene de Berlim, Ruy Barbosa
e Oswaldo Cruz.
O que, além disso, não escapa a ninguem
é a supremacia
que lhe cabe entre as nações sul-americanas,
é a funcção de arbitro da paz do
continente, em que o
investiram os estadistas da Republica, entre os quaes
se tem de destacar a excelsa figura de Rio Branco.
[6]
Para o Brasil de hoje convergem todos os olhares.
Deixou de ser a terra do ouro e dos diamantes para
se transformar em vasta arena aberta ás mais levantadas
especulações da intelligencia e ás
mais audazes e
fecundas iniciativas materiaes. O estudo e o trabalho
congregam-se para o seu progresso. A liberdade e a
paz social acolhem e protegem os desherdados que alli
vão buscar pão e esperanças...
As sociedades européas, imbuidas de preconceitos e
avassalladas pelos privilegios, trancam o futuro ás classes
trabalhadoras. Que lhes resta, senão o recurso da
expatriação? O caminho é o Oceano; a
Chanaan é a
America, a livre e egualitaria America, onde o trabalho
é toda a nobreza.
Nós, os portugueses, acompanhamos o movimento
geral. A nossa America consiste principalmente no Brasil.
Nem podia deixar de ser assim. A raça e a lingua
são factores decisivos na escolha do destino.
Nenhuma raça revéla maior resistencia do que a
nossa, nenhuma é mais soffredora e tenaz.
Como, porém, estamos desapparelhados para a
lucta hodierna pela falta de diffusão do ensino,
só excepcionaes
qualidades ethnicas
[1]
explicam a posição
que ainda cabe á nossa colonia no Brasil. Seria, no
emtanto, indigno occultar, neste momento, que essa
colonia se encontra sériamente ameaçada pelos
nossos
concorrentes. Está, aliás, na consciencia de
todos esta
verdade, que uns calam para lisonjear a nossa colonia
[7]
no Brasil e outros por não lhe vêrem
solução deante
da criminosa pertinacia com que os governos dão tudo
ás clientellas politicas e negam, por systema, a
esmóla
do ensino primario aos filhos do contribuinte faminto e
esfarrapado!
A obra da escola não se concilia com os interesses
do regimen, não ha duvida; mas recusem ao povo,
forçado a emigrar para não morrer de fome, a
instrucção
indispensavel para competir com os outros estrangeiros
no Brasil e esperem o resultado no volume das
remessas de numerario com que acudimos ao nosso
balanço economico!
O recurso das remessas do Brasil e a exportação
que para esse paiz fazemos tornaram-se essenciaes á
vida portuguesa. E, como nada se fez para dispensar
tal dependencia e nada se procurou para assegurar
aquelle estado de coisas, a nossa gente laboriosa, conscia
dos riscos que corremos, mas sem noção exacta
do problema, recebe com esperança e enthusiasmo todas
as idéas apresentadas por pessoas bem intencionadas.
Isso bastaria para explicar o côro das adhesões
á
proposta do sr. Consiglieri Pedroso
[2],
se não interviessem,
no lance, a especial categoria, a illustração e
o talento do emérito professor. Discordando, em varios
pontos, desse plano de approximação
luso-brasileira,
dirigi a s. ex.
a uma
carta aberta
a
que o
Mundo deu
a sua larga publicidade e na qual se lia:
«O estreitamento das
relações de
Portugal com o Brasil, dada
a vontade que nesse sentido revelam os dois povos, é mais do
que
facil, porque é inevitavel, porque está nos
destinos de ambos.
[8]
Imaginar, porém, como deduzo
dos considerandos de v. ex.a
que, precisando nós da
seiva do Brasil, temos meio de lhe
conferir
uma compensação primacial, qual seja a de evitar
o risco
da desnacionalização que esse povo corre pela
entrada cada vez
maior de outros elementos ethnicos, é erro profundo que os
factos
condemnam de maneira formalissima. E, sobre ser um erro, esse
juizo levantará contra Portugal e contra os portugueses a
hostilidade
das outras colonias e das outras raças, alli na mais intima
convivencia e na mais constante fusão com a gente lusitana e
luso-brasileira.
Com tal motivo, qualquer esforço de
approximação resultará
contraproducente. Não posso, desde que se parte dessa base,
dar
a minha insignificante collaboração a uma
tentativa que tenho
por inefficaz, pelo menos.
O Brasil precisa de milhões de estrangeiros. Não
lhos podemos
dar. Ha de procural-os em outros paizes. Mas, como é um
paiz que se sabe governar e que nunca, nem sob este nem sob o
antigo regimen, deixou de demonstrar sentimentos patrioticos e
ardor civico, não corre o perigo, que v. ex.a
entreviu na
colonização
italiana e alleman, de se desnacionalizar.
Com mais vagar, em um opusculo, hei de deixar demonstrado
quanto estão afastados da realidade os que pensam como v.
ex.a.
Se houvessemos de iniciar negociações com a
idéa de evitar esse
supposto risco, creia v. ex.a que os
brasileiros, cuja hospitalidade
tive durante dezeseis annos e cujo espirito conheço,
não agradeceriam
o aliás generoso empenho, porquanto nelle veriam menos
apreço pelas qualidades de intelligencia e de patriotismo,
de que,
com justiça, se ufanam muito mais do que das riquezas
naturaes da
sua patria.
Sei que v. ex.a, meu illustre correligionario,
só
é movido por
altos e nobres estimulos. Estou convencido de que só
á falta de
documentos directos e de observação propria se
póde attribuir
o desvio do seu grande espirito critico em materia em que estudos
especiaes dão a v. ex.a merecida
auctoridade.
Felizmente, porém, entre muitas idéas de real
utilidade que
constam da proposta de v. ex.a, vejo uma que me
garante que o
problema, nas suas linhas mestras, tem em v. ex.a
o paladino ao
lado do qual se poderão alinhar os soldados da democracia
portuguesa
e os cidadãos da grande Republica Brasileira.
Refiro-me á idéa de procurar approximar os dois
povos pela
adopção de um espirito commum na
legislação de ambos. Nesse
ponto estou enthusiasticamente com v. ex.a,
porque, não
podendo
a democracia pura, que é a Republica dos Estados Unidos do
Brasil, seguir a evolução regressiva, essa
aspiração impõe-nos, a
nós portugueses, a marcha progressiva para a
situação juridica
do Brasil―o que só poderá ser conseguido por uma
transformação
politica e social, tão almejada por mim quanto por v. ex.a.
[9]
E comprehendo com que intimo
constrangimento quem assim
sente teria de obedecer ás regras protocolares do cargo ao
pedir
ao joven rei D. Manuel a sua cooperação para um
emprehendimento
que só póde ser levado a bom termo pelos dois
povos e
que só se desentranhará em realidades promissoras
quando a
realeza portuguesa constituir méra
recordação historica.
Faço votos por que v. ex.a veja em
breve realizadas as
nossas
aspirações communs. Se, porém, o nosso
esforço interno não
chegar para tanto, creia v. ex.a que, para
não falharem os
seus
destinos historicos, o Brasil e Portugal se hão de
approximar
cada vez mais e cada vez mais intensamente a democracia brasileira
ha de exercer fatal acção sobre a
nação portuguesa, abreviando
os dias do regimen monarchico e apressando o advento da
Republica Portuguesa.
Não ha mais eloquente lição do que a
dos factos. Não ha mais
violenta propaganda do que a comparação
antithetica dos povos
brasileiro e português. E, cada português, que
volta á patria,
não tarda em sentir a magnitude da
acção da Republica no Brasil
e em reconhecer a falta das instituições a que
lá se afizera.
Garanto-o a v. ex.a: se não fizermos
a
revolução, o Brasil
ha de republicanizar Portugal. V. ex.a conhece
melhor do que eu
o poder da osmose social.»
Eis a origem deste trabalho. Julguem brasileiros e
portuguêses se as convicções, que elle
traduz, carecem
de fundamento.
I
A PROPOSTA CONSIGLIERI PEDROSO
Eis a proposta do presidente da Sociedade de Geographia:
«Considerando que na evolução politica
do mundo contemporaneo
é facto historico, que se não póde
contestar, a irresistivel
tendencia para a unificação moral dos grupos
ethnicos, que falam
o mesmo idioma, podendo até por isso definir-se o dominio da
lingua, na sua funcção social, como a patria
espiritual de uma
nacionalidade;
Considerando que nem os mais poderosos Estados logram
eximir-se a esta universal tendencia, como o prova o movimento
de concentração que no momento actual se
está operando nos
povos anglo-saxonicos, nos germanicos propriamente ditos e mesmo
nos povos slavos, apezar das differenças de
religião e de linguagem
que separam estes ultimos entre si;
Considerando que, em virtude desta tendencia, é legitimo
prevêr-se como irremediavel, em futuro relativamente pouco
distante,
se não o desapparecimento, pelo menos a
desintegração
das pequenas nacionalidades que não consigam defender-se,
pela
massa dos seus habitantes, da absorpção,
consequencia fatal da
lucta pela existencia, cada vez mais implacavel entre as grandes
nações, que na sua ancia de
açambarcamento inquietam os agrupamentos
secundarios, embora muito adeantados em cultura;
[12]
Considerando que Portugal e Brasil, pela
sua origem, historia
e tradições, pela lingua que ambos falam, pela
raça a que pertencem
e pelos multiplices interesses que os ligam, sem embargo
do glorioso facto consummado da independencia brasilica, e,
não
obstante, portanto, serem duas soberanias politicas separadas e
perfeitas, constituem na realidade, em face das outras
agremiações
nacionaes e exoticas, um grupo áparte, nitidamente
delimitado,
com individualidade distincta e, por conseguinte, com um
destino historico completamente autonomo, circumstancia a que
o direito internacional não póde ficar estranho;
Considerando que, na situação de isolamento
reciproco, em
que se encontram, as duas nações estão
compromettendo a grandeza
do papel primacial que deviam representar no mundo, com
grave prejuizo dos interesses proprios e apenas com vantagem
para as nações rivaes, que se estão
aproveitando habilmente da
desunião de ambas;
Considerando que a grande nação brasileira,
não obstante os
quasi illimitados recursos de que dispõe e as brilhantes
qualidades
dos seus filhos, que se estão impondo á
consideração universal
pela sua intelligencia e illustração, pelo seu
patriotismo e pela
sua actividade, corre o risco de se ir desnacionalizando pouco a
pouco pela introducção, cada vez em mais larga
escala, de elementos
de immigração estranhos ao seu carater historico
e até
antipathicos á sua idiosyncrasia ethnica―provaveis
causadores
de futuras perturbações e de inevitaveis perigos
para a União;
Considerando que este sério risco de
desnacionalização lenta,
mas segura, sómente o Brasil póde conjural-o pela
approximação
e relações cada vez mais estreitas com Portugal,
possuidor ainda
hoje de um rico e vastissimo imperio em Africa, de territorio reduzido
na Europa, não ha duvida, mas berço de uma
robusta e
prolifica população largamente espalhada pelo
mundo, de extraordinarias
faculdades de adaptação e resistencia,
população indispensavel―e
não substituivel por outra―para a
conservação
e pureza da raça nacional do Brasil;
Considerando mais que o problema da gradual e progressiva
fusão da numerosissima colonia portuguesa, que vive no
Brasil,
com a terra que lhe dá tão generosa hospitalidade
é para os futuros
destinos da nacionalidade brasileira de capital e decisiva
importancia, mas sómente de solução
integral possivel quando as
duas nações, hoje separadas e quasi estranhas uma
á outra, se
harmonizarem no superior interesse de uma fecunda
approximação;
[13]
Considerando, por outro lado, que a
economia nacional portuguesa
só ao contacto intimo da exuberante seiva brasileira
póde
robustecer-se e tonificar-se, sendo, além disso,
fecundissimo campo
para a nossa actividade material e progredimento moral as
vastas regiões cobertas pela gloriosa bandeira auri-verde;
Considerando por isso como verdade evidente, sem possibilidade
de discussão sequer, que a resolução
definitiva do problema
economico português depende grandemente―quaesquer que sejam
os esforços, a sinceridade e a intelligencia que para ella
se empreguem
dentro das nossas estreitas fronteiras―de plenamente
se realizar um forte e largo accordo luso-brasileiro, formula de
renascimento mundial da nossa commum nacionalidade;
Attendendo a que a tradicional alliança de Portugal com a
Inglaterra, base da nossa situação politica
internacional, assim
como intimas relações de cordealidade com as tres
nações latinas,
nossas irmans, e com a Allemanha, nossa cooperadora em
Africa, em coisa alguma são prejudicadas pela
unificação moral
de Portugal com o Brasil n'um pacto superior, permanente e
sui
generis, tal como o impõem os
especialissimos laços fraternaes
existentes entre as nações que falam a lingua
portuguesa;
E, attendendo, finalmente, a que á Sociedade de Geographia
de Lisboa, pelos seus fins, pela sua constante
tradição e pelo logar
proeminente, tão excepcionalmente em evidencia, que occupa
na vida nacional portuguesa, compete, nesta hora difficil para a
patria, cooperar, quanto em si caiba, no movimento de
renovação
do nosso querido Portugal;
Tenho a honra de propôr que, nos termos do artigo
40.º dos
estatutos, se crie uma commissão geral permanente com o
titulo
de «Commissão Luso-brasileira» a qual
terá, entre outros, os seguintes
fins:
1.º―Estudar a forma mais adequada de se realizarem congressos
periodicos luso-brasileiros, que devam, em prazos a fixar,
reunir-se alternadamente em Lisboa ou Porto e no Rio de Janeiro
ou outras cidades brasileiras com o intuito de discutir todos os
assumptos de ordem intellectual e economica que interessem em
commum e exclusivamente as duas nações, e onde
haja de fazer-se
a propaganda das deliberações que pelos mesmos
congressos
e pelos governos dos dois paizes tenham de ser tomadas a beneficio
de ambos os povos, respeitando-se escrupulosamente a independencia
de cada um delles e evitando-se toda e qualquer
interferencia, por minima que seja, na vida interna e no modo de
ser dos dois paizes reciprocamente;
2.º―Estudar a forma de se negociar um tratado de
incondicional
arbitragem entre Portugal e as suas colonias de um lado
e o Brasil do outro e de se realizar a conveniente
cooperação das
duas nações em assumptos de caracter
internacional;
[14]
3.º― Estudar a
fórma de se ultimar, com a urgencia
que razões
obvias aconselham, um tratado de commercio, ou antes um
largo entendimento commercial entre as duas
nações, procurando-se
a maneira, até onde fôr possivel vencer as
difficuldades naturaes
inherentes ao assumpto, de que uma á outra concedam
respectivamente
vantagens especiaes que deixem de ser transmittidas
aos outros Estados, não sendo, portanto, attingidas pela
clausula
de nação mais favorecida, inscripta actualmente
nos tratados
já existentes tanto de Portugal como do Brasil com os paizes
estrangeiros;
4.º―Promover a creação de uma linha de
navegação luso-brasileira
entre os dois paizes, sob o alto patrocinio de ambos
os governos;
5.º―Promover a fundação em Lisboa de um
entreposto
central para o commercio do Brasil na Europa e de um entreposto
central no Rio de Janeiro para o commercio português na
America, podendo, no caso de isso ser conveniente, fundar-se
outros dois entrepostos, um no Porto e outro no Recife, ou onde
mais convenha ao Brasil;
6.º―Promover a construcção de dois
palacios, um em Lisboa
e outro no Rio de Janeiro, destinados á
exposição e venda
permanente dos productos nacionaes de cada um dos dois paizes
no outro;
7.º―Promover, sempre que fôr possivel, a
unificação ou pelo
menos a harmonização da
legislação civil e commercial dos dois
paizes;
8.º―Promover a approximação
intellectual―scientifica, literaria
e artistica―dos dois paizes, dando aos professores e diplomados
brasileiros em Portugal e aos professores e diplomados
portugueses no Brasil os mesmos direitos com equivalencia dos
respectivos titulos de habilitação;
9.º―Promover visitas regulares de excursionistas e de
estudo―de
intellectuaes, de artistas, de industriaes e commerciantes
portugueses ao Brasil e brasileiros a Portugal e ás suas
mais importantes
colonias;
10.º―Estudar a maneira de se fundar em qualquer das duas
capitaes, ou simultaneamente em ambas, uma revista que seja o
orgão para servir de interprete permanente a este movimento
de
approximação luso-brasileira;
11.º―Promover mais intimas e continuadas
relações entre
a imprensa brasileira e a imprensa portuguesa pela troca de
collaboração
e pela instituição de reuniões
periodicas dos editores
de livros e dos representantes do jornalismo de ambas as
nações;
12.º―Promover a intelligencia entre si, respectivamente, das
sociedades scientificas, artisticas, de
instrucção, de beneficencia,
de gymnastica, de tiro, de natação e outros
desportos maritimos
e terrestres, etc., pertencentes aos dois paizes, assim como das
associações academicas brasileiras e portuguesas,
creando-se
tambem bolsas de viagem para os estudantes de cada um dos
dois paizes no outro;
[15]
13.º―Promover o movimento de
approximação luso-brasileira
no Brasil, ou por intermedio de alguma das sociedades alli
existentes, como a Sociedade de Geographia ou o Instituto Historico
Brasileiro, que, á semelhança da Sociedade de
Geographia
de Lisboa, queira no territorio da União pôr-se
á frente deste
movimento, ou contribuindo para a fundação no Rio
de Janeiro
de uma liga luso-brasileira, com os mesmos intuitos que os da
commissão permanente cuja creação aqui
se propõe;
14.º―Finalmente, estudar a maneira de se fazer da benemerita
colonia portuguesa no Brasil a activa intermediaria da
approximação
moral dos dois povos, approximação que
terá como
symbolo da realidade da sua existencia a formosa lingua de
Camões e Gonçalves Dias a falar-se dos dois lados
do Atlantico
e a servir, em duas patrias fraternalmente enlaçadas, de
vinculo
inquebrantavel á raça luso-brasileira, cujo
destino historico, assim
engrandecido, deverá, a bem da
civilização, alargar-se triumphante
pelas mais bellas regiões do globo, ás quaes o
immortal genio
latino, representado pela nossa commum nacionalidade,
imprimirá,
com o supremo encanto da forma, o estimulo da sua energia
eternamente creadora.»
II
O PROBLEMA LUSO-BRASILEIRO
O problema luso-brasileiro é uma realidade. Não
está definido, não se lhe conhecem com
precisão os
termos; mas existe. Affinidades, claras e logicas umas,
e outras obscuras e inconscientes, sollicitam os dois grupos
sociaes e politicos, que compõem a
gens
lusitana,
se assim se póde exprimir o conjuncto ethnico em
elaboração
nas terras sob a soberania portuguesa e sob
a soberania brasileira.
Existe o problema luso-brasileiro, como existe o hispano-americano,
como existe o anglo-saxonio. Paizes
que derivaram dos povos colonizadores por excellencia
e que mantêem com elles intimas
relações e permanente
convivencia, ha tres nucleos de estados americanos
que constituem, á maneira que se desenvolvem e á
maneira que prosperam, não já simples e
justificados
motivos de orgulho para aquelles povos, mas poderosas
engrenagens a cuja sorte elles não podem, de maneira
nenhuma, ser estranhos.
[18]
Sentimos vagamente que ha laços insoluveis que nos
prendem ao Brasil. Dia a dia, hora a hora, reconhecemos
que existe uma verdadeira interdependencia na
vida luso-brasileira. O Brasil influe sobre Portugal e
Portugal influe sobre o Brasil. Como e em que espheras
das respectivas actividades se exercita essa
acção?
Eis onde surgem, cá e lá, as divergencias; eis
onde
collidem as opiniões e onde mais nitidamente se manifesta
a complexidade do problema luso-brasileiro.
Ha quantos annos Castelar lançou a idéa de
estreitar
os vinculos hispano-americanos? Ha mais de quarenta
e, todavia, o problema ficou sem solução...
Dizia Emilio Castelar:
«Reunir as idéas de todos os nossos escriptores;
communicar ao Novo Mundo o espirito hespanhol sob
todas as suas formas raras e variadas; lembrar-lhe todos
os dias, sob todos os tons da nossa lingua, que aqui
vivem homens que são seus irmãos; mostrar a seus
olhos o ideal de um futuro de paz, em que pela reunião
das nossas forças e das nossas intelligencias poderemos
fazer germinar nas entranhas dessa infeliz
America, ferida pela tempestade, e no seio desta desgraçada
Hespanha consumida pelas cinzas das suas ruinas,
uma sciencia nova e uma literatura nova; fazer
tudo isto com uma constancia, que lembre o nosso antigo
caracter, e fazel-o sem outra recompensa além da
satisfação da nossa consciencia, é um
dos maiores e
mais positivos beneficios que se podem conceber para
a nossa raça abatida.»
A iniciativa do sr. Consiglieri Pedroso no tocante ás
relações luso-brasileiras relembra a de Castelar
no que
concerne ás hispano-americanas. A cultura historica,
em ambos fortalecida pelas sciencias politicas e sociaes,
levou esses dois espiritos de eleição a encararem
o mesmo
problema sob aspectos quasi identicos. Ao lusitano,
como ao hespanhol, affigurou-se indispensavel a
seiva
americana ao caule ibérico. Era, nos dois
casos, a verificação
[19]
confessada de factos insophismaveis da economia
da peninsula hispanica; mas problemas economicos
têm de ser resolvidos economicamente. Ora, se
Castelar queria que se puzesse em pratica todo o seu
programma com a só recompensa da consciencia satisfeita,
o sr. Consiglieri Pedroso, mais positivo, estabeleceu
um programma em que prevalece o
do ut
des, a
troca de vantagens e serviços capazes de apertar os
laços
que prendem a patria de Camões á de
Gonçalves
Dias.
A forma pela qual se virá a tornar effectiva essa
solidarizacão decorre forçosamente das bases que
se
adoptarem para a conseguir.
O estadista hespanhol Francisco Silvela, abordando
o problema hispano americano, dizia que, «para a
renascença
das forças da sua patria», era indispensavel
«luctar nos mercados» das antigas colonias, que
considerava
mercados naturaes da Hespanha; mas, no seu
plano, que ia até uma confederação
ibero-americana,
entendia que «o mercado hespanhol» devia
«uma legitima
reciprocidade ao commercio, á industria e á
agricultura
desses povos irmãos».
Como dar realidade ao ridente projecto? Não nol-o
soube ensinar Castelar, não nol-o mostrou Silvela:
morreram e tudo continua como antes... Oxalá seja
mais proveitosa a nossa iniciativa.
O sr. Consiglieri Pedroso, com todo o seu saber,
labóra num engano. Á sua perspicacia deve ter
causado
impressão a simples lista dos brasileiros que, com
representação official, assistiram á
sessão da Sociedade
de Geographia. Alli esteve o primeiro secretario de
legação,
sr. Alvaro de Teffé, filho do almirante barão de
Teffé, cuja familia,
von
Hoonoltz, se me não affigura
lusitana, embora aos serviços do almirante deva o Brasil
a mais grata recordação de patriotismo; e, dos
quatorze
officiaes de marinha presentes, um era Burlamaqui,
[20]
outro Bardy, outro Lindenberg, outro Wegylin,
outro Costallat... Este facto bastaria, numa
representação
tão diminuta, para nos desilludir ácerca da
idéa
corrente em Portugal de que sómente os filhos dos
portugueses
adoptam a nacionalidade brasileira. Antes,
estivera no porto de Lisboa o
destroyer
«Piauhy», commandado
por Pedro Frontin, tendo por immediato Armando
Burlamaqui. E por Lisboa têm passado Filinto
Perry e Octavio Perry, officiaes de marinha e filhos de
outro illustre official, e tantos outros, a quem nem o
nome nem a origem attenuam o sentimento nacional.
Lauro Müller, filho de colonos allemães de Santa
Catharina, é senador e coronel do exercito e foi ministro
da viação no governo Rodrigues Alves.
Olavo Bilac, Escragnolle Taunay, Pardal Mallet,
Clovis Bevilacqua, Henrique Oswald, Felix de Otero,
H. Chiaffitelli, Rodolpho e Henrique Bernardelli, Ludovico
Berna, Elyseu d'Angelo Visconti, o architecto
Stahlembrecher, o pintor Chambelland, nas letras e
nas artes; Raja Gabaglia, Lima Drummond, Alfredo
Pujol, Vergueiro Steidel, G. Hasslocher, Wanderley
Araujo, no direito; Chapot Prévost, Monat, Chardinal,
Seidl, Niobey, Alberto Muylaert e Rebello Kock,
na medicina; Paulo de Frontin, José e Jorge de Lossio
Seiblitz, Estanislau Bousquet, Victor Villiot, Everardo
Backeuser, Henrique Kingston, Julio Delamare Koeler,
Van Erven, Dunham, na engenharia; Gaffrée, Guinle e
Street, na industria―para citar só de memoria e para
pôr de lado aquelles que remontam a um passado já
distante―são nomes que ninguem póde
crêr usados
por pessôas alheias ao espirito nacional brasileiro.
Quem foi o ministro da marinha do governo provisorio?
Wandenkolk. E quem é o actual ministro da
guerra? Bormann. De sangue italiano são os filhos do
insigne jornalista, hoje presidente do Senado, Quintino
Bocayuva; têm sangue francês os filhos do
extraordinario
patriota que se chama Rio Branco.
[21]
E, apezar de toda esta fusão de raças, o
sentimento
brasileiro nada soffre! E, apezar de quaesquer receios
de desnacionalização, o que se vê
é que cada vez se
vae robustecendo mais a nacionalidade!
E, se é certo que a lingua é o mais poderoso
elemento
caracteristico das nacionalidades, é evidente que,
dentro do Brasil, todos os exoticos são absorvidos e
assimilados
pela massa luso-brasileira, que forma a sua
força ethnica preponderante.
O dr. Bulhões Carvalho, director geral da Estatistica,
no prologo do «Boletim Commemorativo da
Exposição
Nacional de 1908», dizia:
«Em relação á naturalidade,
é extraordinario o predominio
do elemento nacional do Brasil. Em 1872, o
numero de estrangeiros era de 383.546 para 9.728.515
brasileiros; em 1890 o total dos estrangeiros era de
351.545 para 13.982.370 brasileiros; em 1900 a cifra
dos estrangeiros attingia a 1.240.264 para 16.078.292
brasileiros.»
III
O SUPPOSTO PERIGO
Onde existe o perigo da desnacionalização?
Diz o sr. Consiglieri Pedroso, no seu 7.º considerando,
que «o Brasil corre o risco de se ir desnacionalizando
pouco a pouco pela introducção, cada vez
em mais larga escala, de elementos de immigração
estranhos
ao seu caracter historico e até antipathicos á
sua idiosyncrasia ethnica―provaveis causadores de
futuras perturbações e de inevitaveis perigos
para a
União».
A immigração não portuguesa―eis em
que consiste
o perigo, no dizer do eminente professor. Ora, a
verdade, falada pelos numeros, póde ser sem brilho,
mas é irrecusavel.
Em todo o periodo que vae de 1820 até 1907, diz-nos
a estatistica (
Bulhões
Carvalho, trabalho citado)
que, nos portos do Brasil, entraram 1.213.167 italianos,
634.585 portugueses, 288.646 hespanhoes, 93.075 allemães,
56.892 austriacos, 54.593 russos, 19.269 franceses,
[24]
11.731 turco-arabes, 11.068 ingleses, 9.086 suissos,
3.780 suécos, 11 belgas e 165.590 de outras nacionalidades.
Ao todo entraram 2.561.482 immigrantes. Tirando
os portugueses, temos 1.926.897 immigrantes, não sabemos
se todos «estranhos ao caracter historico e antipathicos
á idiosyncrasia ethnica» do Brasil.
É claro que não constituiu a sua superioridade
numerica
causa de perturbações nem de perigos para a
nação... Esses elementos encontraram na sociedade
organizada o meio propicio á
adaptação. Foram assimilados.
E, como a emigração não representa a
cultura,
porque é recrutada entre as classes mais desprotegidas
dos paizes europeus, essas ondas humanas foram
fecundar as terras de Santa Cruz e lá puderam
proporcionar á sua próle o bem-estar, a
instrucção e a
educação que, deste lado do Atlantico, ella
desconheceria;
mas não lhe modificaram a cultura: quando
muito, integraram-se nella.
Desses immigrantes ficaram os nomes. Os cruzamentos,
o ambiente e a evolução peculiar da sociedade
nova em que foram incorporados, formaram um typo
nacional, em que predominam as caracteristicas portuguesas,
mas que, sob alguns aspectos, tende a differenciar-se
do nosso.
Por que se deu esse predominio? Pelo facto politico-social
da posse e da soberania, em primeiro logar;
depois pela acção eugenica dos portugueses sobre
os
elementos indigenas e africanos; e, finalmente, pela
continuação d'essa influencia na descendencia
mestiça.
Quando, ha oitenta e tantos annos se iniciou a corrente
immigratoria não portuguesa para o Brasil, já
lá havia
uma consideravel população com a nossa cultura,
com
as nossas tradições e com as nossas
instituições.
Era a nossa raça? O brasileiro era o luso? Sylvio
Romero nega que o fosse. Acha que a historia do Brasil
não é a «historia exclusiva dos
portugueses na America»,
[25]
nem
a dos tupys, nem a dos
negros. «É, antes,
a historia de um typo novo.»
Esse typo novo não podia deixar de ter com o
português―elemento
superior da sua formação inicial―affinidades
mais intimas do que com qualquer outra
nacionalidade. Os destinos de um povo dependem dos
seus elementos ethnicos superiores. Assim foi que,
dada a implantação da
civilização européa na America,
as nações, que vieram a constituir-se n'esse
continente,
se tiveram de modelar e pautar pelas de que promanavam,
reproduzindo, além da medida exacta do sangue,
as qualidades essenciaes das raças originarias superiores.
É sob este ponto de vista que o brasileiro é o
português
da America, onde o Canadá ainda representa
o francês e o inglês, o americano do norte prolonga
a
modalidade britanica, e os demais povos conservam
inconfundiveis traços do hespanhol.
Limitando-nos ao caso que nos respeita, quer isto
dizer que o brasileiro se encontra apparelhado pela
consciencia nacional e pelas energias de ordem legal,
moral e material, que dão realidade aos gremios nacionaes,
para proseguir na sua marcha evolutiva independente,
apezar de quaesquer nucleos extra-lusitanos que
para o Brasil emigrem.
Os factos corroboram a nulla acção
desnacionalizadora
dos immigrantes não portugueses. De 1824 a 1859,
anno em que os allemães deixaram de ir para o Brasil
em virtude do rescripto famoso do ministro prussiano
Van der Heydt, esses colonos, espalhados pelas
provincias do sul, não logravam attingir a cifra de
30.000. A Allemanha, reconhecendo que cresciam extraordinariamente,
apezar de prohibida a emigração, as
populações germanicas no sul do Brasil, procurou
conserval-as
unidas á
Vaterland por
meio do ensino: creou
escolas e na lingua tinha um vinculo precioso e poderosissimo.
São conhecidos por
teutos
esses brasileiros,
que, se puderam ser motivo de preoccupações,
deixaram
[26]
de o ser desde que, á escola e á lingua allemans
se
oppuzeram a escola brasileira e a nossa lingua.
Quinhentos mil
teutos, muito
prolificos, em incessante
incremento, constituirão esse perigo? Ou serão
os quasi cem mil que, nesse total, conservam a nacionalidade
alleman? Ou serão esses, mais os dois milhões
e meio de italianos e filhos de italianos e mais outro
milhão de pessoas de outras linguas?
Quatro milhões dos seus dezoito a vinte milhões
de
habitantes não podem desnacionalizar o Brasil.
E ai de nós se o pudessem fazer! Que remedio lhe
poderiamos dar com os nossos seis milhões de habitantes,
em que só não são analphabetos
1.200.000, quando
esses paizes para lá mandam gente muito menos ignorante?
O perigo da desnacionalização não
existe realmente.
A actual população possue capacidades
triumphantes
de resistencia á invasão exotica.
Quem o reconhece não somos nós, são os
proprios
allemães e italianos. A illusão desfez-se. O
Deutschthum
falliu na sua execução sul-americana. A
Nova Italia foi
fantasia logo batida pela realidade. E, como, afinal, á
falta de melhor, basta, a quem faz negocios, não os
perder, a politica dos povos emigrantistas, isto é, dos
que precisam ir conquistar a terras novas o pão que as
velhas lhes negam, transformou-se; e em novas
aspirações
praticas passou a traduzir-se.
Diz o allemão dr. Robert Jannassh:
«O immigrante que aqui vive e trabalha, tem de se
tornar brasileiro, deve aprender a lingua do paiz,
esforçando-se
por se exprimir n'ella tão bem como em
seu proprio idioma, sem o que não poderá tomar
parte
na vida publica em beneficio da collectividade.»
Diz o professor Siever, da Universidade de Giessen:
«Se o imperio allemão quer recuperar a sua antiga
preponderancia no concerto das potencias, procure
adquirir, na America do Sul, real influencia; mas não
[27]
sob a forma de annexações e sim na base de
relações
commerciaes, industriaes e pecuniarias...»
O professor Vincenzo Grossi, da Universidade de
Roma, aconselha egualmente que os emigrados adoptem
a lingua e a nacionalidade dos paizes em que se
installam.
O remedio, está-o applicando a Republica dos Estados
Unidos do Brasil: é a escola, é a
legislação tendente
á absorpção do estrangeiro.
Assim prevenido, o Brasil ha de receber, sem risco
algum, as enormes lévas de trabalhadores, que o seu
progresso material e a sua missão no equilibrio
sul-americano
reclamam e que Portugal, já com escassas
energias no ponto de vista demographico, não lhe
póde
offerecer.
IV
OS ESTRANGEIROS NO BRASIL
Chegou a haver no Brasil uma forte corrente de
opinião contraria á
immigração italiana e alleman. Não
ha negal-o; mas a verdade é que essa corrente deixava
de encarar o problema tal qual era na verdade,
para vêr unicamente um facto apparentemente grave
para a existencia nacional, qual era a formação
de
poderosos nucleos de lingua italiana e alleman nos
Estados do sul da Republica.
Esses nucleos não encontravam meio favoravel á
conservação das suas nacionalidades de origem.
É
certo que para onde convergiam os italianos, como
em S. Paulo, acorriam outros italianos, da mesma fórma
que os allemães se congregavam no Rio Grande
do Sul, Santa Catharina e Paraná. Era tal a força
das
affinidades nacionaes que em algumas regiões 80 a
95% da população era
teutonica; e, como era natural,
os
teutos, por lá, eram
os que tinham de desempenhar
todas as funcções publicas e de exercer todas as
fórmas
[30]
da actividade segundo as tendencias da sua raça
e de accordo com as conquistas da propria
civilização.
Mas a verdade dos factos é que esses agglomerados
ethnicos perdiam o espirito nacional á maneira que os
filhos entravam na vida brasileira e á medida que a
prosperidade no novo
habitat os
prendia á terra de
adopção.
E adopção dizemos porque, de facto, os
estrangeiros
idos para o Brasil até 1890―anno em que, com a
autonomia aos estados dada pela Republica, entrou a
crescer de modo consideravel a immigraçao
[3]―eram
absorvidos, incorporados na massa nacional.
Affirma-o a estatistica. O censo de 1890 accusa,
com effeito, 351.545 estrangeiros para 13.982.370 brasileiros.
Quer isto dizer: 1.º que os filhos de immigrantes
tinham adoptado a nacionalidade brasileira;
2.º que a propria gente exotica, em grande parte, tinha
acceitado a naturalização tacita, porquanto
só nos annos
de 1880 a 1889, a entrada no Brasil―de todas
as origens―tinha passado de 300.000 estrangeiros.
É, porém, verdade que alguns homens,
aliás eminentes,
do Brasil tiveram receio dos grandes grupos
de população de lingua estranha. Desse facto, nem
sempre apreciado com justeza de criterio, resultou a
noção de um
perigo
allemão e de um
perigo
italiano,
que, se existiram algum dia, foi pela possibilidade de
conflictos internos de gentes de culturas divergentes
em fusão, e não pela ameaça de desviar
a nacionalidade
dos seus destinos resultantes de tendencias acima
de tudo definidas pela lingua.
A Republica, ao ser proclamada, encontrou-se
deante de «sérios problemas», neste
terreno melindrosissimo.
[31]
Falava-se no espirito monarchico dos
teutos; dizia-se que, a um aceno de
Silveira Martins,
se ergueriam dezenas de milhares de
teutos; havia
quem acreditasse―na Europa principalmente!―que
o Brasil se ia dividir em tres estados: ao norte, a
Amazonia; ao centro uma nação em que viriam a
preponderar os italianos; ao sul, uma nova Allemanha,
que, lá para 1999, devia ter 30 a 35 milhões de
habitantes...
Andou isto pela imprensa francesa, inglesa e alleman,
que, sobre um artigo do
Tempo,
[4] de
Lisboa,
bordou longas e arbitrarias considerações
historicas e
ethnologicas e se perdeu em estopantes
dissertações
de direiro.
Os «sérios problemas» existiam, em todo
o caso.
Era preciso introduzir trabalhadores no Brasil! Esse
é que era o maximo problema. Faltavam os braços
á
lavoura. Aonde ir buscal-os, senão aos paizes que os
podiam fornecer em maior abundancia? Aonde, senão
aos paizes de lingua estranha, já que Portugal só
lhe
dera 24.000 colonos em 1888 e 28.000 em 1889? Aonde,
se, apesar de todos os esforços, o estado de S. Paulo
só conseguiu, de 1890 a 1904 exclusivé, pouco
mais
de 36.000 portugueses contra 190.000 italianos?
A immigracão subsidiada pelo Estado obedecia a
uma imperiosa necessidade economica. Tinha de ser
feita, com as raças que offerecessem mais braços
disponiveis.
Mas, se já na epoca das fracas lévas exoticas
se falára em «perigos», que
não seria depois de abolida
[32]
a escravidão, depois de mudado o regimen politico?...
Mais do que nunca havia que cercar a nacionalidade
de meios de defeza. Foi por isso que o governo provisorio
tratou, logo nos seus primeiros dias, de decretar
a grande naturalização. O decreto de 15 de
dezembro
de 1889, que deu a nacionalidade a todos os estrangeiros
que, estando no Brasil em 15 de novembro, a
quizessem, teve alcance muito maior do que se imagina,
embora os protestos de Portugal, Hespanha, Inglaterra
e Hollanda contra a lei tivessem attenuado, de certo
modo, a sua efficacia.
No debate deste assumpto, no seio do governo provisorio,
propondo que se mantivesse a lei, dizia Quintino
Bocayuva, ministro das relações exteriores, que
«a par da energia» que devia manter o governo para
com as nações estrangeiras, «devia
tambem usar de
certa delicadeza» porque o Brasil
«
dependia do problema,
maximo da
immigração».
[5]
Observou-se a delicadeza. Manteve-se a lei. Os resultados
de tal politica estão no censo de 1890, como
já vimos; mas vinha de longe esse esforço. O
partido
republicano, tantas vezes accusado, depois do novo regimen,
de hostilizar o estrangeiro, sempre advogára
as mais liberaes medidas para a naturalização. E
essa
pretensa hostilidade sómente significava justificado
espirito
nacionalista.
Já em 1881, ao dirigir-se aos eleitores de S. Paulo,
o grande cidadão, que se chamou Francisco Rangel
Pestana, dizia (
Programma dos
Candidatos) que o seu
partido tinha, no seu manifesto de 1880, tomado nessa
materia um compromisso solemne, que impunha «uma
reforma na legislação de modo a ser facilitado ao
estrangeiro
[33]
domiciliado no Brasil o meio de entrar,
sem
vexame e com o conhecimento exacto das necessidades
do paiz, na communhão social»
brasileira.
E, depois de criticar a legislação
então vigente na
materia e de mostrar as necessidades que havia para
o bom exito da medida, dizia:
«Nem especialmente em relação ao
augmento da
corrente de immigração, nem em
relação ao progresso
moral e material do paiz, a propaganda em favor
da naturalização trará resultado
seguro e vantajoso,
se outras reformas não vierem mudar
este
estado de
coisas que entristece os bons pensadores de todos os
partidos.»
Entendia Rangel Pestana que o estrangeiro não
procuraria adoptar a nova patria se não reconhecesse
que havia nella «garantias para os seus direitos civis
e mesmo para os politicos».
A Republica não faltou aos seus compromissos.
V
O POVOAMENTO E A NACIONALIDADE
Os systemas geralmente adoptados para a
acquisição
de braços foram todos experimentados no Brasil.
Desde a immigração subsidiada ás
multiplas formas de
colonização, não houve processo que,
em maior ou menor
escala, deixasse de ser ensaiado.
Tratava-se realmente do problema maximo. Os elementos
naturaes não bastam, as riquezas de todos os
generos e os mais vastos territorios de nada servem
quando falta a população. É o homem
que fecunda e
valoriza tudo.
Escrevia, em 1901, o Dr. Luiz Pereira Barretto:
[6]
«Variedade de climas; numerosos e volumosos cursos
de agua irradiando de um admiravel planalto central
que convida a humanidade futura a alli vir derramar
400 milhões de habitantes; exuberantes florestas;
[36]
uma flora e uma fauna de suprema belleza; riqueza de
sólo; immensas jazidas de mineraes de toda a sorte:
1.200 léguas de costa; portos abundantes e tocando ao
ápice da perfeição ideal como
largueza, segurança e
elegancia e attingindo alguns a proporções
colossaes;
tudo, tudo possuimos na mais vasta escala.
Não seremos capazes de fazer valer tantos e tão
excepcionaes
recursos?»
O Brasil, para fazer valer os seus recursos, em
verdade excepcionaes, precisou sempre, precisa hoje, e
precisará amanhan de augmentar a sua
população, cujo
crescimento vegetativo é insignificante para o seu
territorio,
com gente das regiões em que a lucta pela vida
é mais dura. A immigração é
o processo de crescimento
que se lhe impõe.
Foi, com esse intuito que o estado subsidiou a
introducção
de trabalhadores, fez as concessões dos burgos
agricolas, creou os nucleos coloniaes, e, por fim,
organizou um vasto e completo systema de povoamento
do sólo.
A experiencia ensinou que era indispensavel preparar
o meio para attrahir e prender o estrangeiro. A
esta orientação obedeceram recentes medidas
governativas,
de entre as quaes podemos destacar:
as leis que declararam privilegiadas as dividas provenientes
de salarios de operarios agricolas (janeiro de
1904, dezembro de 1906 e março de 1907);
a organização do serviço de Propaganda
e Expansão
Economica do Brasil no Estrangeiro (outubro de 1907);
a regulamentação do serviço de
povoamento do sólo
(leis de 30 de dezembro de 1906 e 19 de abril de 1907);
as instrucções para a
fundação de nucleos coloniaes
e localização de immigrantes por conta da
União
(portaria de 21 de dezembro de 1907);
o decreto de 5 de janeiro de 1907, que creou os
syndicatos e as cooperativas―instituições
correntes
em alguns paizes emigrantistas.
[37]
As vantagens e garantias constantes de todas estas
medidas são obvias; todavia ha que lêr o
regulamento
do serviço de povoamento para comprehender o espirito
que guiou, nesta materia, o governo brasileiro.
É preciso fixar muita gente: por isso, «a
União
promove o povoamento, mediante accordo com os Estados,
emprezas de viação ferrea e fluvial, companhias
ou associações e particulares» (Art.
o
1.º); os immigrantes,
cuja moralidade e cuja saude são fiscalizadas (art.
2.º),
constituem nucleos em lotes de terras escolhidas, em
bôas condições de salubridade e com
transporte facil e
installam-se nos nucleos como proprietarios (art.
o
5.º),
e só excepcionalmente (art.
o
4.º)―porque
é preciso
admittir as surprezas de uma exploração que se
inicía―os
immigrantes poderão ser introduzidos sem
acquisição
de terras; pelo Estado ou pelas emprezas serão fornecidas
gratuitamente, aos immigrantes, ferramentas e
sementes (art.
o 7.º, alinea V); os
lotes em regra
terão
casa para a familia do immigrante e terreno preparado
para as primeiras culturas (art.
o
21.º); os lotes
serão
vendidos a prazo ou á vista; os adquirentes dos lotes
terão (art.
o 36.º), durante
os seis primeiros
mezes, o auxilio
indispensavel á sua manutenção e
á da sua familia;
terão, durante um anno, pelo menos, (art.
o
27.º),
serviços
medicos e pharmaceuticos; se o adquirente morrer,
depois de pagar tres prestações, (art.
o
43.º) serão dispensadas
as outras em favor da viuva e dos orphãos;
o Estado (art.
o 96.º)
restituirá aos immigrantes
espontaneos,
que fôrem agricultores, a importancia das passagens
do porto de embarque ao de destino, dar-lhes-ha
(art.
o 97.º) desembarque, agasalho,
alimentação, medico
e remedios até seguirem para o seu destino, com
transporte gratuito; será concedida
repatriação a viuvas,
orphãos e inutilizados por doença ou accidente,
os
quaes (art.
o 131.º) poderão
vender os seus lotes;
aos
melhores immigrantes com mais de tres e menos de seis
[38]
annos de posse dos lotes serão concedidos (art.
o
132.º)
premios de viagem ao seu paiz do origem.
Basta este insignificante extracto para se avaliar o
intelligente esforço que o Brasil faz para fixar o
estrangeiro.
Bem dizia o ministro Calmon, no seu relatorio de
1908, que esse regulamento revelava «a
preoccupação
de assegurar ao immigrante elementos de feliz exito e
garantias de bem-estar e liberdade». E, justificando as
medidas que resumimos, ponderava que a «suprema
ambição do proletario que se expatria
é tornar-se proprietario.»
Introduzir immigrantes não é, porém, o
unico fim
da lei a que nos estamos referindo: tem ainda em mira
povoar o Brasil, isto é,
preparar novas forças de crescimento
vegetativo; e não deixa de attender á
questão da
nacionalidade. Como? É o que vamos vêr resumindo
outros dispositivos da lei.
O art.
o 19.º manda reservar, em cada
nucleo, lotes
para grupos escolares.
O art.
o 44.º estabelece aulas de ensino
primario
gratuito; o art.
o 57.º manda applicar o
art.
o 44 aos nucleos
fundados pelos governos dos estados; o art.
o
57.º
impõe essas obrigações ás
emprezas de viação, as
quaes têm de promover o povoamento das terras marginaes
ou proximas das suas linhas.
Temos, pois, o ensino da lingua portuguesa, como
meio de nacionalização, aliás
adoptado, de ha muito,
em todas as regiões onde se agglomeram massas de
immigrantes. Onde se abriu uma escola estrangeira, não
raro em um pardieiro, surgiu sempre um edificio lindo,
com bellos jardins, para a escola nacional.
Mas ha outras providencias com o mesmo intuito nacionalizador.
Assim, os lotes são vendidos a prazo só aos
immigrantes com familia, os quaes podem adquirir segundos
lotes contiguos aos primeiros (art.
os
26.º, 27.º e
28.º).
Ao immigrante estrangeiro que contrahir casamento
[39]
com brasileira ou filha de brasileiro nato, ou ao agricultor
nacional que se casar com estrangeira aportada
ha menos de dois annos como immigrante, será concedido
(art.
o 29.º) um lote de terra com
titulo provisorio,
que se substituirá por outro definitivo de propriedade,
sem onus algum para o casal, se este
tiver durante o
primeiro anno, a contar da data do titulo provisorio,
convivido em boa harmonia.
E se, após o casamento, quizer adquirir um lote a
titulo definitivo (art.
o 30.º) ser-lhe
ha feita
a venda por
metade do preço estipulado.
Em todos os nucleos (art.
os 46.º e
53.º)
serão dados
10% dos lotes a nacionaes. Sempre que n'um nucleo
houver 300 lotes de estrangeiros será organizada (art.
o
46.º) uma secção de lotes para
agricultores nacionaes.
O mesmo poderão fazer as emprezas contractantes de
colonização (art.
o
78.º). E sempre que
«a necessidade
publica o exigir e o Estado interessado não os
pudér
organizar, a União fundará nucleos coloniaes
destinados
exclusivamente a agricultores nacionaes.
Julgamos que estas disposições legaes falam com
sufficiente eloquencia.
Ainda ha outras precauções com identico fim.
A constituição, que só véda
ao naturalizado a presidencia
da Republica, estatue que a navegação de
cabotagem
tem de ser nacional (art.
o 13.º
§ unico).
A recente lei das successsões é de intuitos
nacionalistas.
A lei dos syndicatos profissionaes, os quaes (art.
o
2.º)
para gosarem de personalidade civil têm de ter
direcções
formadas por brasileiros natos ou naturalizados,
tambem é um elemento de attracção para
o operariado
dos paizes mais cultos, que nesse estatuto encontra os
conselhos, a que está habituado, de
conciliação e arbitragem
e as associações de previdencia, assistencia e
mutualidade, que lhe são indispensaveis.
VI
A IMMIGRAÇÃO PORTUGUESA
Ha porventura melhor immigrante do que o português?
Direi, sem receio de contradicta, que, para o
Brasil, é o melhor, apezar das
condições especiaes em
que tem estado a nossa patria quanto á
instrucção publica.
No Annuario de Estatistica demographo-sanitaria
de 1895, Bulhões Carvalho, aliás nem sempre justo
com a nossa colonia, reconhece que o português é o
immigrante «que tem mais inclinação
para se fixar no
paiz». É certo. Patriota até onde
póde elevar-se esse
sentimento, o português, em regra, não se
naturaliza.
Affeiçôa-se ao novo domicilio; não
elege nova patria.
Não significa o seu proceder menos estima ao Brasil,
senão mais acendrado amôr a Portugal. Para elle ha
um paiz sem egual: é o seu, que não tem defeitos,
que
é o mais intrépido e o mais feliz do mundo...
O sentimento exalta-se-lhe com a distancia. A
recordação
dos mais tenros annos amplifica a sua visão
[42]
saudosa. Mas é preciso reconhecer que, mesmo quando
revê a sua terra, a nossa, tão bella e
tão infeliz, a dôr
que lhe causa o descalabro geral não consegue arrancar-lhe
do intimo esse ardente amôr. Póde a evidencia
dos factos transformar-lhe as aspirações,
rasgar-lhe
horisontes fulgentes para o lado que antes se lhe affigurava
caliginoso.
Que importa? O seu sonho é a felicidade de Portugal.
E ou tenha visto e sentido o mal, ou tenha ficado
alheio á verdade da situação
portuguesa, permanece
português.
O seu domicilio é que já não
é Portugal. A sua
vida, em geral, adaptou-se ao meio brasileiro. Fixou-se.
A sua próle é brasileira; os costumes, que
contrahiu,
criaram-lhe segunda natureza.
O Brasil só lhe póde ser grato porque elle lhe
dá
o seu trabalho indefesso e honrado e porque os seus filhos
são brasileiros. Elle cumpre a missão do homem
que se expatria para melhorar de fortuna.
Não concordamos com a affirmação de
Bulhões Carvalho,
no Annuario referido, quanto á pretendida tendencia
dos portugueses para afastarem, dos logares em
que dominam, qualquer outro elemento estrangeiro.
Existem, é certo, nucleos de portugueses e em alguns
pontos póde um exame superficial permittir a
supposição
de que se encontram sós por haverem expellido
os outros immigrados. Não é essa a
razão do phenomeno,
que tambem se manifesta com os italianos, os
allemães e os hespanhoes. Um inquerito minucioso
demonstraria
que esses agrupamentos não se limitam ás
nações, descem ás provincias,
ás regiões e até ás villas
e aldeias. Não se comprehenderia a immigracão
espontanea,
que não é quantidade desprezivel, sem o
reencontro
de parentes, visinhos e conhecidos. Um parte
porque o outro partiu antes. Assim se congregam os
trabalhadores em todos os paizes americanos. Assim
tinha de acontecer com os nossos patricios no Brasil.
[43]
Forçoso é convir que o director geral da
Estatistica
tem razão quando affirma que «o progresso na
industria,
no commercio, nas letras e nas artes é mais
bem representado por outros povos do que pelo velho
Portugal com as suas grandiosas tradições
historicas».
Ha mistéres para todos, mesmo para os mais atrazados,
num paiz novo: os mais humildes cabem aos
menos preparados para a lucta pela vida. O accrescimo
physiologico não soffre com essa inferioridade. O que
é claro é que dahi decorre a imminente
subalternização
da nossa colonia. O aviso do distincto funccionario brasileiro
mereceria a nossa gratidão official, se acaso nas
regiões do poder se olhasse a sério para os
interesses
nacionaes. É um brado affectuoso: «Olhae para os
vossos competidores. Defendei-vos!»
Defender nos... Como havemos de nos defender,
se o regimen tem medo do
a b c ?
A miseria impelle para o mar os camponios analphabetos
e elles lá vão, heróes obscuros,
trabalhar
pela Patria! E como trabalham alegres, confiantes e
esperançados!
A America, disse um publicista italiano, é, pelo
menos, a esperança. A esperança move os que
emigram,
e emigra quem é capaz de luctar, quem se sente
disposto a não mendigar e a não morrer de fome.
É a
regra, com as naturaes excepções. Ora, sendo
assim,
os povos emigrantistas perdem energias preciosas, que
não sabem ou não podem utilizar, e que, bem ou
mal,
feliz ou infelizmente, são compensadas pelas remessas
de dinheiro e pelo consumo dos seus productos.
É o nosso caso. Lévas de emigrantes
vão para o
Brasil, onde se fixam e de onde nos auxiliam.
Convém ao Brasil o trabalhador português?
Convém,
pelas affinidades dos dois povos, e principalmente
porque, graças a essas affinidades, é o que mais
se fixa
no paiz.
Todavia o elemento emigratorio português é
insufficiente
[44]
para o povoamento do Brasil. Se constituissemos
uma grande massa humana, mesmo atrazada e de
pequena cultura, o Brasil não recorreria a outras
raças.
Não temos, porém, seis milhões de
habitantes...
A colonia portuguêsa no Brasil, cuja importancia
se nos affigura tanto maior quanto menor é o numero
dos que a compõem e acodem, ao nosso balanço
economico,
está muito áquem dos dois milhões a
que o
rei D. Carlos se referiu.
Os dados estatisticos que pudémos colher e conferir
em documentos officiaes dos dois paizes dão as seguintes
entradas de portuguêses nos annos de 1890 a 1908,
e são os de maior emigração de
Portugal:
1890 |
|
25.174 |
1891 |
|
32.349 |
1892 |
|
17.797 |
1893 |
|
28.989 |
1894 |
|
25.773 |
1895 |
|
40.390 |
1896 |
|
23.998 |
1897 |
|
17.793 |
1898 |
|
20.131 |
1899 |
|
13.348 |
1900 |
|
14.493 |
1901 |
|
14.489 |
1902 |
|
15.003 |
1903 |
|
14.527 |
1904 |
|
21.448 |
1905 |
|
24.815 |
1906 |
|
26.147 |
1907 |
|
31.483 |
1908 |
|
37.628 |
|
|
|
|
|
445.775 |
Nos 19 annos de maior movimento emigratorio de
Portugal, entraram, pois, no Brasil 445.775 portugueses.
[45]
A média annual do periodo de maior
emigração
é, segundo esses algarismos, de 23.461 pessoas. Se
imaginarmos que o português vive no Brasil até a
edade de 70 annos―o que é absurdo; se suppuzermos
que a edade em que se emigra é de 11 annos―outro
exagero; se admittirmos―novo absurdo―que
nenhum português morreu desde 1850, no Brasil, nem
de lá voltou; e se, afinal, dermos de barato que ha 59
annos a média dos immigrantes nossos patricios é
alli
a dos ultimos annos (e nos 40 annos de 1850 a 1889 foi
muito menor) poderemos dizer que ha no Brasil:
59 X 23.461 =
1.384.199 portugueses.
Muito menos do que os taes dois milhões. Ora, o
retorno é de 25% a 30%; a edade média dos
emigrantes
é 28 annos; a média da vida é de 65
annos; e
em 1906, depois do saneamento, a média da mortalidade
no Brasil foi de 20,74 por mil habitantes.
Já em um artigo de imprensa
[7]
tivémos
occasião
de dizer que a média da emigração
portuguesa para
o Brasil não excede 18.000 e que o total da nossa colonia
não chega a 700.000 pessoas. Diziamos, então:
«Isto não diminue, senão que augmenta o
beneficio
feito pelos portugueses domiciliados no Brasil á economia
da sua patria, visto que são menos a mandarem
esses 18.000 contos de réis, que são, segundo o
sr.
Anselmo de Andrade, a nossa salvação, o
«dinheiro
que melhor nos serve para saldar a parte do deficit
geral em ouro que o dinheiro das outras proveniencias
deixa a descoberto».
E depois de analysar as avultadas remessas que os
colonos de todas as origens fazem, concluiamos:
«É evidente que esta
situação economica é transitoria.
[46]
Um paiz em formação, como o Brasil, cujo
povoamento
se está fazendo com intensas correntes immigratorias,
tem de pensar em impedir este escoamento
de ouro, que lhe sangra constantemente as energias.
Quer por instituições legaes tendentes a
nacionalizar
os estrangeiros, quer por medidas que fixem o colono
á terra tornada sua, quer finalmente por providencias
de franca defesa, esse é o caminho de todos os povos
para cujo rapido crescimento é aproveitado o excesso
de população ou de pobreza de outros
paizes».
VII
A PERMUTA COMMERCIAL
A unica razão sólida que hoje determina os
tratados
de commercio e, portanto, os favores que as
nações fazem umas ás outras,
é a capacidade que
ellas offerecem para o consumo reciproco de
producções.
Estamos longe dos tempos em que não se
realizavam estes pactos por motivos utilitarios, mas
por méras combinações derivadas de
relações dynasticas.
Nos nossos dias prevalece a reciprocidade, tanto
quanto tal criterio póde ser adoptado para
populações
deseguaes, de habitos differentes e de producções
em
parte similares ou identicas, e tanto quanto o permittem
as distancias entre os concorrentes, distancias que
influem no custo dos transportes e, em ultima analyse,
no dos artigos.
Fala-se de ha muito e a proposta apresentada á
Sociedade de Geographia agora insiste na necessidade
de um tratado de commercio com o Brasil. Não querendo
[48]
entrar em conjecturas, parece-nos que essa
aspiração
exige minucioso estudo, antes do julgamento
das difficuldades oppostas até aqui á sua
realização.
Apesar de tudo quanto dizem os politicos de
soluções
retumbantes,
a nossa
producção gosa de
tratamento
amistoso no Brasil. Ha annos, quando o sr.
Campos Salles foi presidente da Republica, o ministro
das relações exteriores ia enveredando por um
caminho
que, sem fundamentos consistentes, tendia á exigencia
de fortes augmentos de consumo.
Era impossivel tal coisa; e logo se adoptou
orientação
mais logica, deixando o Brasil, que consumia
bastante do Uruguay e de Portugal e pouco lhes vendia,
de pensar em levar a exportação dos seus artigos
para esses paizes a proporções compensadoras,
reconhecendo
que os seus generos exportaveis eram de
natureza impropria a operar esse equilibrio.
O que os factos nos dizem é que o brasileiro, de
origem lusa ou exotica, tem o habito de consumir os
productos da nossa terra. Esses productos possuem,
por isso uma situação realmente privilegiada no
mercado
brasileiro. Tanto basta para que, na competencia
com os outros povos, tenhamos―como temos, de facto―vantagens
indiscutiveis.
A actual situação da permuta commercial entre os
dois paizes deixa muito a desejar. O Brasil podia importar
muito maior volume de productos portugueses
e Portugal podia consumir mais productos brasileiros
e preparar-se para vir a ser cliente muito maior ainda
da nação irman.
No anno de 1906, ultimo de que temos dados officiaes
para confrontar com os do Brasil (de onde ja possuimos
os de 1907 e 1908) os principaes artigos de lá
exportados foram:
Algodão, 31.668 toneladas; areias monaziticas 4.352
tonel.; assucar, 84.948 tonel.; borracha, 31.643 tonel.;
[49]
café, 13.965.000 saccas
[8];
cacáo, 25.135 tonel.;
farinha
de mandioca, 6.644 tonel.; tabaco, 23.630 tonel.; herva
matte, 57.796 tonel.; manganez, 121.331 tonel.; caroços
(oleaginosos) 30.904 tonel.; couros, 32.765 tonel.;
ouro nativo, 4.548 kilogrammas.
O nosso consumo de artigos brasileiros cresceu de
244.549 libras esterlinas a 312.755 ou 27,89%, de 1901
para 1906; mas o consumo dos nossos no Brasil cresceu
mais intensamente: cresceu 34%, ao que se vê do
relatorio das finanças relativo a 1907.
Não se póde, portanto, gritar que o trafico
luso-brasileiro
decáe: médra e de maneira sensivel.
Ora, querendo nós, como se diz todos os dias, melhorar
essas relações por um convenio commercial com
o Brasil, e, não sendo licito, hoje, negociar taes
instrumentos
diplomaticos sem clara noção das reciprocas
concessões, occorre naturalmente investigar o que podemos
offerecer e o que pedimos, o que o Brasil nos
offereceria e o que desejaria.
Visto que a iniciativa nos pertence, vejamos o que
podemos offerecer e o que queremos conseguir.
Analysemos a producção brasileira exportavel
neste
momento: compõe-se dos artigos que acima
mencionámos
com as quantidades respectivas. Olhemos para a
nossa estatistica de 1906.
1.º
Algodão.
Importámos n'esse anno 13.013 toneladas,
no valor de 3.123 contos, de algodão em rama
ou em caroço. Tendo industria de algodão, e
industria
protegida pela tarifa, só poderiamos importar do Brasil
a materia prima, a rama. O Brasil não está em
condições
de exportar fios e tecidos de algodão visto que
ainda os importa. Da sua materia prima, 85% tem
mercado na Inglaterra. Os 15% restantes destinam-se
a outros paizes manufactureiros. A sua producção
póde
[50]
crescer muito; mas poderemos nós adquirir quantidade
sensivel desse accrescimo? Eis o que convém saber.
Note-se que, em 1906, os 15% do algodão não
collocado
na Inglaterra montavam em 4.752 toneladas, das
quaes Portugal importava 4.717―quasi o total dos
15%.
As nossas colonias começam a cultivar o algodão.
Em 1906 recebemos: de Angola, 55.493 kilos; de Moçambique,
1.491 e da India, 2.600.
2.º
Areias monaziticas. Os
seus mercados serão,
por muitos annos, a Gran-Bretanha e a Allemanha.
3.º
Assucar. Temol-o das
colonias. Consumimos,
em globo, 32.700 toneladas. O assucar colonial tem
auxilio pautal. Em 1906 recebemos das colonias quantidade
insignificante; mas o desenvolvimento da lavoura
da canna nas colonias, em especial na de Moçambique,
é consideravel. Nesse anno, do Brasil recebemos 159
toneladas. Para a exportação brasileira, que
tende a
crescer muito, o nosso mercado seria bom. Este genero,
apezar da producção colonial, póde
entrar nas bases
de uma negociação intelligente, não
para escorraçar
de golpe os demais fornecedores, mas para ir modificando
a situação das permutas no sentido de garantir
parte do nosso mercado ao Brasil.
4.º
Borracha. O nosso
consumo não é em bruto e
é pequeno. A producção colonial tende
a avolumar-se,
em especial a de Angola e Guiné.
5.º
Café. O
consumo português em 1906 não chegou
a 3.103 toneladas, sendo do Brasil quasi 460 toneladas.
Das colonias exportaram-se, para outros paízes,
4.177 toneladas, que, com 2.388, consumidas no
reino, representam uma producção colonial
superior ao
dobro do consumo.
Portugal é um dos paízes de menor consumo de
café,
per capita. Tendo
menos de seis milhões de habitantes,
pode dizer-se que cada português não consome
mais do que meio kilo de café por anno. Se o consumo
[51]
subisse ao dobro, o café colonial sobraria ainda.
Na Allemanha o consumo é de 3 kilos por habitante.
[9]
6.º
Cacau. A nossa
producção, em 1906, de vinte
e cinco mil toneladas, foi egual á do Brasil. O nosso
consumo orçou por 145 toneladas, das quaes só uma
procedia do Brasil.
7.º
Farinha de pau.
Importámos, em 1906, para
consumo quasi 1.364 toneladas, não chegando a uma
tonelada a parte proveniente de fóra do Brasil. É
consideravel,
mesmo para a exportação desse paíz.
8.º
Tabaco. O consumo
é importante. Está naturalmente
indicado para a exportação brasileira o nosso
mercado. Aqui está um artigo em que poderiamos
offerecer vantagens ao Brasil, que, directamente pelo
menos, nos fornece pouco, sob o actual regimen de
exclusivo.
9.º
Herva matte. Consumo
inaprehensivel, mas que
se podia criar, substituindo parte do chá, que entrou
no paiz por um valor de 315 contos no anno de 1906.
10.º
Manganez. O seu
mercado é a Inglaterra.
11.º
Caroços
(oleaginosos). Consumimos 20.812
toneladas, das quaes perto de 11.000 são das colonias.
Devia se encaminhar a exportação brasileira para
Portugal,
onde ella foi representada, em 1906, por 11 toneladas.
12.º
Couros. O Brasil
está batendo, em Portugal,
os mais concorrentes; sobre 2.371 toneladas de pelles
diversas que importámos, em 1906, pertenciam-lhe
1.040.
[52]
13.º
Ouro nativo.
É insignificantissima a entrada.
A exportação brasileira é para a
Inglaterra.
Além destes artigos exporta o Brasil muitos outros
em menor escala. Desses, diremos quaes podem ser
dirigidos, após as negociações
precisas, para Portugal,
enumerando-as pela nossa pauta:
Fibras texteis; fructas; canhamo em rama; madeira
em bruto (genero em que o Brasil podia e devia quasi
monopolizar o nosso mercado); madeira das diversas
categorias da pauta; paus, raizes e cascas córantes;
milho (cuja producção cresce espantosamente no
Brasil);
amido em pó; especiarias; melaço; mariscos;
carne secca e em conserva―além de outros que dentro
em pouco tempo o Brasil poderá exportar, como o arroz.
Offerecemos pouco? Não se nos affigura que o Brasil
pense em obter de um paiz com a nossa população
o que seria licito esperar de vinte milhões de habitantes.
É certo que o Brasil nos compra muito. Em 1906
o vinho entrado no Brasil representou 1.628:854 libras
esterlinas: a metade dessa quantia coube ao nosso paiz.
É consideravel, sem duvida. O Brasil nesse anno consumiu,
da nossa exportação global de 908.492
hectolitros,
435.652―quasi metade! A população portuguesa,
se todo o seu mercado pertencesse ao café brasileiro,
não representaria mais do que 60.000 saccas de
consumo, e se este subisse ao triplo, não chegaria a
200.000 saccas, quantidade que não pesaria sobre uma
exportação que anda por 13 milhões de
saccas...
Exigir de Portugal, com menos de seis milhões de
habitantes, compensações que só com
dezoito ou vinte
milhões poderia dar, fôra absurdo. Não
ha que receiar
que o Brasil pense em semelhante coisa. O grande perigo
reside na perda da nossa clientella pela concorrencia
dos outros productores de generos similares, pela
falta de perfeição do preparo e do
acondicionamento
dos nossos e pela inefficacia da nossa
organização mercantil.
A esse risco acudiriam algumas das idéas lembradas
[53]
pelo sr. Consiglieri Pedroso, na sua proposta e,
dentre ellas, citaremos as constantes das
alineas 1.ª,
4.ª, 6.ª e 9.ª.
[10]
Quanto ao conselho da
alinea
3.ª discordamos delle
por completo. Porque entendemos que o tratado de
commercio, ou como se lhe queira chamar, não
póde,
em hypothese alguma, dar-nos «vantagens especiaes
que não sejam attingidas pela clausula de
nação mais
favorecida» concedida pelo Brasil a outros paizes. Sem
poder citar os accordos que o Brasil tem, julgamos,
todavia, manifesto que, se os tem com concorrentes
nossos, não seria possivel collocar esses competidores
de Portugal em tamanha inferioridade. Por quê? Pela
razão singela de que
business is
business e elles são
maiores compradores dos generos brasileiros do que
Portugal...
Não se leve á conta de mau patriotismo esta
franqueza.
Julgamos que não faremos coisa alguma neste
terreno se procurarmos favores especiaes, que ponham
em perigo interesses collossaes do Brasil...
Cumpre estudar o problema, nos seus termos de
puro negocio e não esquecer que a nossa vantagem,
aquella que nenhum outro povo póde ter, é
só isto: o
Brasil prefere os nossos productos, como qualquer
pessôa vae á loja de um negociante, porque o
estima
mais do que aos seus concorrentes.
VIII
A SITUAÇÃO REAL
O Brasil é o melhor dos grandes freguezes da nossa
producção exportavel.
Em 1906, ao passo que para a Inglaterra exportavamos
11.440 contos, para a Allemanha 6.651 e para
a Hespanha 6.290, mandavamos para o Brasil 5.961
contos.
Mas, em compensação destas vendas, compravamos
ao Brasil só 1.965 contos que, com os generos em
transito, baldeação e
reexportação, ascendiam a 2.025
contos; e dos outros paizes recebiamos, em contos de
réis:
Inglaterra |
|
19.864 |
Allemanha |
|
11.173 |
Hespanha |
|
5.948 |
Da França importámos 6.836 contos contra uma
[56]
exportação de 1.299, e dos Estados-Unidos 4.960
contos
contra 974 de exportação.
O Brasil foi, pois, então, o que sempre tem sido, o
nosso melhor freguez. Ao crescimento do commercio
universal com o Brasil é que não corresponde a
nossa
exportação actual.
Do relatorio do sr. David Campista, ministro da
fazenda do Brasil
[11],
em 1907, resulta que de 1902
para 1906 a importação proveniente de Portugal
cresceu
34,9%, contra o augmento, em egual periodo, de:
35,6% para a do Chile; 41,8% para a da Gran-Bretanha;
45,6% para a da Hespanha; 49,5% para a da
França; 68,4% para a da Argentina; 83% para a da
Allemanha; 86,5% para a da Suissa; e 132,5% para
a da Belgica.
Os valores livres no Brasil, em mil réis, ouro,
moeda brasileira, dão, no anno de 1906, os algarismos
seguintes para essa importação:
Procedencias |
|
Importação
em
contos de
réis
|
Portugal |
|
19.330 |
Chile |
|
393 |
Gran-Bretanha |
|
82.619 |
Hespanha |
|
2.379 |
França |
|
27.176 |
Argentina |
|
31.190 |
Allemanha |
|
43.316 |
Suissa |
|
2.660 |
Belgica |
|
11.432 |
Italia |
|
9.274 |
Bastaria este quadro para não acreditarmos que os
outros paizes emigrantistas nos deslocaram, no fornecimento
[57]
de artigos similares aos nossos. A Italia, que é
a maxima fonte da colonização brasileira actual,
teve,
de 1902 a 1906, um augmento de 28,4% na sua
exportação
para o Brasil. E quanto exportou? 9.274 contos,
em 1906―metade do que exportámos!
A Hespanha, que fornece tambem muitos trabalhadores,
tem uma exportação ainda insignificante para o
Brasil.
Da Austria-Hungria, que viu, de 1902 a 1906, crescer
19,3% a sua exportação para o Brasil, de 4.556
contos de valor, a corrente emigratoria com o mesmo
destino egualmente é importante.
Dessas nações só podemos considerar
concorrentes,
por terem varios artigos similares aos nossos, a
França, a Hespanha, a Italia e a Austria-Hungria.
Ora, que nos diz o estatistica brasileira? Diz-nos
que, em 1906, a exportação, para o nosso e para
esses
paizes, foi:
Destino |
Valor
em
£ |
|
Augmento
ou
diminuição de 1901
para 1906 |
França |
6.507.470 |
+ |
36,66% |
Hespanha |
196.839 |
+ |
217,61% |
Italia |
510.118 |
+ |
34,90% |
Austria-Hungria |
1.821.959 |
+ |
60,58% |
Portugal |
312.755 |
+ |
27,89% |
Isto quer dizer que, de todos esses paizes, aquelle
que manifesta menos tendencias para augmentar o consumo
dos productos brasileiros é o nosso. Falam os
numeros, affirma-o a estatistica, que, como diz o professor
Rodolfo Benini, é o unico meio de verificar nos
phenomenos collectivos o que ha de typico na variedade
dos casos, de constante na variabilidade, de mais
provavel no apparente acaso, e de decompôr, até
onde
[58]
o methodo o permitte, o systema das causas ou forças
de que taes phenomenos são resultantes...
[12].
Não ha que negar a conclusão: a estatistica
é o
unico processo logico de estudo dos phenomenos sociaes,
pondéra Rameri.
[13]
O Brasil está, portanto, deante de varios paizes,
como productor que precisa de escoadouros para os
seus artigos. O que tem de medir, não nos illudamos
com devaneios romanticos, é a capacidade acquisitiva,
que ha nesses paizes, para os seus productos. Porque
produzir presuppõe a idéa de vender. Porque
vender
implica a existencia de quem compre...
O utilitarismo não é uma doutrina, no sentido
philosophico
da palavra. É uma necessidade, é uma
imposição
da lucta pela vida. Para não morrer é preciso
a qualquer povo guiar-se por necessidades uteis,
nunca deixar de ter em vista os seus interesses e conveniencias.
O utilitarismo é o systema que a experiencia
aconselha aos povos, que querem viver nesta hora
da evolução humana, para as suas
relações com os
outros povos.
Deinde philosophari... Sejamos
francos. Concordemos
em que não nos move o receio da
desnacionalização
do Brasil, que não nos ameaça porque
não
ameaça o Brasil; mas sim o presentimento de que as
relações economicas desse grande mercado
estão evolvendo
de modo que nos poderá vir a ser desvantajoso.
Tratemos, em summa, de nos salvar e deixemo-nos
de fantasias salvadoras em beneficio alheio.
Deante do crescimento espantoso das energias do
povo brasileiro, o nosso mal é a
estagnação em todas
as fórmas da actividade humana. Só o poder enorme
dos elementos estaticos das sociedades e a resistencia
[59]
da inercia social explicam a posição que ainda
temos
no commercio do Brasil. Nós, pelos nossos governos
e pela nossa imprevidencia, graças á autophagia
historica que permitte que nos alimentemos de
glorias de um passado visto por nós ao bruxolear da
mais pallida lamparina critica de que ha exemplo, e
graças ao espirito providencialista de latinos communarios,
tudo fizémos, ou deixámos de fazer, para perder
essa posição.
Neste momento, o que nos cumpre é reconhecer o
feliz conjuncto de circumstancias de vária ordem que
ainda sustenta esse estado de coisas e aproveital-o,
com energias, que hão de ser creadas, com intelligencia,
que precisa ser educada, e com bom-senso, que
unicamente os factos pódem nortear.
Aspirar a grandezas e prosperidades e preparal-as
com elementos de ruina e pobreza é simples e puramente
um absurdo, de que deveriamos esperar, como
resultado, o suicidio nacional.
Ser patriota não é rufar tambores de preconicio
em
torno dos desvarios da patria. É, antes, mostrar, sem
medo de affrontar alheias opiniões e sem intuitos de
captar popularidade, os vicios e erros proprios, para
que tenham, na medida do possivel, remedios efficazes.
Nenhum povo se deixa levar por boas palavras, mas
pelas suas conveniencias e pelos seus interesses, com
a restricção natural do respeito pelas
conveniencias e
interesses justos dos outros.
A perda do mercado brasileiro seria, hoje, para
Portugal, a ruina. Confessemol-o. Por que não, se
é a
verdade? Ruina definitiva? Não vem a pello discutir se
o seria. Basta que saibamos que seria, neste momento,
a ruina, para que o nosso dever seja evitar essa contingencia
aterradora.
Embora tenhamos de nos preparar para um futuro
menos dependente de uma só nação,
é de crêr que
o Brasil continuará a representar, para o nosso commercio
[60]
externo, cifras pelo menos eguaes ás presentes.
No seu progresso e na sua expansão economica e
demographica, cabe bem á vontade a diminuta quota
com que contribuimos. E ha muito logar para a augmentarmos.
Assim saibamos e possamos fazel-o!
Outro não é o perigo real, o perigo das coisas,
está
claro...
IX
A NOSSA RAÇA «AT WORK»
Permitta-se-nos, para a comprehensão exacta, da
importancia que o Brasil vae assumindo deante de todos
os povos e do português em especial, uma rapida
analyse do seu desenvolvimento material, que explica
assás a unanimidade de attenções de
que é objecto.
A exportação do Brasil em 1889, anno em que caiu
o imperio, foi de 24.160.000 libras esterlinas. Vejamos
o que ella foi de 1901 a 1906.
Annos |
|
Valores
em libras |
1901 |
|
40.621.993 |
1902 |
|
36.437.456 |
1903 |
|
36.883.175 |
1904 |
|
39.430.136 |
1905 |
|
44.643.113 |
1906 |
|
53.059.480 |
Para avaliar a força de expansão productora dada
ás
[62]
antigas provincias pela autonomia concedida pelo novo
regimen federativo aos seus estados, basta que comparemos
a exportação de 1901 com a de 1906. A
differença,
n'esse curto espaço, é de pasmar. Vejamol-a:
Estados |
Valores
em
£ |
|
Augmento
ou
diminuição |
|
1901 |
1906 |
|
|
Matto
Grosso |
356.180 |
376.023 |
+ |
5,57% |
Amazonas |
4.688.477 |
6.643.050 |
+ |
41,69% |
Pará |
4.053.264 |
6.665.191 |
+ |
64,44% |
Maranhão e
Piauhy |
192.604 |
652.485 |
+ |
238,77% |
Ceará |
139.595 |
822.586 |
+ |
489,27% |
Rio Grande do
Norte |
34.376 |
58.342 |
+ |
69,72% |
Parahyba |
92.561 |
540.535 |
+ |
483,98% |
Pernambuco |
1.472.105 |
1.333.127 |
- |
9,44% |
Alagoas |
489.820 |
514.095 |
+ |
4,96% |
Sergipe |
|
8.849 |
|
|
Bahia |
3.133.103 |
3.706.617 |
+ |
18,30% |
Espirito
Santo |
553.195 |
784.726 |
+ |
41,85% |
Rio de Janeiro e Minas |
7.857.423 |
7.481.159 |
- |
4,79% |
S.Paulo |
16.140.742 |
20.282.593 |
+ |
25,66% |
Paraná |
653.039 |
1.310.832 |
+ |
100,73% |
Santa
Catharina |
145.264 |
315.522 |
+ |
117,21% |
Rio Grande do
Sul |
620.247 |
1.563.748 |
+ |
152,12% |
Só diminuiu a exportação de dois
estados: Rio de
Janeiro e Pernambuco. É devido este facto á baixa
de
um dos seus principaes artigos, o assucar, que de 71
réis, ouro, em 1901, passou a vender-se a 60
réis, em
1906, por kilo. Apezar desta depreciação ser de
15,59%, a diminuição representou, para
Pernambuco,
9,44%, e, para o Rio de Janeiro, 4,79%, o que indica
que houve augmento na exportação global.
Nesse periodo a importação, que significa a
acquisição
de conforto e de instrumentos de progresso, tambem
teve sensivel marcha ascendente.
Não houve estado em que a importação
diminuisse
de 1901 para 1906. Cresceu 31,9% na Bahia; 33,1%
[63]
em Pernambuco; 32,6% no Rio de Janeiro e Minas
Geraes; 42,3% em S. Paulo; e 55,9% no Rio Grande
do Sul―para citar sómente os mais importantes da
região central e da do sul.
Em globo, a importação cifra-se nos seguintes
valores
em libras esterlinas:
1901 |
|
21.377.270 |
1902 |
|
23.279.418 |
1903 |
|
24.207.810 |
1904 |
|
25.918.428 |
1905 |
|
29.830.050 |
1906 |
|
33.204.041 |
Estes algarismos contêm uma relevante
indicação e
vem a ser que as facilidades de vida augmentaram,
porque, não tendo havido, de 1901 a 1906, nem sequer
dez por cento de crescimento na população, houve
augmento
de mais de 50% na acquisição de artigos
estrangeiros.
O que, porém, demonstra mais clara e elequentemente
essa affirmação é a
importação de farinha de
trigo. É o que garante e prova que a vida melhora no
Brasil.
Com effeito, em 1901, a importação do trigo―que
é o classico pão!―era de 200.000 toneladas, e em
1906
foi de 320.000!
Um augmento de 60%, em seis annos! A população,
nesse periodo, não podia ter accrescimo que nem
de longe influisse nesse facto. A quota,
per
capita, de
trigo é que augmentou; o numero
dos que o
podem comer
é que passou a ser maior...
Fala-se muito na má administração de
Republica,
nos seus primeiros annos. Não a negaremos. O mecanismo
era novo e as experiencias foram duras. Houve
[64]
deficits; precisou-se de recorrer ao
credito, até quasi
ser fechada essa porta. Mas, com patriotica energia,
souberam os governos emendar a mão e iniciar obras
fecundas, apparelhar, emfim, o paiz para a prosperidade.
Erraram; mas resgataram os seus erros. Outros
ha que só erram e só querem errar...
Os orçamentos do imperio
[14]
tiveram
deficits desde
1857, ininterruptamente. Antes, houvéra alguns saldos,
que sommados, desde a independencia até 15 de novembro
de 1889, perfazem 32:625 contos, contra um
total de 891.960 contos de
deficits,
tambem de 1823 a
1889.
Os
deficits de alguns annos da
Republica não são
de estranhar, não só porque os tivesse o imperio,
mas
tambem porque o desenvolvimento do paiz e a crise
politica, motivada pelas tentativas de destruição
do regimen
popular, impuzeram pesados sacrificios á
nação.
A Republica, creando producção, fomentando
riquezas,
assentando linhas ferreas de penetração, fazendo
portos e saneando o Brasil―soube, porém,
realizar o que o imperio não soubéra, soube armar
o
povo brasileiro com meios seguros de pagar os seus
saques sobre o futuro.
É interessante a nota da receita e da despeza dos
annos de 1899 a 1907, expressa em contos de réis, ao
cambio de 15 dinheiros por mil réis:
Anno |
|
Receita |
Despeza |
1899 |
|
333.105 |
295.363 |
1900 |
|
353.607 |
448.160 |
1901 |
|
318.559 |
334.513 |
1902 |
|
343.814 |
298.691 |
1903 |
|
408.589 |
378.187 |
1904 |
|
433.802 |
439.553 |
1905 |
|
463.765 |
451.977 |
1906 |
|
495.910 |
483.568 |
1907 |
|
483.744 |
472.478 |
[65]
Em 1889 a despeza não chegava a 200.000 contos,
e o
deficit era pequeno.
As despezas publicas subiram consideravelmente;
mas as receitas tambem subiram. Das visinhanças dos
200.000 contos em 1889 foram ás dos 500.000 em 1906.
E note-se que a Constituição republicana conferiu
aos
estados da federação os impostos de
exportação, os
impostos sobre os immoveis ruraes e urbanos, sobre a
transmissão de propriedade e sobre industrias e
profissões,
ficando a União nacional unicamente com os
direitos de importação e os impostos de consumo.
O balanço economico de 1906 é assim formulado
pelo ex-ministro Campista, no seu relatorio de 1907:
Activo
Exportação |
|
£ 53.000.000 |
Capital
novo |
|
4.000.000 |
|
|
|
|
|
£ 57.000.000 |
Passivo
Importação |
|
£ 33.600.000 |
Despezas do governo
federal |
|
5.600.000 |
Serviço das dividas dos
Estados e
municipios |
|
1.231.940 |
Juros de capitaes
estrangeiros |
|
3.200.000 |
Passageiros para o
exterior |
|
600.000 |
|
|
|
|
|
44.231.940 |
|
Saldo |
£
12.768.060 |
|
|
|
|
|
57.000.000 |
[66]
É uma situação de prosperidade. Na
propria America,
só os Estados Unidos do Norte têm melhor
situação,
apezar da Argentina ser muito mais rica do que o
Brasil, dadas as respectivas populações e
producções.
A Argentina, em 1906, exportou £ 58.000.000, mas
importou £ 53.565.000. O serviço dos juros do
capital
estrangeiro é lá muito maior do que no Brasil. E,
nesse
anno, o seu balanço economico não podia
apresentar
saldo.
Força é, porém, reconhecer a
incomparavel riqueza
da Argentina, que possue a terça parte da
população
do Brasil, se não menos, e cuja
producção cresce em saltos
prodigiosos.
Com os Estados Unidos não ha parallelo possivel.
Em 1906, importavam 271 milhões esterlinos e exportavam
369 milhões.
O Canadá, com uma exportação de
£ 45.791.000,
importava 54.000.000.
Cuba exportou £ 22.638.000 e importou 19.482.000.
O Mexico exportou £ 24.724.009, e importou
17.997.000.
O Chile offerece-nos, para essas duas parcellas
do seu commercio, respectivamente, £ 16.200.000 e
11.787.000.
O Brasil figura nesse anno com £ 53.059.480 exportadas
e 33.204.041 importadas―quasi vinte milhões
de saldo a seu favor nas permutas internacionaes de
mercadorias!
Estará, porém, esta
situação prejudicada pelas
condições
financeiras do Brasil? Longe disso.
Em 1906, a divida interna e externa do Brasil―incluindo
a divida estadoal e a emissão de papel moeda,
era de £ 195.581.677 ou £ 10-3-10
per capita.
A capitação do norte-americano era de £
5-9-3; a
[67]
do japonês de £ 6; a do egypcio de £
9-17-2; a do canadense
de £ 9-7-4.
Quasi todos os outros paizes devem mais
per
capita.
A Argentina figura com o coefficente de £ 14-2-4;
a Hespanha com o de £ 13-2-6 e o nosso Portugal,
como compete ao seu desgoverno, inverte os algarismos
da nação visinha e estadeia a
capitação de £ 31-18-6.
Bem sabemos que outros paizes supportam coefficientes
mais altos do que Portugal. Não na Europa,
em todo o caso... O prussiano contenta-se com £ 12-8-3;
o inglês com £ 18-1-6; o italiano com £
15-7-10; o austriaco
com £ 14-11-1; o francês com £ 27-19-9; o
hollandês
com £ 17-6-4; o belga com £ 17-16-8.
O Brasil, paiz que progride e inicia melhoramentos,
que se povoa e coloniza, está, como a Argentina, em
outras condições: saca sobre o futuro, porque o
tem
nos braços que acodem todos os dias ás suas
plagas.
Nós estagnámos. Elles recebem vida nova com o
advento dos immigrantes; nós golfamos vida na
emigração.
O mal está principalmente na
applicação da divida,
não na pequenez da população.
Vêde as colonias britanicas da Austrália:
população,
5 milhões de habitantes; divida, £ 292.401.351,
em 1906, devendo hoje estar em 300 milhões esterlinos!
O coefficiente de capitação é de 60
£, numeros redondos.
Mas que importa, se 200 milhões foram empregados
em caminhos de ferro, obras de portos, resgate
de serviços publicos―e se, em tudo isso, as rendas
supportam o serviço de juros e
amortização do capital!
Mas... estavamos a tratar do Brasil.
Os onus do Brasil são annualmente, para resgate e
juros da divida, 82.000 e tantos contos―20% da receita.
Outros paizes―um dos quaes muito bem conhecemos―fazem
o serviço da divida com quasi 50%
da receita...
[68]
Portugal pagaria a sua divida com o producto integral
de 13 annos da sua receita.
O Brasil faria o mesmo serviço em 6 annos.
Tal é, em linhas largas, o estado do paiz, que saiu
do nosso e que hoje é o principal mercado da nossa
producção e o nosso melhor fornecedor de
numerario.
X.
MEDIDAS PROPOSTAS
Não é de estranhar que o desenvolvimento da
nação
brasileira motive excogitações patrioticas de
alguns
portugueses.
Ha um século vivia a então nossa colonia
americana
numa inferioridade manifesta de cultura.
Escreveu Eduardo Prado que «a intelligencia nacional
do Brasil,» no começo do reinado de D. Pedro II,
era talvez inferior á de Portugal no começo do
século...»
[15]
Entretanto―o espirito partidario não nos céga―o
reinado desse imperador contribuiu para o progresso
intellectual e material do Brasil.
E tanto assim é que o novo regimen poude adoptar
uma constituição que, no dizer do professor de
direito
[70]
Almeida Nogueira
[16],
«compendiou em suas paginas
os principios mais adeantados do direito publico moderno»
e poude fomentar, nas proporções que vimos,
os recursos do paiz.
Essa nação, que assim prosperou, pertenceu a
Portugal,
foi obra de portugueses na civilização e no
povoamento;
e, durante um largo transcurso de annos,
constituiu para o nosso povo uma especie de
eldorado,
em que era tão facil grangear a vida que, apezar de
todo o nosso atrazo, se nos affigurava terra mal empregada
em mãos de possuidores a nosso vêr indolentes
e sem energias redemptoras.
Foi desse juizo falso, a que nos guindára a ignorancia
presumida, que caímos ao fundo da realidade.
Era a humilhação. Se tivérmos
patriotismo ha de
se converter em grande estimulo―porque é uma
lição
de coisas...
Á nossa ruina contrapõe-se a prosperidade da
ex-colonia?
Imitemol-a. Á estagnação das nossas
forças
responde o Brasil com provas de actividade? Trabalhemos,
com o cerebro e com os musculos, sejamos
fortes de intelligencia e de vontade. É o nosso dever.
A economia portuguesa depende do estrangeiro. Estamos
roidos de todos os males de uma politica desleixada,
egoistica e corruptora. Falta-nos o necessario ao
abastecimento do paiz. Produzimos artigos para que
não encontramos bastantes mercados e procuramos
mercados para que não temos artigos adequados.
É a anarchia, de alto a baixo.
Mas não é a ruina definitiva, porque queremos
viver
e é indispensavel que não nos deixemos morrer
miseravelmente.
O Brasil é, como dizia Silvéla dos povos
hispano-americanos
para a sua patria, o nosso mercado natural.
[71]
O futuro do Brasil é immenso. Toda a nossa
expansão economica póde e deve acompanhar o
crescimento
fatal desse enorme paiz.
Todavia, para que isso se realize, é preciso que
Portugal saiba o que é possivel fazer e deixe de lado
chiméras e utopías.
Que queremos, em ultima analyse? Queremos que
o Brasil continue a comprar os productos da nossa
terra; queremos que a nossa exportação para
lá cresça
sempre; queremos que os generos portugueses sejam
bem acolhidos pelo consumidor brasileiro.
Sob o ponto de vista material―é quanto desejamos.
Moralmente aspiramos á mais perfeita intelligencia
com os brasileiros.
Ignora-se em Portugal o que se havia de offerecer
ao Brasil no dia em que porventura se iniciassem
negociações
garantidoras dos nossos
desiderata.
Quem procura vantagens tem de contar com esta
pergunta natural: «E que compensação
nos dá?»
Ora, na proposta do sr. Consiglieri Pedroso, nada,
absolutamente nada, existe que possa equivaler á troca
de concessões, á permuta de vantagens.
Bem sabemos que, muitas vezes, as negociações
commerciaes assentam, por uma parte, em favores
materiaes e, por outra, em apoio diplomatico e até de
caracter militar; mas, na hypothese vertente, parece
mais facil darmos favores da primeira especie do que
da segunda.
O Brasil, na proposta Consiglieri, não encontra
bases de reciprocidade commercial. Nem é crivel que
a procure. Não lha poderiamos dar, devido á
identidade
que ha entre muitas das suas producções e as
das nossas colonias.
Approximação, sim! Amemo-nos;
conheçamo-nos;
abramos as nossas fronteiras intellectuaes uns aos outros;
[72]
firmemos tratados de arbitragem e de reconhecimento
de titulos de habilitação profissional;
promovamos
congressos periodicos luso-brasileiros; fundemos
uma linha nossa, luso-brasileira, de navegação;
construamos palacios de exposição dos productos
de
cada um dos dois paizes no outro; promovamos a
fundação
de revistas, o estreitamento dos laços que prendem
a imprensa de um á do outro paiz; entendam-se
as nossas sociedades scientificas, artisticas, etc.; visitemo-nos;
enlacemo-nos fraternalmente.
Quanto a negocios, porém, meditemos, porque o
Brasil não os faz sem meditar. E é bom que se
saiba
que, se o sr. Wenceslau de Lima tem visto baldados
todos os seus esforços no sentido da
realização de um
tratado de commercio com o Brasil, não é porque
esse
paiz nos hostilize, mas sim porque não tem reconhecido
a conveniencia, nem a utilidade desse tratado.
Conveniencia para os seus interesses, utilidade para
os seus interesses―é claro.
Não procurou ainda o Brasil accordo comnosco.
Mas procurou-o, por exemplo, com os Estados Unidos―mercado
de café e de borracha e seu fornecedor de
muitos artigos, entre os quaes figura o trigo.
Portugal é que deseja o tratado de commercio.
Portugal é que precisa garantir o seu mercado no Brasil,
como o Brasil precisava assegurar a clientella
yankee.
Negocios tratam-se como negocios. O vendedor é
que se esforça por trazer o consumidor satisfeito...
Esta é a verdade. De nada serve disfarçar os
factos.
O tratado de commercio é irrealizavel?
Não iremos até lá. A diplomacia
consegue, ás vezes,
coisas espectaculosas, mas sem real alcance.
Far-se-á, talvez, o tratado de commercio; mas, em
[73]
hypothese alguma, o Brasil nos concederá
«vantagens
especiaes que deixem de ser transmittidas aos outros
estados, não sendo, portanto, attingidas pela clausula
de nação mais favorecida inscripta nos tratados
do
Brasil com paizes estrangeiros».
E o café? E a borracha? E o tabaco? E o cacau?
E toda a producção brasileira, no valor de 57
milhões
de libras?
Lembremo-nos de que não consumimos meio milhão
esterlino de productos brasileiros... Ponderemos
as represalias alfandegarias a que o Brasil se exporia...
Amemo-nos; mas convém ter bom senso. Estreitemos
relações; mas é prudente que nos
não limitemos
ao sonho.
Tambem se fala de entrepostos, do Brasil em
Portugal e de Portugal no Brasil―aquelle destinado
á exportação brasileira para a Europa
e este destinado
á portuguesa para a America...
É uma ideia velha. Velha e tão velha que
já não
se adapta ás condições presentes do
commercio internacional.
Não se deu por isso em Portugal. É tudo assim na
nossa terra. Andamos tão atrás dos outros povos
que,
quando as idéas nos chegam, já têm
saido da circulação.
Chegamos sempre tarde, como os carabineiros da
opereta.
O entreposto!
Ha trinta annos falou-se nisso; ha vinte, voltou-se
a lembrar essa maravilha; ha dez, resurgia a idéa novinha
em folha. Terá de apparecer, além desta vez de
1909, ainda algumas duzias de vezes e sempre terá―quem
sabe?―enthusiasticos applausos...
O entreposto! Ficava realmente muito bem, alli,
em Cacilhas! Os navios atulhados da borracha da Amazonia;
[74]
do café de Santos e Rio; do assucar de Pernambuco,
Sergipe e Alagôas; do tabaco bahiano; da
monazite do Espirito Santo e Bahia; e do mais que fôra
longo mencionar―incessantemente a descarregarem
tudo isso, alli, em Cacilhas! Outros transatlanticos, dia
e noite, alli mesmo, a encherem os porões de productos
brasileiros para o Havre e para Hamburgo, Antuerpia,
Liverpool, Hull, Amsterdam, Plymouth, Londres,
Rotterdam, Genova, Cádiz, Barcelona, Napoles,
Marselha, etc!
Que lindo movimento maritimo!
Que negocio! Só é pena que se não
possa fazer...
É que as baldeações, descargas,
transbordos e armazenagens
onerariam os productos, que hoje vão o
mais perto possivel dos consumidores, graças a uma
navegação collossal sob todas as bandeiras.
É que um entreposto que torna mais caros os productos
só serve para lhes diminuir o consumo.
É que a navegação demanda o Brasil
porque, ao
voltar, nos paizes por onde passa ou para que se destina
existem mercados dos generos brasileiros, e porque
milhares de toneladas de carga para o Brasil lhe
compensam a viagem até lá.
O entreposto! Quando chegámos ao Brasil, em
1893, fallámos delle a um grande jornalista, amigo extremoso
de Portugal e dos portugueses.
Achou a idéa engraçada e ponderou:
«Entreposto
ideal é o navio―porque o café precisa sair de
bordo
e entrar no caminho de ferro para ser torrado no dia
seguinte pela manhã, moido das 10 ao meio dia e tomado
dessa hora em deante. No dia seguinte chega
outro vapor e repete-se a historia.»
[17]
[75]
O entreposto em Lisboa para abastecer a Europa!
Como se todas as nações estivessem desprovidas de
portos e a marinha mercante fosse exclusivo português...
A incuria dos nossos governos é proverbial. A falta
de curiosidade basta para explicar essa incuria em pessôas
tomadas da mania politicante.
Se assim não fôra, saber-se ia em Portugal que,
tendo o governo do Brasil organisado um «serviço
de
propaganda e expansão economica», lhe estabeleceu
quatro delegacias; que a 4.ª delegacia, com séde em
Barcelona, tem jurisdicção na Hespanha e
Portugal;
que, portanto, na propria peninsula iberica, o Brasil
prevê mais possibilidade de expansão economica na
Hespanha do que em Portugal...
É o que nos parece logico inferir da escolha da
séde da 4.ª delegacia.
A proposta do sr. Consiglieri nada offerece ao Brasil,
além do serviço de lhe evitar o perigo da
desnacionalização.
O perigo não existe; logo, o serviço reduz-se
a zéro.
Dir-se-á: «E a
emigração?»
A emigração―eis o que realmente damos ao
Brasil.
A emigração é um
mal
necessario: quem não tem
trabalho remunerador no paiz, vae arranjal-o fóra do
paiz, e, de lá, acóde ao nosso
deficit economico.
Sendo assim, nem a propria emigração
póde constituir
base de um accordo commercial―porquanto ao
Brasil, que precisa de trabalhadores, não assusta a
idéa de a prohibirmos.
[76]
Como prohibil-a, se precisamos della? E, se, num
plano de reforma economica, cortassemos a corrente
emigratoria, os mercados brasileiros talvez tivessem
de se fechar aos nossos productos...
É esta a triste situação a que o
regimen monarchico
reduziu Portugal!
XI
A EVOLUÇÃO BRASILEIRA
Estamos deante do Brasil em deploravel ignorancia
das suas coisas.
Não fôra esta a verdade e teriamos clara
noção dos
phenomenos ethnicos alli operados ou ainda em
elaboração
e estariamos certos de que não ha perigo de
desnacionalização,
mas tão sómente se dá, nesse paiz, uma
evolução geral logica, inevitavel e fatal.
As instituições politicas e sociaes da
nação brasileira
seguiram o seu curso, sob influencias peculiares
ao meio americano e ás exigencias do concerto internacional,
por um lado, e, por outro, em obediencia á
educação e ás
aspirações do povo que se foi e ainda
está constituindo dentro da nossa antiga colonia.
A raça, sem perder as suas caracteristicas iniciaes,
obedeceu ao determinismo do novo meio e transformou-se,
como, com as successivas migrações, succedeu,
através da historia, a todas as chamadas raças e
nacionalidades.
[78]
Portugal não deu por isso. A falta de curiosidade
vae neste paiz, dos que governam aos que são governados;
dos assumptos mais sérios aos mais facêtos, dos
factos decisivos aos incidentes subalternos da politica,
da economia, das artes―de tudo!
Ora, se é verdade que, em 1615, nas
instrucções
dadas a Fragoso de Albuquerque para o tratado de
paz com La Revardière,
[18]
se dizia que no Brasil
«havia
mais de tres mil portugueses» e, portanto, «as suas
terras não estavam despovoadas», não ha
duvida, todavia,
de que ao predominio da nossa população se deveu
o não ter o Brasil caido em outras mãos, apezar
das vicissitudes
por que passou Portugal, volvidos poucos
annos sobre essa data.
Ao fechar o XVII século, o povoamento tinha tomado
incremento notavel com o descobrimento das
minas de ouro de Caethé e Rio das Velhas. Não
sómente
a miragem do ouro determinou a immigração:
havia, então, um systema colonizador no espirito dos
governantes portugueses. E, embora deficiente, o critério
que dictou as doações era digno de um governo;
e os seus fructos foram valiosos. Em 1680, uma carta
régia, reveladora da noção de
imminente conflicto entre
colonos e gentios, mandava conceder terras a estes
«ainda mesmo as já dadas de sesmaria visto que
deviam
ter preferencia os mesmos indios
naturaes senhores
da terra».
[19]
Não se repellia o gentio.
As ondas de africanos, que, desde os fins do século
XVI, foram atiradas sobre a America portuguesa, o
indigena e o português foram as componentes ethnicas
do typo brasileiro.
[79]
Os cruzamentos deram-se. Fez-se a selecção lenta,
sob a preponderante acção da raça
superior, cujos
attributos a hereditariedade resalvou da existencia
transitoria do mestiço.
Estudando este phenomeno, Euclydes da Cunha,
alto espirito de artista e pensador, escreveu que «a
raça superior se tornára objecto remoto para que
tendiam
os mestiços deprimidos, e estes, procurando-o,
obedeciam ao proprio instincto da conservação e
da
defeza».
Junte-se a este facto, comprovado pela historia de
todos os cruzamentos desse genero, o axioma ethnologico
da tendencia das raças eugenicas para subordinarem
ao seu destino os elementos inferiores com que
se encontram e ter-se-á explicada a hegemonia do
português na formação do typo novo, a
que se refere
Sylvio Roméro.
Não foram exterminadas as raças inferiores; foram
absorvidas lentamente, eliminadas pelos cruzamentos
sempre ascendentes. Tanto assim foi que, apezar da
enorme superioridade numerica dos africanos, a
immigração
escassissima dos lusos indo-europeus foi capaz
de formar a maioria branca que ha no Brasil e que é
uma evolução ainda não bastante
differenciada do typo
português.
A nossa resistencia, como raça colonizadora, apresentou
na America uma prova sem par. A sobreposição
das heranças psychicas das raças fundidas quasi
se não distanciou da parcella lusitana, apesar da nossa
falta de cultura nos tres séculos ultimos e apezar do
evidente accrescimo physiologico da população ser
devido
aos cruzamentos.
Com absoluta razão, e em contrario do que affirmou
o visconde de Ouguella na
Questão
social, sustentou
o sabio brasileiro dr. Luiz Pereira Barretto que
a raça portuguesa não degenerou.
Não é, diz o dr. Barretto, um caso de
degeneração,
[80]
mas sim de inhibição cujas causas, a seu
vêr, se encontram
na educação clerical e na subserviencia dos
poderes publicos ao clericalismo.
O Brasil curou-se desse mal, que ainda domina
a nossa terra.
O que se vê da estratificação dos
primeiros elementos
constitutivos da população do Brasil é
a conservação
das linhas geraes do typo português, com os
seus defeitos, mas com as suas qualidades de
adaptação
e de resistencia.
Foi com essa massa que, a partir da abertura dos
portos da ainda colonia ao commercio universal, se
tiveram de encontrar, em escala cada vez maior, os colonos
europeus de outras linguas.
Não se verificava, apezar do atrazo do português
e do brasileiro, a hypothese da collisão de uma
raça
superior, a exótica, com outra inferior, a nossa commum.
Se tal acontecesse, repetir-se-ia a selecção
realizada
com os indios e africanos, selecção que, desta
vez,
seria em prejuizo dos luso-brasileiros.
Ora, é precisamente o contrario―isto é, a
absorpção
do elemento exótico―o phenomeno que se tem
de reconhecer na fusão de raças operada no
Brasil,
visto que, apezar da superioridade numerica desses
exóticos sobre os immigrantes portugueses, o typo brasileiro
não se alterou sensivelmente e as caracteristicas
nacionaes permanecem intactas e predominantes
nos proprios descendentes de gente de lingua estranha.
Daqui tem de se inferir que os dezoito a vinte milhões
de brasileiros―a estatistica dirá, em 1910, se
são mais ou menos―possuem energias nacionaes capazes
de subordinar os adventicios ao seu modo de
ser proprio.
A civilização varía de clima para
clima.
[81]
O homem, ao expatriar-se, está condemnado, por
uma fatalidade invencivel, a aspirar, para si e para a
sua descendencia, á civilização
adequada ao paiz que
escolheu para domicilio.
Por isso, o emigrante procura, em regra, as regiões
em que a sua adaptação é menos
violenta.
Por isso, como diz Cesar Zumeta
[20],
«quaesquer
que sejam as raças povoadoras, na zona tórrida
não
imperará senão uma
civilização lentamente progressiva».
Por isso, o italiano e o allemão se congregam nos
estados do sul do Brasil.
[21]
Por isso, finalmente, todos os estrangeiros das raças
superiores são assimilados no Brasil, cujo meio,
antes de se modificar, os modifica a elles, até a sua
completa identificação com o typo nacional, que,
é
claro, por sua vez tambem se transforma, como acontece
aos typos de todos os outros paizes.
As migrações nunca deixaram de ter este
resultado:
adaptam-se ao meio, mas influem na sua evolução.
XII
O BRASIL E O AMERICANISMO
Perguntar-se-á se achamos que, apezar de tudo, se
conservarão no povo brasileiro, indissoluveis affinidades
com o povo português.
O caso dos Estados Unidos da America, em que
sommam nove milhões de habitantes os cidadãos de
origem alleman, inclina-nos a prevêr que assim
virá a
ser. Esses nove milhões fundiram-se dentro da massa
yankee; e conservou-se o caracter
anglo-saxonio do
povo americano.
Ha differenças entre o inglês e o
yankee. Decerto;
mas os traços dominantes são communs; cada vez
mais
se estreitam os laços que prendem os dois povos e
maior é a influencia de um sobre o outro.
A differenciação lenta do brasileiro do
português é
um facto, do qual, porém, não é licito
tirar illações pessimistas
quanto ás futuras relações entre ambos
nem
agourar phenomenos de desnacionalização.
O Brasil de ha muito que está em progresso, sob
[84]
todos os aspectos. Portugal não está parado: a
sua
evolução é regressiva; vive
á procura de um Messias,
com instituições cada vez mais anachronicas,
resistindo
á democracia triumphante em todo o planeta...
São dois povos que seguem rumos divergentes e
que, portanto, não se encontrarão nunca mais,
salvo se
um delles se decidir a tomar o caminho do outro...
O Brasil, pela sua integração no corpo
democratico
americano, pelas exigencias da politica internacional e
por tendencias de ordem politica, economica e moral,
que demonstrava desde a sua independencia, poude
transformar-se por completo.
A raça regenerou-se, livrando-se das causas da
inhibição,
que a combalia.
O espirito americano já não póde ser
considerado
simples phrase de jactanciosa literatura politica para
effeitos oratorios. É uma realidade.
Toda a America latina evolve segundo normas novas.
Donde surgiram essas normas? Da influencia da
civilização norte-americana, não ha
duvida alguma.
Os hispano-americanos estavam realmente feridos
pela tempestade, como dizia Castelar. Era a tempestade
resultante do conflicto da civilização ancestral
com
o meio. Verificava-se, mais uma vez, que a cada clima
convém uma civilização especial, que
não ha, no planeta,
uma civilização uniforme e typica.
A adaptação lenta do que, da
civilização norte-americana,
podia coadunar-se com os nucleos diversos do povoamento
da America, gerou a corrente de sentimentos
e de idéas que, por constituir uma série de
evidentes
pontos de contacto entre os povos americanos, teve a
denominação de
espirito
americano.
Este espirito, em que pése aos
snobs que achincalham
o papel da democracia norte-americana, derivou
da attitude dos Estados Unidos deante da ameaça de
[85]
intervenção da Santa
Alliança―tão santa como a
Inquisição!―a
favor da Hespanha e contra as colonias
que se lhe tinham declarado independentes.
Bem sabemos que o governo americano hesitou
deante da situação. A Santa Alliança
era poderosa e
os Estados Unidos eram, então, uma
nação relativamente
fraca.
Em 1823, o presidente Monröe, com o auxilio da
Inglaterra, ou sem elle―pouco importa―resolvia-se,
afinal, a assumir a posição de que havia de
decorrer a
chamada mais tarde «doutrina de Monröe».
Foi na mensagem de 23 de dezembro do referido
anno. Dizia o presidente dos Estados Unidos, depois
de exprimir o seu respeito pela partilha, então consummada,
da America:
«Em relação aos governos que declararam
e têm mantido
a sua independencia, a qual, depois de grande reflexão
e obedecendo a principios de justiça, reconhecemos,
toda e qualquer interferencia por parte de alguma potencia
européa com o fim de os opprimir e de qualquer
forma pesar sobre os seus destinos, só poderá ser
olhada por nós como demonstração pouco
amigavel
feita aos Estados Unidos.»
Esta é, em resumo, a célebre doutrina com que,
á nascença,
se viram protegidas as republicas hispano-americanas.
É certo que os ingleses secundaram, no proprio
interesse, a defeza desses novos estados proclamada
por Monröe.
Mas, se essas nações estavam, até
certo ponto,
garantidas contra a antiga metrópole, deviam-no á
iniciativa
dos Estados Unidos. A sua marcha evolutiva
tinha de resentir-se desse facto e a influencia, que o
progresso vertiginoso da união do Norte veiu a exercer
sobre ellas, accentuou ainda mais profundamente
a idéa de que interesses superiores prendiam entre si
os povos americanos.
O espírito americano, sobre essa base effectiva da
[86]
protecção reciproca do principio nacional,
não podia
deixar de se fortalecer e consolidar.
Para isso contribuía a differenciação
que o meio e
os cruzamentos ethnicos impunham a esses estados,
apartando-os mais e mais, se bem que lentamente, dos
colonizadores.
O esforço das sociedades hispano-americanas para
se adaptarem ao espirito americano, desvincilhando-se
de instituições e costumes do outro lado do
Oceano, é
a explicação que dão todos os
sociólogos, que estudaram
o phenomeno, das suas luctas civis e dos seus frequentes
eclypses de legalidade.
Não assim com o Brasil. A evolução
brasileira, até
o inicio do derradeiro quartel do século passado, operou-se
quasi livremente do espirito americano.
Quasi,
dizemos, porque a sua influencia se encontra em todo
o imperio como elemento modificador das tendencias,
intrinsecas do povo brasileiro.
É facil comprehender a disparidade apontada.
Em primeiro logar, a antiga colonia americana de
Portugal constituiu um imperio, uma realeza, sob um
principe português. Pedro I do Brasil, mais tarde IV
de Portugal, já não poude deixar de conceder ao
Brasil
o systema representativo, despojando-se dos attributos
divinos da realeza absoluta. É que a America,
pelo seu espirito, já
não podia tolerar essa instituição
politica ainda vigente em Portugal.
Não ha barreiras nem muralhas chinesas impermeaveis
ás idéas; e o principe português, ao
sentar-se no
unico throno da America, comprehendeu essa verdade.
A Pedro IV deveu Portugal a dadiva de um systema
vasado nos mesmos moldes que elegêra o auctor
inglês a quem o filho de João VI e Carlota
Joaquina
encommendára a primeira...
[87]
Tanto basta para vêr, com nitidez, que a
evolução
brasileira não estava destinada a seguir, desde a
independencia,
o espirito americano.
O phenomeno politico-social occorrido no Brasil defendeu,
durante largo periodo da sua elaboração nacional,
as affinidades entre a antiga metrópole e a ex-colonia
contra as idéas e os sentimentos de que os Estados
Unidos iam impregnando os mais estados do Novo
Mundo.
Ao passo que os hispano-americanos, sob novas
instituições
politicas, entravam em violenta differenciação
com a Hespanha, os luso-americanos, logo após a
separação, tinham convivio intimo e familial com
Portugal
e dos portugueses recebiam e aos portugueses
transmittiam, num commercio ininterrupto, idéas e
sentimentos.
É, pois, absolutamente diversa a historia dos descendentes
dos dois povos da peninsula ibérica.
Não foi senão nas duas ultimas décadas
do imperio
que os brasileiros denotaram o influxo americano.
O casamento civil dos acatholicos e a questão da
extensão do estado civil, o debate jornalístico
ácêrca
da liberdade de cultos e da secularização dos
cemiterios
e a idéa de federar as provincias
[22]
são provas
da
acção americana, que, no Brasil, continuava,
assim, a
obra encetada quando se adoptára o principio da
eleição,
se bem que restricta, dos membros da segunda
camara, o senado.
Dahi por deante accentuou-se o contagio e o estatuto
politico saido da revolução de 1889 consagra de
maneira definitiva a adhesão do Brasil ao americanismo.
[88]
A lei basica de 24 de fevereiro de 1891 é calcada
na americana de 1787, na qual Gladstone via «a
creação
mais admiravel que a intelligencia humana produziu
de um só jacto».
Não são, todavia, bem fundadas as criticas que
attribuem
á adopção desse modelo institucional o
caracter
de uma quebra de continuidade na historia do Brasil.
Se assim fôsse, tambem não teria outro significado
o
advento do regimen representativo, nos paizes antes
sob realezas absolutas, a valer inviolaveis e sagradas.
Os povos, por mais que o queiram, não interceptam
o curso da sua historia. Quando o arbitrio o tenta, logo
surge a reacção invencivel do seu determinismo a
repôr
tudo no logar adequado e nos necessarios termos.
Mudam-se, de uma hora para outra, os systemas
politicos, que são obra de interesses colligados e
defendidos
pela força material do poder detentor das armas,
dos sellos do estado e das arcas da nação.
Não se mudam, porém, em dias, nem ás
vezes em
annos, os systemas sociaes, conjunctos de institutos juridicos,
de tradições e de costumes, que evolvem, sem
saltos, serena e continuamente.
O Brasil passou de um imperio centralizado a uma
republica federativa. Mudou de regimen politico; mas
conservou, melhorando-as, como preceitúa Comte, as
suas instituições sociaes.
Não o affirma, de modo frisante e de per si, o facto
de ter ainda em vigor as
ordenações do
reino, modificadas,
natural e logicamente, por leis exigidas, em
todos os ramos do direito, pelo progresso humano e
pelo progresso nacional?
Portugal codificou o seu direito civil. O Brasil ainda
não o fez; mas a verdade é que a sua
legislação fragmentaria
[89]
revogou e alterou, de accordo com as necessidades
dos tempos, as velhas leis portuguesas, aproveitando,
dellas, o que podia em cada momento ser
conservado.
Este feitio da vida juridica brasileira denota raro
apêgo ao passado e constitue eloquente protesto contra
a asseveração gratuita de que o Brasil propende
voluntariamente para se afastar do espirito das leis
portuguesas. Era-lhe, porém, impossivel crystalizar
dentro da rigidez de normas legaes correspondentes a
um estadío transitorio do seu desenvolvimento.
Transformou-se,
porque progrediu. E, como, ao progredir,
não podia ficar a par da nossa marcha morosa e ás
vezes regressiva, distanciou-se de nós e acceitou as
idéas que ás suas condições
mais quadravam.
O meio politico e social do Novo Mundo assimilou,
afinal, o espirito juridico brasileiro; comtudo, o
povo brasileiro permaneceu, no ponto de vista da lingua,
das tradições moraes e da propria
constituição
da familia, muito chegado e proximo do povo português.
Por quê? Pela simples razão de não
haver o Brasil
assentado a sua ascensão para a radiosa doutrina americana
sobre os destroços das conquistas definitivas
dos seus maiores e das suas proprias.
No Brasil não se violentaram os costumes, crenças
e tradições fundamentaes do povo. Eliminou-se o
que
o desfiar dos annos tornou caduco ou discordante da
nova sociedade. Não houve rompimento com o passado
e, portanto, no dizer conceituoso de Burke, «não
se desorganizou o futuro» porque se aproveitou «a
experiencia
accumulada de gerações successivas».
Esta sequencia do espirito juridico, que caracteriza
e distingue a raça anglo-saxonia, revela-se, mais do
que em todas as nações ibero-americanas, no
Brasil.
Assim é que o Brasil, mais do que todas essas
nações,
[90]
mantem radicaes affinidades com o seu povo de
origem, com Portugal. É no sul o que no norte do
continente é a federação americana:
ambas representam
typicamente os colonizadores, muito embora as
condições
politicas, as exigencias do ambiente novo e a fusão
de raças estranhas tenham estabelecido, entre os
dois ramos de cada uma dessas familias, signaes distinctivos
e peculiares.
O que se deu em ambos os paizes está compendiado
na phrase de Story
[23]:
«O direito da Inglaterra
não deve ser considerado
a todos os
respeitos como o
da America. Os nossos maiores trouxeram os seus
principios geraes e defenderam-no
como o seu direito
patrimonial. Mas trouxeram-no comsigo e adoptaram
sómente a
parte applicavel á sua
condição.»
Com effeito, como vimos, o Brasil tambem adoptou
sómente a «parte applicavel á sua
condição». Assim
foi que repudiou a camara dos senhores e instituiu a
dos senadores, em que a democracia americana enxertára
o principio da eleição popular.
Isto já no imperio! Na Republica, em consequencia
do regimen adoptado e de precendentes influencias intra-continentaes,
a doutrina do aproveitamento da
parte
do direito tradicional
applicavel
á condição do novo
povo tinha de ser posta em pratica mais largamente.
Era inevitavel. Ia-se proceder a uma selecção
á qual
tinham de succumbir muitos dos archaicos e obsolétos
principios do direito português, já adaptado ao
ser introduzido
no Brasil.
Apparecia, na reconstrucção republicana do
Brasil,
o agente differenciador americano, que já lhe não
era
estranho. Encontrava, porém, no proprio regimen politico,
facilidades que antes lhe tinham faltado.
A Constituição Brasileira, de 24 de fevereiro de
1891, foi o promotor principal desta reforma, que, a perdurar
o alheiamento de Portugal ao progresso contemporaneo,
parece destinada a precipitar o divorcio entre
as duas civilizações.
XIII
AS DIVERGENCIAS
Agora, volvidos vinte annos sobre a quéda do imperio
de D. Pedro II, não é licito a pessôas
de são
juizo admittir a possibilidade da restauração
monarchica.
A Republica é definitiva. Com os della estão
confundidos
os destinos nacionaes.
Em vão, em 1896, o visconde de Ouro Preto exprimia,
na carta-prefacio dos
Fastos da
Dictadura, de
Eduardo Prado, esperanças de
restauração e dirigia
uma saudação «á phalange dos
batalhadores do porvir,
investidos da sagrada missão de sanar os males causados
á sociedade» brasileira,
«reencaminhando-a aos seus
luminosos destinos»!
Em 1900, o sr. Joaquim Nabuco, num artigo da
Noticia, confessava que havia muito
que a «sua attracção
politica» era «para se conciliar com os novos
destinos
do paiz,
quaesquer que elles
fossem». E quando se
realizou o 3.º Congresso Pan-Americano no Rio de Janeiro,
[94]
o preclaro diplomata explicou a sua adhesão ao
novo regimen pelo reconhecimento de que só com a
Republica a sua patria podia realizar a parte que lhe
compete na obra continental decorrente da doutrina de
Monröe.
As novas instituições incorporaram o Brasil ao
pan-americanismo.
[24]
O exito republicano consolidou essa transformação
e garantiu a continuidade de acção do espirito
americano
na vida nacional brasileira. Não ha duvida.
Vinte annos de democracia, num paiz em que não
havia privilegios de casias, bastam para tornar definitiva
a abolição do velho systema politico, com todas
as
suas consequencias e para dar consistencia indestructivel
á actual ordem politica e ás suas logicas
illações
sociaes.
[25]
[95]
Quem tinha quinze a vinte annos, ao ser proclamada
a Republica, conta hoje entre trinta e cinco e
quarenta annos: fez-se homem na Republica.
E quem tinha menos do que essa edade recebeu
educação absolutamente republicana, formou o seu
espirito
[96]
nos principios trazidos pela orientação politica
americana.
É, portanto, a parte activa da sociedade brasileira
que representa as aspirações pan-americanistas.
O futuro pertence lhe. Nella abdicam os que conseguiram
accommodar-se dentro das instituições novas
e os que, por uma incompatibilidade intima, quasi organica,
estão condemnados á
abstenção para o resto dos
seus dias.
A essencia do espirito americano é a liberdade,
comprehendida como a maxima amplitude deixada e
garantida á acção individual.
Diz um publicista notavel que, se o principio do
self-government é um
axioma politico para o norte-americano,
o seu complemento, no terreno social, é o
self-help, base dos direitos
individuaes.
A soberania do direito, alicerce do direito publico
anglo-saxonio, oppõe-se a que as garantias individuaes
sejam postergadas pelo povo ou pelos seus mandatarios.
É o que Laboulaye exprime, quando diz que os
direitos individuaes, na Constituição Americana,
são
considerados preexistentes e superiores á
Constituição.
A Constituição Brasileira, no seu artigo 72, em
que
foi mais completa do que a de 1789 na declaração
dos
direitos do homem e do cidadão, consagra a doutrina
americana.
Eis uma divergencia essencial entre o Brasil e Portugal
[97]
ou qualquer outro estado do continente europeu.
Com effeito, pondéra Arthur Orlando, professor de direito
no Recife:
«Segundo o direito europeu compete ao soberano
regular de modo absoluto as relações entre os
particulares
e os poderes publicos. No direito americano,
vis-à-vis das
auctoridades publicas, o particular tem
direitos imprescriptiveis, inalienaveis, cuja garantia
compete aos tribunaes judiciarios.»
[26]
«Em face dos principios do direito constitucional
das nações européas, o soberano,
chame-se imperador
ou povo, não encontra obstaculos á sua vontade:
perante
os principios do direito constitucional dos povos
americanos, os direitos individuaes estão ao abrigo da
acção, mesmo collectiva, dos poderes publicos, e,
portanto,
isentos de todo ataque.»
[26]
Mas desta differença deriva outra, por egual importante.
O poder judiciario americano véla pelo respeito dos
direitos individuaes, cohibindo as exorbitancias dos
outros poderes, isto é, tanto do executivo como do
legislativo.
«As leis―lê-se em Story―sem tribunaes que
interpretem
e indiquem o seu verdadeiro sentido e applicação,
são letra morta.»
[27]
Foi com o mesmo fim que a Constituição
Brasileira,
art.
o 59, III, § 1.º, alinea
a, deu ao Supremo Tribunal
Federal competencia para julgar da validade ou
applicação
dos tratados e leis federaes e das leis e actos
dos governos estadoaes.
[28].
[98]
No Brasil e na Argentina, como nos Estados-Unidos,
não é raro vêr o poder judiciario
decretar, por
sentença, a inconstitucionalidade de leis votadas pelo
Congresso e sanccionadas pelo poder executivo.
Aliás, a tendencia do espirito americano é para
resolver
todas as questões de direito por tribunaes competentes.
O julgamento arbitral é a forma de decidir os
litigios internacionaes.
O Brasil, cuja lei basica, art.
o 88, prohibe as
guerras
de conquista, tem demonstrado amplamente a sua
adhesão ao arbitramento.
[29].
E, sem pormenorizar a doutrina Drago, em que o
ex-ministro argentino quiz firmar o principio da não
intervenção armada para a cobrança de
dividas de estados,
é evidente que, na America, se caminha para
um accôrdo de que ha de resultar uma justiça
internacional,
continental pelo menos, destinada a dar realidade
ao espirito americano nessa esphera juridica.
E essa tendencia, como observa Calvo
[30],
«ha de
transformar as relações entre os povos, porque,
hoje,
não ha meias soberanias e a America cada vez ha de
pesar mais nessas relações»,
[31] com a
entrada dos
seus estados na linha das forças com que se terá
de
contar, como se contou sempre, para que o direito internacional
tenha sancção e se torne effectivo.
Nesta materia tambem nos vamos inevitavelmente
afastando dos nossos irmãos de além-mar:
quedámo-nos
[99]
atidos e atados á enygmatica, mysteriosa e confusa
politica, que consiste em ter e não perder o apoio de
uma grande potencia, a qual tem sido a Inglaterra,
mas que, ahi por 1886 a 1891, esteve para ser a Allemanha...
Não nos móve a consciencia do nosso destino;
tratamos
de alcançar arrimo. Não obedecemos a interesses
claros da nacionalidade nem a exigencias da nossa
expansão, nem sequer a affinidades de cultura ou
imposições
da economia portuguesa: requestamos um
bom encosto, embora só nos sirva para satisfazer vaidades
e pavonear forças alheias.
Seria longo enumerar todos os aspectos sociaes em
que divergem, já neste momento, os povos brasileiro
e português. Não ha, porém, duvida
alguma de que a
causa primordial desse facto, que a fatalidade do menor
esforço ha de estender e ampliar de dia para dia,
é o espirito americano, que incorporou, afinal, na
consciencia
continental, a consciencia brasileira.
Os povos de toda a America sentem que têm destinos
communs no desenvolvimento da humanidade.
O Brasil não podia deixar de commungar nesse sentimento.
Em todas as manifestações da sua vida actual
é facil reconhecel-o:
É o resultado da acção exercida pelos
Estados-Unidos,
cuja constituição, «sobre a qual
são vasadas
todas as
constituições politicas dos povos
americanos»,
creou um direito novo,
sui generis.
Sui generis é, com
effeito. A capacidade juridica da
mulher, que na Europa não é completa nem na
Gran-Bretanha,
é-o nos Estados-Unidos. «Póde praticar
qualquer
acto juridico ou extra-judicial independente da
auctorização do marido», diz Arthur
Orlando.
A essa corrente obedeceram, no debate recente de
um projecto de lei regulador da dissolução do
vinculo
[100]
conjugal, alguns dos mais adeantados legisladores brasileiros.
Á liberdade de testar, principio inherente á
formação
individualista dos povos anglo-saxonios, tem de se
attribuir o dispositivo da lei brasileira de 31 de Dezembro
de 1907, que confére «ao testador, que
tivér descendente
ou ascendente successivel, a faculdade de
dispôr de metade dos seus bens», em vez da
terça
parte.
É um passo dado para a conquista de mais essa
liberdade, á qual, em grande parte, devem ingleses e
yankees a sua iniciativa e,
portanto, o exito na lucta
pela vida.
Nós, latinos, avergados ao pavor do principio da
auctoridade, veneradores do estado providencia, picados
da tarantula romana das conquistas e da partilha
das presas, revendo na gloria das armas a fórma ancestral
e exclusiva de triumphar―estamos hoje, como
ha trezentos annos, naquella these de que a herança
é
um dever que os paes cumprem para com os filhos.
Não é, porém, só isso.
Ao mesmo espirito já era devida a
instituição:
1.º Do
habeas-corpus, no
estatuto basico da Republica,
art.
o 72 § 22;
2.º Da responsabilidade do chefe da
nação por meio
do
impeachment ou
accusação pela camara, art.
os
53 e 54;
3.º Da competencia privativa do poder legislativo
para orçar a receita e fixar a despeza, art.
o
34 §
1.º, e
para resolver definitivamente sobre os tratados e
convenções
com as nações estrangeiras, art.
o
34 §
12.º;
4.º Da indissolubilidade do Congresso
[32], da sua
reunião de direito proprio, e da faculdade privativa de
[101]
deliberar sobre a prorogação e adiamento das suas
sessões, art.
o 17 e seus
§§;
5.º Da concessão aos estrangeiros de todos os
direitos
pelo art.
o 72 dados aos nacionaes, entre os
quaes
a liberdade de cultos e o ensino publico leigo.
Em Portugal nada disso existe. Como se ha de querer
que caminhem parallelamente povos que divergem
tão radicalmente nos seus costumes politicos e nas suas
concepções juridicas?
Pura utopía! Vêde o que contrapômos a
esses cinco
pontos enumerados acima:
1.º Não ha garantias que defendam os
cidadãos
contra o arbitrio da auctoridade: o juizo de
instrucção
criminal―por suspeitas e denuncias!―prendeu, por
quasi tres mezes, quatro homens, para o inquerito sobre
o regicidio;
2.º A irresponsabilidade do chefe da
nação é constitucional;
o caso dos adeantamentos estereotypa o nosso
estado em materia de responsabilidades dos proprios
ministros,
responsaveis, segundo a
ficção legal;
3.º A dictadura financeira é a regra, a que
só se
foge «quando os ares andam turvos»: o
orçamento,
confessaram-no todos os partidos portugueses, é uma
mentira; quanto á competencia do parlamento, em materia
de tratados, basta citar o caso mais recente, o
tratado luso-sul-africano, em que ao poder legislativo...
se reservou a nobre funcção de não o
discutir
sequer;
4.º A camara electiva em Portugal foi dissolvida
quasi systematicamente durante o reinado do rei Carlos,
já o foi neste e quanto a prorogações
e adiamentos
só se não dão os que o governo
não quer; as côrtes
não se reunem de direito proprio; é o rei que as
convoca;
5.º Dos direitos do estrangeiro em Portugal avalie-se
pela expulsão de Souza Carneiro, Salmerón e
Francisco Ferrer, entre muitos mais; a liberdade religiosa
[102]
aquilata-se pelo julgamento recente de um jornalista
republicano em Vizeu; o ensino leigo define-se
pela obrigação de recitar préces
catholicas nos actos
da Universidade. É verdade que, antes de jurar defender
a Patria, o rei tem de jurar, pela Carta, manter a
religião catholica, apostolica, romana!...
Isto tudo acontece neste paiz de gloriosas
tradições,
regido por formulas já esquecidas pela maioria dos
povos civilizados.
Será, por acaso, a nossa terra uma das
wasted
countries (paizes desperdiçados,
não utilizados) a que
alludiu, ha annos, sir John Lubbock?
Será um desses estados para que o patricio e nosso
tristemente conhecido marquez de Salisbury aconselhava
a expropriação por utilidade internacional?
Dir-se-ia Portugal transferido para os trópicos, cuja
herança, no dizer de Kidd, está sendo agora
disputada,
depois da conquista da terra habitavel pela raça branca.
[33]
XIV
A APPROXIMAÇÃO
Não é facil comprehender como o conjuncto de
leis,
costumes e pendores, que acabamos de summariar e
indicar á attenção dos homens de
intelligencia e boa
vontade, tivesse, em regra, escapado ao espirito dos
conselheiros da nossa terra de doutores.
Não ha, todavia, vestigio algum de que se houvessem
apercebido da realidade os nossos estadistas de
pechisbeque nem tampouco os argutos diplomatas, que
sáem do favoritismo cortezão para o desempenho
das
suas missões com o cérebro vasio de
idéas e até das
noções elementares das mais comesinhas coisas
divulgadas
pelas bibliothecas populares com que a limpida
intelligencia francesa procura chamar ás cercanias da
civilização as gentes retardatarias.
Que aos cidadãos portugueses, que formam o grosso
dos setenta e tantos por cento que a estatistica declara
analphabetos, seja inattingivel o phenomeno,
admitte-se, explica-se e justifica-se.
[104]
Mas que, nas proprias classes tidas por cultas e, de
facto, dirigentes, se pense ainda que o Brasil nos fóge
das mãos e que o podemos e devemos segurar, bastando
para tanto a vontade de o fazermos; que, nessas
classes, se attribua a animadversão por parte dos
governos brasileiros o que deflue logicamente dos elementos
vitaes das sociedades; que, nesses meios venturosos,
se procurem soluções a um problema, que se
presume conhecer mas realmente se desconhece, e não
se lembre ninguem de investigar os seus precisos termos―é
symptoma alarmantissimo para todos aquelles
que ainda amam esta nossa patria e aspiram a uma vida
nacional digna e próspera.
Acaso ha quem julgue que perduram no Brasil resentimentos
contra a antiga metrópole?
Acaso toda essa gente graúda e fútil
não tem olhos
para vêr e ouvidos para ouvir?
Não chegam á sua intelligencia
preguiçosa nem á
sua alma embotada pelo egoismo as provas constantes
de intenso affecto que os brasileiros nos dão?
Não se sente em Portugal que as nossas máguas e
as nossas alegrias fazem pulsar, para lá do Atlantico,
milhões de peitos e tremer milhões de labios em
que
as primeiras palavras balbuciadas o foram na lingua
commum?
Triste, tristissimo estado da nossa alma, vergonhosa
condição da nossa intelligencia!
Mandemos ao Brasil homens intelligentes, que lhe
estudem a vida sob todos os aspectos e venham esclarecer-nos.
Deixemo-nos de confiar em diplomatas, que sabem
elegancias e pragmaticas, mas ignoram as mais singélas
noções dos phenomenos sociaes, economicos e
juridicos.
Os nossos colonos no Brasil, os nossos patricios
que lá trabalham em qualquer esphera da actividade,
valem muito mais, para a indicação das
necessidades
[105]
das relações luso-brasileiras, do que todos os
viajantes
que têm saído do Terreiro do Paço, para
destinos varios,
a curtir saudades da manga de alpaca e do
Deus
guarde a V. Ex.a do papelorio
nacional.
Desta desidia collectiva, em que o menos culpado
e o mais sacrificado é o povo laborioso e honesto, resultou
a absurda situação em que nos encontramos.
Reconhecemos―dir-se-ia que de subito!―que, no
fim de contas, o português encontra concorrentes nas
outras raças que contribuem para o povoamento do
Brasil...
Não foi sem tempo; mas, infelizmente, não
atinamos
com o caminho que nos convém! Serão as leis
inflexiveis da historia que hão de nos encarreirar para
essa senda.
Por nossa vontade ou contra o nosso querer, havemos
de lá ir ter.
Basta que assim seja para que presintamos, no anceio
geral por estreitar os laços que prendem os povos
de lingua portuguesa, promessas de que vem perto o
dia da redempção desta terra em que os homens
livres
parecem escravizados, em que tudo transuda o bafio
de remoto passado e tudo é bolôr, caruncho e
poeira.
Com que então queremos approximar-nos do Brasil
e mais intimamente conviver com elle?
Vamos, pois, procurar «unificar ou pelo menos
harmonizar a legislação civil e
commercial» dos dois
paizes?
Ora, ainda bem! Aos republicanos portugueses
sorri essa idéa. Já o dissémos na
introducção a estas
paginas.
E sorri porque traria a Republica, se nós a não
pudéssemos
fazer num impeto dignificante; porque só a
Republica póde levar Portugal a entender-se, de qualquer
modo, com o Brasil republicano.
[106]
A legislação commercial e civil! Como conciliar
os
dois povos, sob esses aspectos do direito, se emquanto
lá no Brasil tudo tende a amoldar-se ao regimen politico
e ás instituições sociaes e juridicas
do continente―como
deixámos exposto―cá em Porttugal nada caminha
para a democracia, tudo retrocéde para o absolutismo
de ha um século?
Ide pedir a um cidadão affeito á garantia do
habeas-corpus
que se despoje della e acceite as delicias do inquisitorial
Juizo de Instrucção Criminal, alli á
Parreirinha...
Chamae os lavradores de um paiz em que existe o
credito real e o credito agricola, a mobilisação
do valor
da terra e do valor da producção, e
perguntae-lhes
se lhes apraz voltar á condição dos
agricultores do nosso
Alémtejo...
Invertei, porém, os papeis e vereis como o
alémtejano
corre febril e esperançado a abraçar as
instituições
que florescem nos paizes da America e como o
lisboeta acolhe com enthusiasmo o
habeas-corpus...
Mas os factos affirmam que dependemos economicamente
do Brasil, que convém ao Brasil o colono português
e que, além da lingua, ha poderosos vinculos,
principalmente de ordem affectiva e psychica, entre os
dois paizes.
Queremos, lá e cá, viver como uma só
familia. Não
haverá, para isso, razões de conveniencia e de
interesse,
mas ha razões de sentimento, a que os homens
nunca se furtam.
O exemplo anglo-americano é caracteristico. Quando
foi da famosa nota comminatoria do gabinete de Washington
ao de Londres, a proposito de Venezuela e no
tempo de Grover Cleveland, pareceu que o resfriamento
ia abrir éra nova.
Puro engano!
[107]
Os Estados-Unidos e a Gran-Bretanha cada vez se
ligaram mais intimamente e a influencia que, sobre esta,
exerce aquella nação é tal que
fôra loucura negal-a.
A propria crise dos
lords que vem a
ser senão o
surto da opinião democratica
yankee dentro da democracia
inglesa, socialmente congénere da americana?
Que querem os liberaes, os radicaes, os socialistas
do
Labour Party[34]
e todos os que
acompanham Asquith,
senão realizar a idéa americana do senado
electivo
e fazer prevalecer, no tocante á iniciativa
orçamentaria
e tributaria, a doutrina que determinou a
independencia dos Estados Unidos?
[35]
E tamanha é a influencia
yankee na vida inglesa
que homens da estatura de William Stead e de Westlake
já falaram na americanização da
Gran-Bretanha...
Não é, porém, isolado o facto. A
rapida democratização
italiana que os nossos liberaes das duzias attribuem
[108]
ao, aliás, unico principe intelligente que reina
em nossos dias―não passa, no criterio dos mais eminentes
sociólogos italianos, de inevitavel consequencia
da emigração para a America republicana,
progressiva
e trabalhadora.
Fare l'America ha de
redundar num
novo
fare da se, desta vez proferido
pelo povo ao conquistar
a posse dos seus destinos!
Todos os convivios prolongados e intimos de povos
differentes os conduzem ao nivelamento de cultura.
É o facto sociologico correspondente ao physico do
equilibrio dos liquidos em vasos communicantes.
As necessidades do progresso humano e as exigencias
da ordem social são os unicos indicadores do sentido
que esse nivelamento tem de tomar.
Caso typico é o da alliança franco-russa: ella
não
podia, como os energumenos realistas suppuzeram, levar
a França á monarchia, mas tinha de arrastar o
imperio de Nicoláo para o systema representativo,
que, afinal, reconheceu a existencia do povo e o seu
direito a intervir na gestão da sociedade, que o seu
trabalho alimenta e enriquece.
Deante da nação brasileira, cuja cultura
já não podemos
pôr em duvida, cuja expansão alenta o nosso
organismo
economico e cujo consumo é uma das melhores
garantias effectivas da nossa producção, estamos
nas condições que acabamos de referir.
É uma verdadeira dependencia material. O sr. Consiglieri
Pedroso com razão a reconhece nos seus considerandos
quando diz que «a economia nacional portuguesa
só ao contacto intimo da exuberante seiva
brasileira pode robustecer-se e tonificar-se».
Accresce a esse facto o de uma absoluta interdependencia
dos dois paizes, sob o ponto de vista moral
e affectivo. Julgamos tel-o deixado claramente deduzido;
e se tal não fosse verdade, todo o nosso esforço
[109]
e todo o esforço brasileiro para realizar a desejada
approximação
redundariam em pura perda.
É, porém, certo que os laços que ligam
Portugal
ao Brasil assim como a Hespanha ás republicas
hispano-americanas
não apresentam indicios de enfraquecimento,
apezar das divergencias antes apontadas.
O erro, por parte dos povos da peninsula iberica é
o mesmo: portugueses e hespanhóes persistem, pelo
seu ferrenho conservantismo, que a ignorancia tutéla e
couraça contra todas as conquistas do progresso, em
vêr as coisas de hoje com os olhos com que viam as
dos tempos do seu poderío...
Ambos esses paizes esquecem que se lhes foram,
de longa data, as colonias americanas e que, lá, onde
as tinham, existem hoje florescentes estados e povos
trabalhados por uma nova civilização...
Supino erro de apreciação: porque o facto de
terem
os povos americanos de origem ibérica evolvido
em sentido differente do adoptado até agora pelos
ibéricos
não implica necessariamente definitivo divorcio ou
rompimento.
Dil-o o simples bom-senso. Effectivamente,
apezar
das divergencias verificadas, e incontestaveis, tem
de se
reconhecer, de ambos os lados do Oceano, que perduram
as intimas relações e a consciencia de que ellas
se
hão de estreitar ainda mais entre os dois ramos de
cada uma dessas familias.
O que é evidente é que os americanos, do sul, do
centro e do norte, só podem proseguir no caminho encetado.
Nem é admissivel o capricho em materia desta natureza.
Os povos têm os seus destinos prescriptos pelas
condições do meio em que se desenvolvem.
Meio physico, meio psychico, meio politico, meio
social, meio internacional―é claro.
Esse complexo meio impõe aos povos da America
destinos americanos.
[110]
Dir-se-á que tambem as mesmas causas impõem
á
peninsula ibérica destinos não americanos.
Nada o prova.
Antes de tudo, o que se vê é que existe, tanto em
Portugal como na Hespanha, a consciencia collectiva
de que é indispensável refazer a antiga
vitalidade com
a
seiva das ex-colonias.
É a consciencia de um destino...
Depois, com que povos, com que culturas da Europa,
formam os dois povos e as duas culturas da Ibéria
um systema que se contraponha ao da America, ao
pan-americanismo?
E, finalmente, não se sente, pela Europa inteira, o
sopro revivificador do individualismo americano? Não
se percebe, nas mais insignificantes coisas, o influxo
dessa poderosa alma americana, que revoluciona as
sciencias, as industrias e as artes? Não se vêem
legiões
de homens intelligentes acudindo á America a
haurir, nas suas coisas novas, nos seus processos novos
e nas suas instituições novas, a energia que
falece
á Europa e a esperança, que fugiu das suas velhas
nações?
É o eixo da civilização superior e
guiadora que se
desloca...
É a America que herda a hegemonia do planeta,
como, nesse papel, a Europa succedêra á Asia.
E, se ha quarenta annos se assistiu ao inicio da
prodigiosa «occidentalização»
do Japão, que á Europa
veiu buscar uma cultura, que nem por ser exótica e
antagónica com as suas tradições
deixou de ser aproveitada
no que era «aproveitavel á
condição» do seu
povo―por que havemos de reluctar em conceber que
Portugal terá de ir, além do Atlantico, procurar,
na
cultura brasileira, que lhe é affim, elementos de reforma
e de regeneração?
Acaso pretendemos, desprovidos de tudo, reatar,
[111]
na modalidade hodierna, a acção directora da
phase
do nosso esplendor?
Porventura aspiramos ao que a Gran-Bretanha sabe
imposivel―á anullação da obra do
espirito americano?
Não nos illudamos. O eixo da
civilização―perdõem-nos
o chavão em que insistimos pelo expressivo da
fórmula―está-se a deslocar, está
mesmo a mais de
meio caminho da sua deslocação para a America.
Ponhamos, frente a frente, os dois paizes de lingua
portuguesa:
Um, pujante de
seiva,
ávido de progresso, confiante
na acção, audaz na iniciativa,
próspero e rico! É o
Brasil...
Outro... Bem o conhecemos: largos tratos incultos,
aldeias despovoadas pela miseria, desalento, glorias
passadas, deficits, emprestimos em agiotas, povo
faminto sob o azorrague de iniqua tributação!
É Portugal...
Reunamol-os, esquecendo que são dois povos e lembrando
apenas que são uma familia unica, vivendo em
tamanha amizade que não recusem coisa alguma um
ao outro.
É a approximação, tudo quanto se possa
pedir como
estreitamento de relações.
Pois bem: no dia em que um conjuncto de circumstancias
de pura fantasia tivésse realizado esse amplexo,
que vae além da aspiração da hora
presente, o que havia
de acontecer, em obediencia a todas as leis sociaes,
era fatal e irremediavelmente a adaptação
portuguesa
á civilização brasileira.
A monarchia de Portugal estaria nesse dia com a
sua sentença de morte lavrada, com as suas horas contadas!
A Republica Portuguesa resultaria, irresistivelmente
e sem demora, da acção, tornada mais intima e
portanto
[112]
mais efficaz, da democracia brasileira em todas
as suas formas de actividade e em todos os seus modos
de ser.
Não! A monarchia que, para viver, nos reduziu a
todos nós á condição de
escravos e de selvagens e nos
condemnou ao obscurantismo, não se
abalançará a esse
passo.
Seria o suicidio. E a monarchia quer viver visto
que se arma todos os dias para se defender...
Não! A monarchia é o crime, mas não
é a estupidez.
E estupidez seria encaminhar-se para a morte. A
não ser que se désse, dentro da monarchia, um
caso
de loucura collectiva...
XV
CONCLUSÃO
A approximação luso-brasileira é
fatal, apesar de
implicar a queda das instituições politicas que
reduziram
Portugal ao deploravel estado de ruina em que
se debate entre as oligarchias, que o exploram, e o
povo, que olha ancioso para o despontar dessa vida
nova, que só homens novos, de idéas novas e
sentimentos
novos, serão capazes de crear.
O Brasil e Portugal hão de harmonizar os seus
interesses e as suas aspirações.
Quando?
Quando esse
desideratum
não exigir o impossivel.
Porque é tão impossivel que a monarchia
portuguesa
se transforme a ponto de poder adoptar os principios
e sentimentos da democracia brasileira quanto é impossivel
que esta retroceda ao que era o Brasil de ha
cincoenta annos, sómente pelo capricho de estreitar
as suas relações com o reino do sr. D. Manuel de
Orléans
e Bragança―o unico representante coroado das
[114]
duas casas que o acto emancipador de 15 de novembro
de 1889 depoz do throno exótico de uma
nação da
livre America...
Diz o professor Arthur Orlando, a cujo fulgurante
espirito são familiares as questões americanas,
que na
America «existe um meio social superior que paira
acima da vida nacional».
Esse meio social chegaria para contrabalançar todo
o problematico esforço que os nossos hypotheticos estadistas
monarchicos fizessem no sentido de determinar―se
não fosse absurdo―a evolução
regressiva do
Brasil.
O mesmo escriptor explica o atrazo do povo português,
de modo implicito, ao explicar o atrazo da raça
latina: «Elles (os individuos dessa raça, que
não têm
iniciativa e não contam senão com a
collectividade)
não se decidem por si, mas pelo meio familiar, politico
e religioso, de que fazem parte.»
Falta-nos a iniciativa; appellamos para a collectividade,
como se ella fosse mais do que a integração
das iniciativas individuaes.
É por isso que não comprehendemos ainda aquella
doutrina da Declaração da Independencia Americana
em que a propria independencia era considerada «um
acto de soberania immanente praticado pelo povo e
resultante do seu direito de mudar a fórma de governo
e instituir governo novo, sempre que o entender
necessario á sua felicidade e
segurança».
Quando o comprehendermos estaremos senhores
dos nossos destinos e poderemos ter uma politica nossa,
portuguesa, nas relações com outros povos, em vez
de
uma politica dynastica, que subordina os interesses
nacionaes até aos casos mais intimos e pessoaes da
vida dos reis e dos seus conselheiros, guias ou inspiradores.
Até lá, esperemos, se não soubermos
antes cumprir
o nosso dever cívico. Reconhecem os proprios monarchicos
[115]
que temos de conviver com o Brasil, que precisamos
do Brasil. Lentamente, o Brasil ha de nos enviar,
com os cheques e as libras trazidas pelo retorno
da emigração e nas formas multiplas do convivio
internacional,
as suas idéas e as suas instituições,
a lição
do seu progresso e o exemplo da sua prosperidade.
E, assim, como dissémos na introducção
a este trabalho,
o Brasil acabaria por levar o povo português
á Republica.
Mas já este povo dá signaes evidentes de
vitalidade
nas suas camadas profundas. A democracia transpoz
os limites das povoações urbanas e invadiu,
impetuosa,
as villas, as aldeias, os casaes...
A monarchia não resolverá o problema das
relações
de Portugal com o Brasil. Falhará mais esta tentativa
em que o sr. Consiglieri Pedroso―partindo de
um falso perigo de desnacionalização do Brasil e
de
uma supposta possibilidade de Portugal evitar esse perigo,
se elle existisse―levou o escrupulo da imparcialidade
com que preside á Sociedade de Geographia
até pôr de parte as divergencias essenciaes que,
sob a
monarchia que S. Ex.
a combateu toda a vida, se
oppõem
á obra pan-portuguesa da qual a sua proposta pareceu,
a tantos enthusiastas «por indole e por
disposição
da lei», preciosissima pedra fundamental.
A monarchia não é, todavia, indispensavel a
Portugal.
Portugal ha de sobreviver a esse regimen.
Então os portugueses resolverão os problemas
nacionaes.
Por agora, é escusado pensar em tal coisa. Assim
é que, apezar de todas as adhesões e de todos os
applausos, não será, desta vez ainda, realizada a
approximação
luso-brasileira.
[116]
Só a Republica, fecunda geradora de patrias, creadora
de consciencias livres e de cidadãos, nos armará
para todas as victorias.
Só a Republica, com a qual em breve ha de resurgir
a energia viril da antiga e heroica patria, saberá e
poderá reirmanar as duas nacionalidades em que se
fala a forte e rude, a dôce e plangente lingua em que,
ou fôsse sobre o tumulo da nacionalidade ou no arco
triumphal da sua resurreição, se teria de
lêr o episodio
do Adamastor e o episodio de Ignez.
INDICE
|
|
|
Pag.a |
Introducção |
6 |
I |
― |
A proposta Consiglieri
Pedroso |
11 |
II |
― |
O problema
luso-brasileiro |
17 |
III |
― |
O supposto
perigo |
23 |
IV |
― |
Os estrangeiros no
Brasil |
29 |
V |
― |
O povoamento e a
nacionalidade |
35 |
VI |
― |
A immigração
portuguesa |
41 |
VII |
― |
A permuta
commercial |
47 |
VIII |
― |
A situação
real |
55 |
IX |
― |
A nossa raça «at
work» |
61 |
X |
― |
Medidas
propostas |
69 |
XI |
― |
A evolução
brasileira |
77 |
XII |
― |
O Brasil e o
americanismo |
83 |
XIII |
― |
As
divergencias |
93 |
XIV |
― |
A
approximação |
103 |
XV |
― |
Conclusão |
113 |
Indice |
117 |
Acabou de se
imprimir
aos sete
de dezembro de 1909,
em Lisboa,
na Typographia do Commercio
rua da Oliveira, 10, ao Carmo.
Notas:
[1]
«Lá onde nenhuma outra raça medra o
português prospéra...»
«A elle pertence a palma dos dotes másculos na
tarefa
dos cruzamentos...» «É a raça
privilegiada, é a única que teve o
dom de anullar a seu favor as mais inclementes influencias
climatericas...»
«O português é o preferido no
serviço das baleeiras
norte-americanas e nesse posto o vemos arrostar os frios
glaciaes...»
«Na zona tórrida... encontramol-o sempre a prumo,
robusto, inabalavel, jovial e
altaneiro.»―
Dr. Luiz Pereira
Barretto.―O
Seculo XX sob o ponto de vista brasileiro.
[2]
Sessão de 10 de Novembro de 1909 da Sociedade de
Geographia
de Lisboa.
[3]
A desorganização do trabalho, pela
abolição do elemento
servil, impunha o fomento da immigração pelos
Estados e até
pela União. Foram, por isso, subvencionadas emprezas varias
que
contractaram o serviço de introducção
de trabalhadores ruraes.
[4]
O artigo do
Tempo era de
Oliveira Martins, ao que diz
Eduardo Prado, (
Fastos, pag. 14). O.
Martins previa a absorpção
do sul pela Argentina! O artigo, com o ser citado em tanta parte,
foi, segundo Prado, um «exito virgem para a imprensa
portuguesa.»
A prophecia é que desacredita o auctor e não
menos os que
lhe deram curso.
Tal qual no caso Mac-Murdo... (Vide
José
Caldas,―Os
Jesuitas―em nota.)
[5]
Dunshee de
Abranches―«Actas e actos do governo
provisorio».
[6]
«O seculo XX sob o ponto de vista brasileiro.»
[7]
Carta ao
Seculo, publicada, em
14 de janeiro de 1909, sob
a epigraphe «Portugueses no Brasil―Quantos
são?»
[8]
A sacca é de 60 kilos.
[9]
Entraram, em 1906, quinze mil e tantos kilos de chicoria
não preparada, dois mil trezentos e dezenove kilos de
café torrado,
moido e suas imitações... em Portugal!
O consumo, por cabeça e por anno, é: na
Itália, 970 grammas;
na Hespanha, 652 gr; na França, 2,350 k; na Allemanha, 3 k;
na
Dinamarca, 3,900 k; na Suissa, 3,500 k; na Noruega, 5,536 k; na
Belgica, 4,700 k; na Suecia, 6,566 k; na Hollanda, 7,200 k.
[10]
Vide proposta referida, pag.
a 13 a 15.
[11]
Relatorio do Ministerio da Fazenda em 1907, pag. 60.
[12]
Statistica metodologica―Torino, 1906.
[13]
Elementi di Statistica―Torino, 1904.
[14]
Castro Carreira―«Historia financeira».
[15]
Fastos, pag. 15, in fine.
[16]
Liberdade profissional, discurso parlamentar.
[17]
A phrase é de Ferreira de Araujo, insigne jornalista,
cujos
meritos não foram excedidos por qualquer homem de imprensa
de não importa qual paiz.
O conceito parecerá exagerado; não é.
Com effeito, tendo a
exportação do Brasil chegado a mais de quinze
milhões de saccas
de café, a exportação diaria,
excedente de quarenta mil saccas,
ia além da carga habitual de dois dos
cargo-boats que faziam esse
transporte.
[18]
Ayres de
Casal―«Chorographia».
[19]
Apud
Euclydes da
Cunha―«Os Sertões».
[20]
«El Continente Enfermo»―Nova-York, 1899.
[21]
«Deve-se reconhecer que o poder do meio e o
esforço
dos brasileiros têm conseguido muito na lucta pela
adaptação
dos immigrantes. O Rio Grande e Santa Catharina fornecem-nos
exemplos eloquentissimos desse facto. No ultimo desses estados,
principalmente, desde o imperio filhos de allemães
têm subido a
altas posições politicas e
em
todos elles o espirito nacional se encarnou com tanta
elevação como nos descendentes mais afastados
de europeus.»
Tobias
Monteiro―«O Fantasma
Allemão.»
[22]
É sabido que o partido liberal, antes da Republica,
estava
inclinado a essa reforma. Confessou-o, numa entrevista, o visconde
de Ouro Preto, chefe desse antigo partido.
[23]
Commentarios á constituição dos
Estados Unidos da America
§ 157, nota 1 (
a),
edição de 1891.
[24]
«O pan-americanismo é uma obra de
fraternização entre
o pan-latinismo e o pan-saxonismo, despertando entre todos os
povos da America a idéa e o sentimento de um destino
commum.»―
Arthur
Orlando―«Pan-Americanismo», Rio
de Janeiro,
1906.
Na
nota 25, in fine, vide
transcripção do «Estado de S.
Paulo».
[25]
Depois de lançadas no papel estas linhas, recebeu o
auctor
os jornaes brasileiros com as noticias das festas solennissimas
com que foi celebrado, na Capital Federal, o 20.º anniversario
do advento da Republica.
Commentando a obra das nova instituições, diz o
Jornal do
Commercio, órgam das classes conservadoras
da sociedade brasileira,
sempre de francas opiniões liberaes, mas, em que
pése a
superficiaes julgadores, incontestavelmente republicano desde
que o dirige o dr. José Carlos Rodrigues, espirito formado
pela
cultura americana e inglesa e que, ao mais intransigente
individualismo,
allia profundas convicções democraticas:
«O regimen democratico é o regimen da
opinião e por ella
se orienta, e, sendo a Republica a fórma pura desse regimen
acreditamos que a opinião brasileira, que a consagrou ha
vinte
annos, a mantém, a ampara, a defende e a estima.
«Neste anniversario todos se congratulam: o Governo com
o povo de que saiu, o povo com o Governo, que é feitura
sua.»
O Paiz, que na sua propaganda tomou
compromissos com
o povo, ufana-se nestes termos da obra republicana:
«Se, volvidos os olhos para a
construcção feita nestes vinte
annos de Republica, collocarmos o julgamento da obra do regimen
no terreno concreto dos beneficios feitos á nacionalidade,
do
conforto dado ao povo, do prestigio trazido ao paiz, é
forçoso reconhecer
que a fórma de governo estabelecida a 15 de novembro
de 1889 não mentiu ás promessas que em seu nome
fizeram os
propagandistas e tem cumprido dignamente a sua missão.
A federação e a autonomia municipal estimularam,
pela alforria
de actividades acorrentadas, forças inertes e fecundas. Cada
provincia, cada municipio, foi centro de vida á parte,
forte, cheia
de estimulos, progressista tributario da vida nacional; o commando
dos proprios destinos, a defesa dos proprios interesses,
trouxe a todas essas zonas do territorio patrio uma vigorosa
expansão
e com ellas desenvolveu-se a collectividade, engrandeceu-se
o paiz.»
No
Estado de S. Paulo, tambem
órgam da propaganda republicana,
entre cujos directores e collaboradores figuram Rangel
Pestana, Prudente de Moraes, Campos Salles e Bernardino de Campos,
todos de acção capitalissima no actual regimen,
diz Paulo
Rangel Pestana:
«Victoriosos a 15 de novembro de 1889, os republicanos tinham
a grandiosa missão de reconstruir a Patria por outros
modelos,
de accôrdo com as normas da san democracia. Precisavam
reformar tudo―as leis e os costumes, as coisas e os homens. Mas,
infelizmente, logo desunidos e desorientados, ainda não
lograram
realizar tão formosa tarefa, sem embargo dos maravilhosos
progressos
levados a effeito no vintennio que hoje se completa.
O Brasil inteiro, cheio de esperanças, festeja e
saúda o dia 15
de novembro de 1889 como o principio da sua
regeneração. Ella
tem de acabar-se com os dedicados esforços dos
contemporaneos,
tornando-a uma verdadeira republica―livre e pacifica, laboriosa
e culta, que seja uma gloria da America e uma
admiração
do mundo civilizado.»
[26]
«Pan-Americanismo», pag. 68.
[27]
«Commentarios» citados, § 266.
[28]
É doutrina dominante em toda a America. Só
as anomalias
dictatoriaes, a que todos os povos têm sido,
aliás, transitoriamente
sacrificados, podem haver postergado a sua pratica em periodos
de illegalidade manifesta.
[29]
Assim foram resolvidas: em 1895, pelo laudo de Cleveland,
o litigio das Missões, com a Argentina; em 1901, por
sentença do
Conselho Federal Suisso, a questão de limites com a Guyana
Francesa; em 1904, sendo juiz o rei de Italia, o conflicto de limites
com a Guyana Inglesa.
[30]
«A doutrina Drago»―Paris. (Possuimos a
traducção inserta
no «Estado de S. Paulo»).
[31]
A guerra russo-japonesa, a conferencia de Algeziras e o
ultimo congresso da paz confirmam por completo o conceito do
grande internacionalista argentino.
[32]
Deodoro da Fonseca teve de resignar o mandato de presidente
por ter dissolvido o Congresso. O seu acto é ainda hoje
denominado, mui significativamente―
o golpe de
estado...
[33]
Kidd―«The control of
the tropics».
[34]
Aos que se assustam com as divergencias de lingua entre
Portugal e Brasil, vem a proposito lembrar que os
yankees escrevem
labor,
honor, etc., e não
labour,
honour, etc. E ha muitas
mais... É o caso do argueiro no olho do visinho.
[35]
A declaração do Congresso das Nove Colonias,
reunido
em Nova-York, em 1765, já frisára, na sua
declaração, que Story
julga o melhor summario dos direitos e liberdades reclamados
pelas então colonias inglesas, esta doutrina:
«Nenhuma taxa lhes
poderá jámais ser imposta constitucionalmente a
não ser pelas
suas respectivas
legislaturas.»―
Story,
«Commentarios». § 190.
E a declaração de direitos do Congresso Colonial
de 1774
repetiu o preceito na sua 4.ª resolução,
em que diz, ademais,
que a base da liberdade e de todo o governo livre está no
direito
do povo fazer as suas leis. A mesma declaração,
na resolução
10.ª já se insurgia contra conselhos legislativos
nomeados á vontade
da corôa: taxava-os de inconstitucionaes.
Vê-se que o anglo-saxonio, apesar de não haver,
hoje na
Inglaterra nem, portanto, em 1765 nas suas colonias,
constituição
escripta, fez sempre questão da constitucionalidade. Os
liberaes
ingleses dos nossos dias sáem aos seus avós.
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
Variantes dos nomes próprios foram mantidas de acordo com o
original.