Nota
de editor:
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foram tomadas várias decisões quanto à
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mantida de acordo com o original. No final deste livro
encontrará a lista de erros corrigidos.
Rita
Farinha (Julho 2011)
João Maria Tello de Magalhães Collaço
ENSAIO
SOBRE A
INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
NO DIREITO PORTUGUÊS
COIMBRA
FRANÇA E ARMENIO, Editores
Arco d'Almedina
ENSAIO
SOBRE A
INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
NO DIREITO PORTUGUÊS
João Maria Tello de Magalhães Collaço
ENSAIO
SOBRE A
INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
NO DIREITO PORTUGUÊS
COIMBRA
FRANÇA E ARMENIO, Editores
Arco d'Almedina
imprensa da
universidade—1915
A MINHA MÃE
Dissertação para concurso a
assistente da Faculdade de
Direito da Universidade de
Coimbra (III Grupo—Sciências
Políticas).
Pode dizer-se com verdade que o problema da
inconstitucionalidade das leis figura na ordem do
dia
do direito público contemporâneo. E, se a todos
os escritores da especialidade êle deve interessar,
entre nós, a circunstância de a Constituição haver
adoptado o ótimo princípio de conhecerem os tribunais
da inconstitucionalidade das leis tornou verdadeiramente
indispensável o estudo da questão.
O que hoje apresento, não é decerto, o estudo
desejado, nem o estudo necessário, mas apenas um
ensaio,
que procurarei valorizar tendo sempre em
contemplação o aspecto naciona.
O problema da inconstitucionalidade da lei porventura
só o propôs a doutrina do constitucionalismo,
só a aparição das Constituições? Decido-me pela
negativa, e no primeiro capítulo do meu ensaio me
esforço por demonstrá-lo. É certo que a significação
do problema é diversa no regimen político
dito absoluto? Mas justamente assim o considero.
[x]
Há depois a colocar o problema perante o sistema
monárquico constitucional e distrair das doutrinas
da época quais as tendências esboçadas.
A constitucionalidade da lei surge, em certos
termos, como uma condição do seu cumprimento,
perante a actual Constituìção política da
República? Impunha-se o exame dessa noção, a
determinação do seu alcance, o estudo dos seus caracteres.
Restava concluir afirmando a esperança
de que o alargamento dêste princípio há de ter por
certo uma influência normalisadora contra a imoderação
do Parlamento? Fundada fica essa esperança
e oxalá em boa hora.
ENSAIO
SOBRE A
INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
NO DIREITO PORTUGUÊS
CAPÍTULO I
BREVISSIMA NOTÍCIA DA NOÇÃO
DE LEIS FUNDAMENTAIS
ATÉ Á IMPLANTAÇÃO DO REGIMEN CONSTITUCIONAL
Da forma por que hoje é geralmente exposta
poderia concluir-se que a distinção entre a lei constitucional
e a lei ordinária data apenas do momento
em que, pela primeira vez, e com solenidade,
se formulou uma
lei superior, um
texto
escrito fundamental. E, como a noção de lei constitucional
tem sido modernamente referida à teoria
da divisão dos poderes e sua organização, e às liberdades
individuais—é vulgar imaginar-se que a
noção de lei constitucional deriva do constitucionalismo.
E, todavia, nada há tão pouco exacto...
Na primeira fase da nossa história política que,
desde a fundação da monarquia se estende até
D. João II, o poder legislativo está nas mãos do
Principe, em concorrência com o qual ninguem
[4]
o pode exercitar? É certo. Mas restringem-no
os privilégios das classes e o conselho legal das
côrtes, que, nessa época, mais do que um agrupamento
dependente da vontade dos Principes,
foi um autêntico
estabelecimento constitucional, de
que tanto dependeu a confecção das leis.
Eram as côrtes instituições deliberantes, consultivas
apenas, uma e outra natureza possuiram
consoante as épocas denominadas do seu esplendor
e da sua decadência? O problema está
hoje ainda desprovido da solução que possa dizer-se
única, tão glosado tem sido—e tão apaixonadamente
(vid. a Deducção chronologica e analytica,
§§ 669.º e seg.; Ribeiro dos Santos,
nas Notas
ao plano do novo
codigo de direito publico de Portugal..., nas Notas ao título
II,
pág. 64 e seg.; Paschoal de Mello, na
Resposta que deu...
(incluida no volume das Notas acima) pág. 88 e seg.;
Coelho e
S. Paio, nas Prelecções de direito patrio publico e
particular...,
1.ª e 2.ª parte, pág. 1-78; António Caetano
do
Amaral, Memoria
(V) para a historia da legislação, e costumes de Portugal, na Historia
e memorias da academia real das sciencias de Lisboa, t. VII,
págs. 362-385; José Liberato, no Ensaio;
Coelho da Rocha, no
Ensaio, 2.ª ed. §§ 55.º a 67.º; Gama
Barros, Historia da administração
publica em Portugal... t. I, págs. 537-577; Abel
Andrade,
Evolução politica em Portugal, t. I, págs. 129-155).
Poderá arguir-se que depois de D. João II, os
reis começaram a exercer o poder legislativo fóra
de côrtes, deixando estas de ser ouvidas e frequentes?
Mas, até essa época, a «antiga forma»
mantem-se.
[5]
É certo que nem sempre os reis deferiam à matéria
representada em côrtes? Sem dúvida.
Mas isso, nota-o habilmente
Ribeiro dos Santos,
não prova que os reis não dependessem do conselho
legal das côrtes. Significa, diferentemente,
que para se tornarem em leis os capítulos delas
se carecia do concurso «da vontade e consentimento
do Principe, que era o único, em quem
residia o poder efectivo de legislar».
Não menos seguro, porêm, o afirmar-se que
nesse período, em regra, toda a matéria deferida
como objecto de lei geral e perpétua ficava constituindo
direito estabelecido, direito do reino, contra
o qual
não devia exercer-se isolada a auctoridade
régia. Daí a frase celebre de D. João II, ao exclamar
que «
se o soberano he senhor das leis, logo
se fazia servo delas, pois lhe primeiro obedecia».
Essas limitações não surgiam apenas do direito
estabelecido nas leis em que o rei deferia
aos
agravamentos,
artigos ou
capítulos
apresentados
em côrtes, porque sôbre «
costumes, usos e
foros antiquissimos da nação» se fundavam tambem
outras restrições que de certa maneira modificavam
o poder dos reis e lhes tornavam limitada
a soberania
(Ribeiro dos
Santos,
Notas ao título I, no op. cit., pág. 79).
Estas, as duas fontes
do
direito fundamental que, é evidente, se não encontram
num só texto solene, antes devem ser procuradas
[6]
através dos assentos de côrtes, das leis gerais,
das proíbições dos forais, e coligidos com aqueles
outros elementos, escritos uns, e tradicionais
outros.
Tais seriam as normas relativas à sucessão do
reino, à natureza e constituição, fins e privilégios
das ordens, à natureza e representação das côrtes;
ao estabelecimento das leis e ordenações
gerais, à imposição de tributos, à alienação de
bens da Coroa, à cunhagem e alteração da
moeda, à feitura da guerra. E, ou se creia ou
não no ajuntamento das velhas côrtes de Lamego
a quem a versão seiscentista atribue as leis
da sucessão definidas como a verdadeira
lei de
instituição do reino—bem certo é que a leis tais
como essas se referia João das Regras quando,
na oração famosa com que nas côrtes de Coimbra,
arengou pelo Mestre de Aviz, ao expôr os
motivos por que
D. João I de Castela não podia
suceder no trono, dizia «E que, estando por todos
os principios vago o
Reino, e os Portuguezes na
posse de eleger Rei, que tambem lhe dava o Direito;
e pelas primeiras, e principaes Leis d'elle,
inhibido por ser estrangeiro, cujas disposições não
podia alterar El-Rei D. Fernando...»
(Memorias
do
Senhor Dom João I, liv. 1.º, cap. 4.º, in-fine).
São as
leis, o direito do reino, aquele que o próprio
rei, por si só, não poderá alterar—a noção
[7]
precursora de lei fundamental. Quando o século
XVII vier, João Pinto Ribeiro terá uma expressão
feliz designando o prestígio dêsse direito,
ao dizer que
os capitulos dos foros jurados tinhão
de todo atado o poder dos reis.
Guarda-se e resguarda-se esse direito? Os
cuidados com êle são, pelo menos, fervorosos.
E, na história das altas magistraturas portuguesas,
uma deve relembrar-se que não será êrro
classificar de magistratura vigilante da conformidade
das novas leis ao direito fundamental.
É assim que o Chanceler mór do reino—antiquissimo
cargo cujo provimento se devia fazer
em quem andasse pelas cumiadas nas condições
de sciência, virtude e nascimento e a quem a
Ordenação exigia «
que seja de boa memoria, por
se acordar das Cartas, que tever em guarda. Outro-si
das que mandar fazer, que nam sejam hũas
contra as outras...»—pelo regimento que lhe
dava a Ordenação afonsina, deveria cuidar «
que
nom sejam dadas contra direito» as cartas assignadas
pelo rei e que, «
se achar, que hi ha alguma,
que non fosse feita como devia» a não deverá
«
grosar nẽ cancellar», antes a todas «
deve-as
[8]
trazer a Nós pera nos dizer as duvidas que, em
ellas tem...»
(Ord. Aff., liv. I,
tit. II).
Ele evitaria assim as leis «
contrarias ás Ordenações,
e Direitos do Reino, e prejudiciais ao Estado...» e isto porque «
os
nossos Monarchas, embaraçados
com infinidade de negocios, podem muitas
vezes não se lembrar de todas as Leis do Estado,
e por isso determinarem cousas contrarias ao Direito
estabelecido. Para ocorrer a estes prejuizos
elles crearão este Magistrado maior, para vigiar
sobre as Provisões dos seus Tribunaes, e sobre as
suas mesmas Leis...»
(Coelho
e S.
Paio, op. cit., págs. 74,
75 e 76, em nota).
Do rigor e alcance dêste preceito tão pouco deve duvidar-se
se certo é que êle foi ardilosamente mutilado pelo código filipino.
Quanto ás cartas assinadas pelos desembargadores do paço,
védores de fazenda, etc.; quanto às provisões assinadas pelo rei
mas de cousas despachadas pelos ditos desembargadores, ou outros
oficiais da côrte; e quanto às cartas ou provisões de graça—manteve-se
o rigor da ordenação. O Chanceler investigaria se elas
eram contra o direito estabelecido.
Mas quanto às cartas passadas e assinadas por el
Rei—e
esse
era o grande escrupulo da Ordenação antiga—o código filipino
emudeceu, e as cartas de lei todas passavam, sem que o Chanceler
Mór tivesse o dever de as não glosar nem cancelar logo que
fôssem contrárias ao direito do reino.
E, tão util e tão... constitucionalisador era o velho
preceito da
Ordenação que, quatro séculos decorridos, Ribeiro
dos
Santos o
invejaria para um novo código político como «providência tão sábia,
e tão capaz de nos preservar de muitos males» (cit. Notas
ao título I, nas Notas cit., pág. 100).
[9]
Uma vez cometida, porêm, a violação do direito
estabelecido, selada e assinada, promulgada e
publicada uma lei assim, algum direito de recurso
havia contra ela? Havia—e, «
quando
se frequentavam as côrtes, era facil e seguro praticar
êste direito...» As côrtes usavam nessas
circunstâncias do direito de
representação e «...
se
aggravavão ao Principe e requerião o que cumpria
ao bem dos povos; as suas representações eram
feitas segundo todas as leis da ordem,
como se vê
nas de Lisboa de 1455, em que se requereo ao
Principe contra as cartas passadas em prejuizo das
leis e capitulos estabelecidos em côrtes...»
(Ribeiro
dos Santos, Notas cit., pág. 99). O
próprio
Paschoal de
Mello, no seu
O novo Codigo de direito publico de
Portugal (tit. II, § 9.º), permitindo aos «
fieis vassalos»
não só a liberdade de «
representarem modestamente»
os inconvenientes de alguma ordenação
em particular, ou lei geral em prejuizo do povo,
como mandando-lhes que «
positivamente o façam»,
se autorisava com o facto de essa liberdade não
implicar «com as razões da soberania», e de ser
muito própria da justiça e boas intenções dos Principes—tanto
mais que
era certo haver em Portugal
muitos exemplos destas representações (nas Provas
de
[10]
O novo Codigo cit., pág. 182). De
facto,
muitos requerimentos
ha dos povos para que «
as leis e assentos,
que se fazião em côrtes, se guardassem exactamente;
para que se confirmassem de novo; para que
não valessem as cartas, que em contrario se dessem
á chancellaria; para que se não dispensassem, mudassem
ou revogassem, senão em côrtes...»
(Ribeiro
dos Santos, Notas cit., págs. 67-8),
assim como de representações
contra certas leis que os reis houveram
por bem revogar
(Gama
Barros, op.
e loc. cit.).
Mas a noção de
lei fundamental será incomparavelmente
mais bem expressa pelos nossos teoristas
famosos do período da Restauração. Está
já desdobrado todo o largo século XVI, onde mal
cabem as lutas formidáveis do movimento da
Reforma e do movimento contra-reformista. As
suas conseqùências estão estudadas, superiormente
estudadas e, neste passo, só tenho logar
para transcrever as palavras em que, recentemente,
Saitta resumia todo o tremendo conflito.
No primeiro período da Reforma—o catolicismo
e o papado haviam-se resignado a uma atitude
de inactividade perante os progressos crescentes
do protestantismo, e ter-se-ia anunciado a hora
[11]
derradeira para aqueles se em sua defeza não surgissem
Suarez—Doctor Eximius—Bellarmino e
Marianna que entraram denodadamente no
conflito
intelectual renovando por completo as doutrinas
politicas comuns, sôbre as quais exerceram
uma influência só comparavel, segundo
Saitta,
aos doutores da Edade-Média.
Dão aos Estados, não uma base em leis de revelação
divina: mas uma base racional e humana.
Os poderes que os organisam estão na própria
comunidade—que os defere aos seus magistrados,
sem a eles renunciar contudo. Á tése de
que os reis reinam por graça de Deus de quem
imediatamente derivam o seu poder—os doutores
Jesuitas opõem tenazmente a afirmação de que
todo o poder dos reis vem
diretamente do povo,
da comunidade.
Com que intuitos o sustentam? Meramente
religiosos—diz
Saitta. Meramente
políticos—dir-se-á
com igual verdade, porque afinal tudo
conduzia à solução política de fazer que dos povos
dependessem os reis e contra estes os primeiros
pudessem levantar-se, porque, caso o Principe
governasse mal, lhes admitiam o direito de
recuperar
o poder que só eles possuiam e que nos reis
apenas haviam delegado. O Principe aparece
assim vinculado ao povo, e êste mais elevado e
mais forte que ele (
superior et potentior).
[12]
A teoria dos Jesuitas proclamando a soberania
popular é ditada por autenticos sentimentos democráticos?
De forma alguma! Ela apenas visa a
justificar o direito de rebelião contra os reis que
favoreciam o movimento da Reforma, aproveitando
a doutrina em favor do Papa
(vid. Giuseppe
Saitta, La scolastica del secolo XVI e la politica dei
gesuiti, a
pag. 170-201, e Stahl, Filosofia
del
Diritto, trad. de Pietro Torre,
pág. 320 e seg., aí citado).
Dentre os doutores do seu tempo
Suarez
foi o
mais privilegiado talento e o de mais prodigiosa
influência na sua época e nas seguintes. A audácia
das suas proposições leva os Papas, que o
haviam apelidado de
Doctor Eximius, a proíbir
os seus livros, a coloca-los no
Index? E, todavia,
sem embargo o continuam saudando como
luminar e amparo da igreja católica.
Vinte anos regeu
Suarez em Coimbra—e
eis
por que, entre nós tambêm, são os teoristas da
Restauração que melhor exprimem a noção perfeita
da
lei fundamental. As doutrinas da soberania
popular e de que uma lei existe vinculando
o rei ao povo hão-de ter na época o mais oportuno
cabimento—se é certo que só elas vão
justificar perante o «
Summo Pontifice da Egreja
Catholica, Reys, Principes, Respublicas e senhores
soberanos da Christandade»
(ofertorio do
livro de
Velasco
de Gouvea, Justa Acclamação...) que aos
Filipes, por
[13]
estrangeiros, faltava condição para no trono português
poderem suceder segundo a
lei fundamental
de Lamego—assim como, depois de
apossados dele, dele podiam ser desapossados se
é certo que, por injustos, se haviam tornado indignos
de reinar. O poder dos reis—dizem—só
os povos lh'o transferiram. Só eles o detinham.
Só a comunidade o possue. Porquê?
«
Por que como se não ache concedido em particular
a pessoa algũa, nem a muitas juntas; antes
proceda daquella razão natural da conservação»,
resulta que «
está originalmente nos Povos, e Respublicas;
e que deles o recebem imediatamente».
Para que foi transladado esse poder? «Para se
poderem conservar» os povos, porque «
para viverem
em Republica, e Povo, que constitue como hum
corpo, não podia ser sem terem cabeça; aliàs ficaria
monstro, e sem quẽ os governasse e dirigisse, vivendo
em confusão, sem entre elles haver paz, concordia
ou justiça...»
(Velasco,
op.
cit.,
págs. 27, 28 e 31; a mesma
ideia em Villa Real, e no Anticaramuel...,
pág. 37).
Foram os poderes transladados para o rei. Mas
significa isso que os povos se tenham abandonado,
numa renuncia, às suas mãos? Não. Severamente
há-de escrever
Velasco que, «
conforme
às
regras de direito natural, e humano, ainda que os
Reynos transferissem nos Reys todo o seu poder, e
imperio para os governar, foy debaixo de hũa tacita
[14]
condição de os regerem, e mandarem com justiça,
e sem tyrannia...»
(op. cit., pág.
13-14).
Por expressões diferentes,
João Pinto Ribeiro,—o
mesmo revolucionário intemerato de 1640,
na obra verdadeiramente maravilhosa da redenção
de Portugal—haveria de exprimir que «...
O
titulo, e nome de Rey teve principio, na boa administração
da justiça, no bem, e utilidade publica,
na conservação da terra, pera cujo governo era cada
Rey eleyto. Sogeytavão-se a hum homem seu natural,
pera que como tal amasse os seus, pera que com
prudencia, e valor os compuzesse em suas duvidas,
e segurasse os menores, e de menos força da soberba
dos mayores, e mais poderozos...»
(Usurpação,
Retenção,
Restauração de Portugal, pág. 47).
O soberano tem assim um
oficio e, nele, conhece
leis a que atende e se submete? É certo. Não
é então, por direito,
rei absoluto? Não deve se-lo.
Como diz
Villa Real «
el epiteto
absoluto se
toma
siempre del que gobierna segun su gusto»
(op.
cit., pág. 43) e não foi para que governassem por
tal forma que os povos instituiram rei. «
Os Reys
não forão criados, e ordenados pera sua utilidade,
e proveyto, se não em beneficio, e prol do Reyno...»
(João Pinto Ribeiro,
op.
cit., pág. 11 v.).
Essa foi a
tácita condição, de que escrevia
Velasco,
aludindo ao fim com que era designado o
rei. A tácita condição foi como que um autentico
[15]
compromisso que, ao receber o poder, os
reis tomaram. Como, por que forma se estabeleceu?
Com uma singela naturalidade,
Velasco
exprime que, como disse talvez Santo Agostinho;
«
A translação do poder se fez entre os homens per
modo de pacto; transferido nelles o poder, com
pacto, e condição de os governarem e administrarem
com justiça, e tratarem da defensão, e conservação
e augmento dos proprios Reynos...»
(op.
cit.,
pág. 30).
Esta noção assim expressa é a indicação de
toda uma doutrina. Ela significa que antes dêsse
pacto—não existe a autoridade régia, não existe
o poder de reinar nem a própria magestade ou
soberania. Por esse pacto ela se transferiu ao
rei primeiro eleito: será guardando-o que os sucessores
usarão o mesmo poder. Dir-se-ía hoje
que esse
pacto fôra o
acto creador de tal poder.
A ideia do
pacto torna fácil um limite à autoridade
régia. Se o poder dos reis e a forma do
seu govêrno derivaram dum pacto, nem contra,
nem alêm dêste, aquele poderá exercer-se. A
noção de lei fundamental derivará por essa forma
do próprio acto que nos reis creou o poder de
reinar, e, assim, isoladamente, não podem êles
[16]
revogar, dispensar ou alterar o que duma convenção
proveiu. É nesse sentido que, num belo
trecho
João Pinto Ribeiro dizia que «
nega
todo
o direyto poder o Principe revogar, nẽ quebrantar
o pacto, e contracto celebrado com seus vassallos, sem
algũa justa, e conhecida
utilidade
publica desse
Reyno, com cujos vassalos contratou» e que «
assi
grita todo o direyto, que nos ensina nam poder haver
causas justas, que obriguem a alterar e mudar o
governo da republica, sem que se offenda o bem
publico, que sempre se deve preferir ao gosto e
vontade dos Principes; principalmente nas materias,
que pertencem a seu officio, conforme ao uso do
Reyno...»
(Usurpação... págs. 14 e
15).
E, como se dest'arte não ficasse ainda bem
assinalada a intangibilidade do pacto em face
ao arbítrio régio, e houvesse necessidade de alargar
o domínio que o rei não pode perturbar, o
nosso jurisconsulto
Villa Real diria
que «
no
es
del poder del Principe, el variar las leyes, ó los
privilegios de un Reyno; pues aunque por la força
coactiva, no esten sugetos, alas leys, lo
estan
siempre por la directiva; y no se llaman absolutos,
sino los que son tiranos. Como no obedecen a la
raçon, siguen solo las leys de su Voluntad...»
Porquê resguardadas as
leis e
privilégios?
Porque o pacto constituem-no não apenas as
leis solenemente estabelecidas por
fundamentais,
[17]
mas tambêm os
fóros e
liberdades, privilegios e
graças ganhas por direito antiquissimo, e que,
nem por não serem guardadas em leis como as
acima, deixavam de ser consideradas como
direito
inviolável do reino, e a que o rei, na época que
estudo, devia jurar guarda antes de ser aclamado
e jurado: «...
Isto he, o que significa fazerem os
Reys primeyro juramento aos povos de lhes goardarem
seus foros, usos, e costumes, de lhes administrar
justiça, e de pois se obrigarem esses povos
per juramento
a lhes obedecer e goardar fidelidade...»
(João Pinto Ribeiro,
Usurpação,
pág. 42 v. e 43).
João Pinto Ribeiro presentia assim a lei
de 12
de abril de 1642 pela qual D. João IV, deferindo
aos capítulos 1 e 35 dos estados eclesiástico e da
nobreza das côrtes de 1641
determinava que os reis
que nos reinos houvessem de suceder «
jurassem,
(antes de serem levantados,) todos os privilegios,
liberdades, foros, graças, e costumes, que os Reys
seus predecessores lhes concederam e juraram...»
Mas a lei não bastára, parece, e para que todos
«
os Vassallos... possam pedir aos Reys meus
sucessores o juramento da confirmação das graças
e privilegios, antes de entrarem na sucessão» mandava
passar o alvará de 9 de setembro de 1647,
renovando a determinação da lei e prevenindo
que «
fazendo elles, ou algum delles o contrario (que
não creio nem espero), serão malditos da maldição
[18]
de Nosso Senhor, e de Nossa Senhora, e dos Apostolos,
e da Corte Celestial, e da minha, que nunca
cresção, prosperem, nem vão adiante...»
Não o devem: mas se os Reis faltarem ao
pacto ou o atingirem—que se seguirá daí? Ha
de obedecer-se ao rei que violou o pacto?
Unanimes, os teoristas da restauração resolvem-se
pela negativa. Por quê?
Porque só está nos povos «
a eleyção, e creação
de seus Reys, e nella contratão com elles haverem-nos
de administrar em sua conservação, e utilidade.
Todas as vezes, que os Reys lhes faltão com a obrigação
do officio, que lhes derão de defensores, e
conservadores da republica, os podem remover, como
pessoas que lhes faltão á condição do seu contrato,
e ficão os vassallos dezobrigados de lhes obedecer,
ou a cudir a seu serviço, e lhes podem como a
tiranos
negar a obediencia...» pela simples razão de
que «
não he mayor o poder nos Reys, pera condenarem
por traidores, aos que em menos cabo deste
contrato, lhes faltarão com a fidelidade prometida,
que nos mesmos povos, pera lhes removerem a obediencia
coando esquecidos da obrigaçam, com que
se lhe deu a curadoria da republica, elles lhes faltão
com a palavra dada, e quebrantão o juramento
de sua promessa»
(João
Pinto
Ribeiro, Usurpação, pág. 42
v.).
Podem assim os povos negar obediência ao rei—
remove-lo
[19]
mesmo, como diz
João
Pinto
Ribeiro?
Podem. Mas como? Reassumindo o poder que
neles primitivamente estava ou
consistia, usando
a expressão de
Velasco.
Mas esse poder não o haviam os povos transladados
nos reis? Haviam. Mas tudo foi «com
pacto, e condição de os governarem, e administrarem
com justiça, e tratarem da defensão, e
conservação e augmento dos proprios Reynos».
Renunciaram por ventura os povos ao poder que
só eles possuiam? Não, pois «
posto que...transferissem
nos Reys seu poder, e imperio, não foi
abdicandosse totalmente delle, se não ficandolhe ao
menos in habitu, para o poderem reassumir, e exercitar
in actu em alguns casos, e com certas circunstancias...».
Em que casos então? Em todos
aqueles em que assim o peça «
a razão da sua natural
conservação e defeza», e esses «
se hão de
entẽder, e praticar sómête em hũ de
dous termos...».
Um deles é justamente o caso em que, por não
cumprir o pacto, o rei põe em risco a conservação
do reino. Foi-lhe dado o poder «
debaixo da
tacita condição de o conservar e governar justamente
e sem tyrannia», e se é a própria conservação
e defeza do reino que o rei põe em risco pela
fórma de tirania com que governa—a república
não pode arriscar a sua vida exatamente pelos
[20]
meios com que se propoz perpetua-la. E então
é em nome do
direito de defeza, do «
poder natural,
concedido a todos, de se defenderem», que o
reino póde eximir-se da sujeição ao rei—faculdade
de que nunca o povo se privou «
nem podia privar
na translação que fez». E, então, usa do meio
mais adequado «
que he privallo do Reyno, tirando-lhe
o poder que lhe deu...»
(Velasco,
op.
cit., págs
32, 33 e 38).
Mas é a rebelião, é a sedição—tornadas por
essa forma em direito? Não o é—e é mais. Só
é acto de rebelião o dirigido contra o soberano
que é justo e legítimo. Mas ser absoluto, não
respeitar o pacto «
no es ser legitimo señor...»
(Villa Real, op.
cit.,
pág.
44). E d'aí resulta «
que não
he sediciozo antes licito ao Povo, resistir ao Rey
tyranno, ou que tyrannicamente governava».
Com que fundamentos de direito? «
Por dous
legitimos titulos. Hum do principio natural, pello
qual podemos cõ força, resistir á força que se nos
faz, que he o que o direito chama: Vim vi
repellere...
Outro, de que sempre este cazo se entendeo
ficar expcetuado naquella primeira translação,
que o Povo fez de seu poder no Rey...»
(Velasco,
op. cit., pág. 34-5).
É absolutamente nesse sentido que João Pinto
Ribeiro justifica
os portuguezes de se revoltarem contra o injusto govêrno dos
Felipes. Pelos capítulos da côrte de Tomar, Felipe I obrigara-se
a despachar sempre na língua portuguêsa, e em conselho constituido
por portuguêses, todos os negócios do reino. Mas logo
começou despachando contra a fórma do capitulado e é arrebatadamente
que o jurista exclama:
[21]
«...e queriam que hũa naçam tam honrada o nam
sentisse, e
o nam gritasse, vẽdose desprezada, e enganada, e que contra toda
a razam e justiça se tratavam, e despachavão por outros os negocios,
que por razão de seus foros, e estatutos se devião de decidir
com ministros certos, e determinados. Maldito governo, que poem
sua segurança em desprezo de Vassallos honrados; errada resolução
do Rey, que despreza a lingoa daquelles, a que governa, e
manda, não havendo mayor firmeza entre vassallos, e Rey, que
fallarem a mesma lingoa, e saberem que o entendem, e sam entendidos
delle...» (op. cit., pág. 15).
Nesta defeza pode o povo ir até ao ponto de
«
licitamẽte matar ao Rey» sempre que êste fôr
tirano. Haverá,
em regra, que esperar-se sentença
contra o rei que com justo título ocupe o
reino mas fôr «
tyranno no governo»? É certo.
Mas nem por isso nos outros casos o meio deixa
de ser lícito «
quando o Reyno de outro modo se
não pode livrar do seu jugo, e imperio» ou «
quando
de outro modo se não pode livrar de sua tyrãnnia».
Eis toda a teoria. E para que ela não seja
reputada um desvairo, abona-se
Velasco
de alguns
que escrevem mesmo que matar o rei «
não
somente o pode fazer a Republica, e o Reyno,
mas cada hum dos particulares» e clama que a
mesma lição está nas doutrinas de
S. Thomaz
«onde o Sancto, com Marco Tullio approva por
esta cabeça, a morte que derão ao Emperador
Julio Cesar, que com tyrania occupava a República
[22]
Romana; e da mesma maneira louva o feito
de Lucio Bruto, que extinguindo ao dito Tarquino,
Rey soberbo, lançou fora o titulo de Reys
de Roma...»
(Velasco,
op.
cit.,
págs. 38 e 39; e a mesma
ideia em Sousa de Macedo, no Lusitania
liberata, págs. 519-529).
Já no peristilo da época chamada do absolutismo,
nas penúltimas e últimas côrtes de Lisboa,
regularmente convocadas, novamente há de caraterisar-se
a
lei fundamental como um limite ao
poder do rei—e dir-se-ía até que a noção dessa
lei, como superior à auctoridade régia, tomava
vulto justamente na hora em que a auctoridade
régia tendia para um ilimitado exercício de todos
os poderes. Seria o canto do cisne da velha
constituição da monarquia portuguesa...
Essas penúltimas côrtes de Lisboa de 1679
haviam sido convocadas por D. Pedro II para
que, no casamento de sua filha a Infanta D. Isabel
com Victor Amadeu II, Duque de Saboia, Principe
de Piamonte e Rei de Chipre, fôsse dispensado,
das leis de Lamego, o parágrafo que proíbe
de casar com estrangeiro à filha do Rei que no
trono suceder.
Então se definiu a natureza daquelas leis. Elas
constituiam a «
ley fundamental». Como se caracterisava?
[23]
Pelo seu fim. E era «
o fim da Ley
fundamental perpetuar a Monarchia, e Coroa destes
Reynos, nos sucessores daquelle excellente Principe
D. Affonso Henriques»
(assento dos três
estados de 11 de
dezembro de 1679).
Essa, a lei sôbre todas dominante. Eis por
que, numa adjectivação cheia de entusiasmo, o
estado eclesiástico na sua consulta definia a Lei
de Lamego como sendo «...
a sempre firme athe
agora não dispensada Ley de Lamego que sendo
o fundamento desta Monarquia, tambem he o muro
da nossa Segurança, e devia estar gravada com
letras de ouro não só em marmores, que quebrão
mas em bronzes que se eternizão...»
Diferente da lei, da ordenação geral apenas
no objecto? Não. Distinta dela na
forma tambem.
Para estabelecer, alterar, dispensar ou derogar
uma lei fundamental carecia o rei do assentimento
dos três estados do reino ajuntados
em côrtes—e daí, as palavras empregadas no
decreto de 26 de novembro de 1679 que os convocava
«para que juntos em Cortes,
pello que
lhe toca declarassem, e para mayor cautella dispençassem...»
nesse casamento a lei fundamental
de Lamego.
Foi dispensada a lei? Foi. Mas «
por esta
vez sómente»—e tão sómente por esta vez o era
que o estado eclesiástico pedia «a S. A. mande
[24]
fazer
hum assento de Cortes, assinado por todos
os Tres Estados, e que se guarde na Torre do
Tombo,
em que se diga a necessidade por que a
Ley das Cortes de Lamego se dispensa fazendo-se
o assento
com taes declaraçoens que para sempre
conste que a tal Ley foi ligitima e verdadeiramente
fundada, continua e constantemente establecida, e
observada, e que daqui em diante fica como athe
aqui foi sempre firme, e valioza, e que se necessario
he de novo os Tres Estados do Reyno a ratificão,
assim e da maneira que as primeiras Cortes
de Lamego a fundarão».
Assim se fez, e lá se declara que a dita lei de
Lamego ficará em toda a sua observância e firmeza
para o diante, sem que se possa fazer argumento
dessa «dispensação,
ou derogação» para
os casos futuros, «
em quanto não intervizir o nosso
consentimento...»
(vid. idêntico texto no
assento de 11
de
abril de 1698).
Só depois de prestado esse consentimento é
que o rei interpunha a sua «
approvação e auctoridade
Real» e a lei ficava «
valiosa». E para
o próprio rei ela se tornava «
inviolavel» visto
que é «
hũa das mayores obrigações dos Principes,
a observação das Leys Municipaes, principalmente
as fundamentaes do Reino ...»
(Decreto de
26 de novembro de 1679).
[25]
Tão particular, tão outra a mesma noção para
a teoria pombalina!
Admite ela uma
lei fundamental, e superior à
vontade do rei? Certamente—e talvez mesmo
em nenhuma época dela se apresente um conceito
tão claro, desembaraçado e perfeito. Ela
será definida como
«a base,
e primeiro principio
da Sociedade civil do mesmo Reyno; e contendo
por isso o mais Sagrado deposito, e o mais inviolavel
Monumento da civilidade, e do socego publico
em todas as Nações, que se governão pelos dictames
da razão...»
Não há nação que a não possua: visto que
«...
a primeira, e a principal Regra do Direito
Publico de cada huma das Sociedades civis, he a
Lei, que por excellencia se chama do Estado:
Porque ella he a Lei fundamental do mesmo Estado...»
(Ded. chron., §§ 599.º e 600.º).
Caracterisa-se
essa lei diversamente da lei ou
ordenação geral? Carateriza-se, sim, e ela é designada
pelo jurisconsulto de Pombal com um rigor
inexcedivel, no que toca o
objecto e
forma que lhe
são próprias. Distingue-se de todas as outras essa
[26]
primeira lei visto ser ela que «
constitue, e determina
a forma do seu Governo: Ella regula a maneira de
chamar o Monarcha, ou seja por Eleição, ou seja
por Successão; e a forma em que deve ser governado
o Reyno, ou regida a Republica. Tal era em Roma
a Lei Real;
tal em França a Lei
Salica;
tal em
Alemanha a Bulla de Ouro;
em Portugal as
Leis
de Lamego;
em Inglaterra a Carta Magna;
em
Polonia as Pacta Conventa;
em Curlandia as
Pacta
Subjectionis;
em Dinamarca a Lei Regia;
em
Hollanda a União de Utrech, etc.»
(De
Real, Science
du gouvernement, transcrito na Deducção, §
600.º).
Esses, os intuitos com que se estabelece a lei fundamental.
Constituida a monarquia portuguesa,
ao definir em Lamego aquela lei, D. Afonso Henriques
só «
quiz por aquelle legitimo modo precaver
todas as futuras discordias; tanto sobre a forma do
Governo Monarchico, que estava exercitando, como
sobre a forma da successão do Reyno», e, então,
«para os ditos importantissimos efeitos» estabeleceu
«
huma Lei Fundamental, firme, perpetua,
e tal, que nem ainda os seus Regios Successores
pudessem alteralla...»
E neste passo se consigna a dissimilhança
formal
entre
a lei fundamental e as leis ou ordenações gerais.
Aquela
é estabelecida por forma que «no
tempo futuro se evitassem duvidas; e
se não pudesse
altercar, nem pelos Senhores Reys Successores
[27]
sem consentimento dos Póvos; nem pelos Póvos, sem
Resolução dos Senhores Reys, o que de commum
acordo dos Senhores Reys, e Póvos se tinha estabelecido:
Porque esta he a natureza das Leis fundamentaes,
e que as faz irrevogaveis na forma
assim referida...»
(Deducção, §
677.º).
Essa lei, só essa, domina a auctoridade real e
constitue limite ao seu pleno poder. Não promanando
exclusivamente do rei—ao rei se impõe.
Assim, «
por mais Augusto, e independente que
seja o Poder dos Reys, não pode com tudo extender-se
a derogar a Lei Fundamental do Reyno...»
E, sugestivo, trasladando de
De Real o
que
de melhor nele se contêm, o auctor da
Deducção
repetia que «
por mais augusto que seja o Poder
dos Reys, só não he com tudo superior à Lei Fundamental
do Estado. São Juizes Soberanos das
riquezas, e da fortuna dos seus Vassalos; dispensadores
da Justiça, e distribuidores das Mercês;
mas
por isso não devem observar menos huma
lei primitiva, á qual são devedores de suas Coroas.
As Leis Fundamentaes do Estado precederão a
grandeza do Principe, e a devem seguir depois de
acabar. Não he menos absoluto no exercicio do
Poder, que estas Leis lhe dão, por não poder mudallas.
He feliz esta impotencia, que embaraça
fazer tão grande mal...»
(De Real, op.
cit, t. IV, cap. 2.º,
pág. 130, cit. na Deducção, § 602.º).
[28]
Dir-se-ía que nunca o poder régio fôra tão
severamente delimitado, nem os vassalos tão bem
defendidos contra o rei que violasse a lei fundamental.
E, todavia, nunca, como com a doutrina
pombalina, eles estiveram tão desamparados.
Repare-se primeiro que, alêm do limite que
na lei fundamental se continha à auctoridade régia—nenhum
outro a detinha. Diluida a lembrança
das
côrtes, o rei desembaraçara-se das
limitações dela provindas: e são uma verdadeira
síntese política os trechos da
Deducção em que
Pombal faz negar que as côrtes fôssem um estabelecimento
constitucional de que se instruia a vontade
dos reis, para afirmar redondamente que entre
nós sempre se praticou um govêrno monarquico
puro isto é, «
aquele, em que o Supremo Poder reside
na pessoa de hum só Homem: O qual (Homem)
ainda que se deve conduzir pela razão,
não
reconhece com tudo
outro Superior (no
Temporal)
que não seja o mesmo Deus: O qual (Homem)
deputa as Pessoas, que lhe parece, mais proprias
para exercitarem nos differentes Ministerios do
Governo:
E o qual (Homem finalmente)
faz as Leis e as deroga, quando bem lhe parece...»
(Deducção,
§ 604.º).
Da mesma forma, pela razão de que
a Magestade
do rei «não admitte igual, nem Superior, que
[29]
possão limitar o seu pleno Poder...»
(§
605.º) já não
prevalecem as proíbições que se guardavam nos
foros e velhas graças, liberdades, franquezas, e
costumes e estilos, por antiquissimos que fôssem
e invioláveis se reputassem. Todos, a talante
do rei, podiam ser derogados. Daí a
Deducção
dizer que «
O Axioma de que tudo o que o Principe
determina tem o vigor de Lei... a respeito das Leis,
ou Edictos Geraes... tem toda a sua força...; e
aos quaes se não pode duvidar a observancia sem
se cometer sacrilegio...»
(Ded. §
670.º).
E, verdadeiramente, quanto à própria
lei fundamental,
se é certo que a auctoridade régia não
devia contra ela exercitar-se—nenhum recurso
havia contra o rei se acaso êle a transgredisse.
Todos os recursos apontados pelos teóricos da
Restauração, os
Velasco,
Sousa de
Macedo,
Villa
Real e
Pinto Ribeiro, esses
recursos de
desobedecer
ao rei, de
remover o rei, de
matar o rei, são
para o jurisconsulto do alto Marquez resultado da
«
horrorosa seita», da «
falsa, e detestavel seita» dos
Monarchomacos ou
republicanos e dos «
Jezuitas
seus sequazes», obra damninha dos «
espiritos
extravagantes de alguns Homens daquelles,
que
se procurão fazer célebres no Mundo com invenções
exquisitas, sem repararem nas consequencias
delas...»
(Deducção, § 633.º).
Para o jurisconsulto de Pombal, o próprio
[30]
Velasco não passava de um «
Doutor sem livros;
porque não tinha outros, senão... os Livros dos
Authores da Companhia
denominada
de Jesus,
ou os dos seus Sequazes»
(Deducção,
§
588.º), e, se é
certo que foi Velasco quem as expôs—as suas doutrinas
são simplesmente «
falsas e reprovadas»,
«
absurdas», «
igualmente disparadas; igualmente
infames; igualmente contrarias á sã e Catholica
Doutrina; igualmente destructivas de toda a união
Christã, e de toda a Sociedade Civil»;—e só fazem
prova, afinal, de uma «
crassissima ignorancia
de Direito».
Mas não.
Velasco, «
hum lente
Cathedratico da
Universidade de Coimbra» não pode ter comprometido
o seu nome a defender com a «
abominada
seita» dos Jesuitas «
que podem os Reynos, e Póvos,
privar aos Reys intruzos, e tyrannos; negando-lhes
a obediencia...».
Para o provar, Pombal reune em Lisboa seis
lentes da Universidade a quem entrega um exemplar
da
Justa Aclamação de
Velasco,
e
encarrega
de averiguar se o volume foi realmente escrito
pelo insigne jurisconsulto. E, daí a tempo, êles
lavram um assento declarando que o livro de
Velasco—a quem as côrtes de Lisboa de
1641
haviam incumbido de o escrever, e por quem fôra
mandado publicar há cento e vinte e três anos—«
não
podia de nenhuma sorte ser composto pelo
[31]
mesmo author», e que era por isso loucura acreditar-se
tivesse sido êle o auctor daquele «
informe,
absurdo, e ignorante livro»
(Ded.,
§§
655.º-658.º). E, declarado
jesuítico o livro de
Velasco, é o
momento
de a
Deducção com outros assentar que «
nunca
foi licito aos Vassallos tomarem armas para resistirem
aos seus Reys, nem accusarem-nos de tyrannos,
e violentos para serem depostos».
Com que razões se informa a
Deducção para
assim resguardar tanto o poder real? Ora com
a auctoridade do Velho Testamento, abonando-se
na frase do profeta Samuel quando disse que
«
não havia contra os mesmos Reys mais recurso,
que o do soffrimento; porque Deos não ouviria
nunca os incompetentes clamores, com que o Povo
accusasse ao seu proprio Rey», ora servindo-se
de S. Tomaz quando este afirmava que o Principe
ficava «
izento da Lei, porque ninguem poderia
julgallo no caso de obrar contra a Lei» visto como
«o Rey não tem Homem algum, que possa julgar
OS seus factos...»
(§§ 658.º e 609.º).
É a apoteose ao poder independente dos reis, é
a época do absolutismo—aqui e em todo o velho
continente. É «a moda», dirá daqui a pouco
Paschoal de Mello referindo-se às
excessivas
liberdades
reclamadas pelos revolucionários, deles
dizendo que «
o vicio só está no excesso...».
É a apoteose ao poder absoluto, a doutrina de
[32]
Pombal. É a moda! E o vício foi justamente
esse excesso.
Contra êste estado de espíritos e para dissolução
do sistêma político que levara a
funcção régia
ao mais imoderado e abusivo exercício criando
no rei ou atribuindo ao rei o desempenho normal
e
independente de todas as competências até aí
distribuidas pelas várias instituições políticas da
monarquia, congestionando o
oficio de rei com
essa absorção de poderes—anuncia-se a éra da
revolução.
Mas não devo avançar por ora....
Por ora é a crise ainda de transição e ela está
definida nessa formidavel e esquecida sabatina
travada entre dois dos nossos maiores engenhos
do século XVIII a propósito de
O novo codigo de
direito público de Portugal, que um deles—
Paschoal
de Mello—redigia, e outro—
Antonio
Ribeiro dos Santos—anotava censurando. E
para a posteridade ficaram face a face, nessa disputa
famosa, a teoria do poder absoluto e, em germen,
a da monarquia representativa.
[33]
Para um e outro é igual o significado da lei
fundamental. Ela é uma «
convenção ou contracto
entre o povo e o Principe»—e em um e outro
pela sua
forma a noção é similhante: a lei fundamental
é uma lei que egualmente se impõe ao
Principe e aos povos, para se alterar «
requerendo
por consequencia o consentimento e vontade de
ambos».
Mas divergem ao definir o seu fim. Para
Paschoal de Mello o defensor vigoroso do
poder
independente dos reis, lei ou leis fundamentais,
que signifiquem ou sejam prova dum limite ao
seu poder, são apenas as leis de Lamego, e as
leis de 11 de dezembro de 1679 e de 12 de abril
de 1698 que dispensaram e derogaram uns dos
seus parágrafos. E, assim, todas eram «
sobre o
unico ponto da sucessão».
Outras não havia, nem outros limites portanto,
sendo certo que as leis acima referidas eram as
próprias que «
suppoem e confirmão o poder dos
Reis livre e independente sem modificação, ou restricção
alguma».
Restricções só podiam constar das leis fundamentais
e «
nem em Portugal ha lei alguma que
limite o poder do Rei», nem «
a respeito da soberania,
poder e independencia do Rei nunca se fizerão,
nem apparecem leis, ou constituições feitas
pela nação...». Por isso, fortemente afirmava
[34]
Paschoal de Mello: «
Não conheço na
Europa
civilizada
monarchia mais absoluta e independente
do que Portugal»
(Resposta cit.,
págs. 64, 85 e
87 nas Notas
cit.).
Em
Ribeiro dos Santos, leis
fundamentais e
primordiais do Estado, as chamadas «
leis do
Reino», que êle claramente contrapunha às «
leis
do Rei», eram todas as que caraterisavam a «
forma
e constituição da monarchia».
Essas, as leis superiores, e que deviam «pôr-se em maior luz».
E porque Paschoal de Mello houvesse escrito não ser necessário
que se exprimisse «a differença entre estas leis e as outras», logo
Ribeiro dos Santos reclama que, ao contrário, «cumpre fixar
exactamente a diferença entre as leis fundamentais e as outras;
porque sendo ellas por sua origem, por sua auctoridade, e por seus
mesmos effeitos as mais sagradas, universaes e inviolaveis de todo
o Estado, será muito necessario, que se assignale e distinga claramente
o seu character e natureza; e que se conheça bem a sua
força, extensão e soberania, para que se entenda o respeito sagrado,
que lhes deve o povo, e o mesmo Principe, e se não attente nada
contra ellas sem o mutuo consentimento de ambos»... (págs. 9-10).
E como tais reputava não apenas as
leis fundamentais
escritas, tais como as de Lamego, sôbre
a natureza do govêrno e ordem de sucessão da
Coroa, a de 23 de dezembro de 1674 sôbre tutela
dos principes menores e a regência do reino,
e a de 12 de abril de 1698 sôbre a interpretação
ou derogação dum parágrafo daquelas leis primeiras,
mas tambem certas
leis fundamentais não
escriptas, ou tradicionaes, «que não são menos sagradas,
[35]
que as outras» e deviam constar dos «
costumes
geraes e notorios... introduzidos de tempo
immemorial por consentimento tacito dos seus Principes,
e dos estados do reino, e confirmados por
uso constante e prática de acções publicas e reiteradas;
que são aquellas, a que os nossos Reis costumão
muitas vezes recorrer em suas leis e testamentos,
dando-lhes o titulo de costume e estilo destes
reinos...».
Ribeiro dos Santos não as enumera? É
certo.
Todavia, não é aventurado crer que como tais
reputa as relativas à natureza do sumo império
e ao exercício dos direitos a êle referentes, já a
sucessão do poder supremo, já aos privilégios do
Príncipe, já aos direitos particulares dos povos,
ou sejam os seus direitos e foros, franquezas e
liberdades, privilégios e bons usos ou costumes,
já a natureza e constituição, direitos, privilégios
e deveres das
ordens, já emfim à natureza e autoridade
das
côrtes. Estas eram as que fixavam
a «
constituição fundamental»—e ao rei tanto
como aos povos se impunham.
Podia acaso o rei viola-las ordenando contra
a constituição? Justamente temendo-o,
Ribeiro
dos Santos reclamava que se determinasse «
a
força e effeitos destas franquezas e liberdades nacionaes»,
e quais «
os meios legitimos por que os
povos devem representar ao seu Principe, e fazer
[36]
valer perante elles estes foros e liberdades»
(Notas,
págs. 8, 9, e 11-24). Mas tão heréticas reputava
Paschoal
de Mello estas afirmações que, depois
de a uma e uma haver negado o caracter de
fundamentais às leis que o adversário enumerava,
concluia no auje da desconfiança: «
se eu
me não engano, o censor ou quer fundar em Portugal
uma monarchia nova, e uma nova forma de
governo, ou quer temperar e accomodar a actual
aos seus desejos e filosofia...»
(Resposta
cit.,
pág. 84).
Mas
Ribeiro dos Santos fôra mais longe.
Segregando
habilmente na sua censura os princípios que
professava, disséra que, se porventura se não especificassem
essas leis constitucionais, «
ficaria a
nação privada de seus direitos primordiaes ou adquiridos,
e dos meios competentes para os poder representar,
ou ignorante de quaes elles sejão, e de como
os deva requerer ante o throno de seus Principes».
E, com todo o vocabulário de constitucional acrescentava
que «
quando uma nação chega a este estado,
o que se segue pelo commum, ou é confusão e
desordem... ou uma servidão e abatimento total,
em que os antigos costumes se enfraquecem e desfigurão,
em que se extingue o espirito e character
nacional, e em que se estanca a nascente de todas
as virtudes publicas, e se perde a força e energia
das acções varonis e patrioticas...»
(pág. 22).
[37]
A isto
Paschoal de Mello, tão
desmarcada
lhe parece a proposição, apenas responde que
há
princípios, há doutrinas, «
cuja lembrança só é
capaz de abalar o throno de nossos Reis pelos seus
fundamentos; e principalmente neste seculo, em que
a mania geral é a liberdade dos povos».
Não cuidemos mais: 1820 está próximo e vai
inaugurar-se o constitucionalismo.
Poderia perguntar-se, emfim, se entre nós o
regimen dito absoluto teve realmente leis constitucionais.
Decido-me pela afirmativa, mas cuido que
ninguem a ficará interpretando no sentido de
querer encontrar para essas leis um texto
escrito,
solemnemente redigido, e único, onde se contivesse,
como nas constituições modernas, a organização
dos poderes públicos, e onde se declarassem e
garantissem os direítos individuais. Debalde se
procuraria, sem dúvida, um texto análogo, visto
que esse conceito de constituição só aparece com
os revolucionários de 89 e com o movimento do
constitucionalismo—precisamente contra o regimen
político anterior.
Mas, colocado em ponto de vista diverso da
teoria do constitucionalismo, sem dúvida se encontraria
que, durante todo esse largo decurso
histórico, a nação teve «caracteres e modo de
[38]
ser», que
constitucionalmente a definiram—carateres
e modo de ser que se fixaram já em regras
de direito escrito, já em numerosas normas tradicionais,
que, por motivos eminentemente políticos,
nem os povos nem os Principes podiam
por si sós violar, e das quais algumas, de facto,
por largos séculos rigorosamente
invioladas se
conservaram.
Justamente por isso com escrupulosa probidade
podia o manifesto da revolução de 1820 dizer ou
pretender que o movimento encetado se dirigia a
restaurar simplesmente a antiga
constituição fundamental
da monarquia.
Houve a noção de
lei inconstitucional? Afirmo-o
ainda—e no decurso do meu estudo destaquei
quanto soube esse conceito de lei que infringia
o
pacto ou as leis fundamentais. Foi
sempre
gracioso o recurso contra ela? Assim o
creio, porque a verdade é que na tradição do
nosso direito constitucional não persistiram as
ideias dos doutores jesuitas que, contra as leis
que ofendessem o
pacto, preconisavam a desobediência
ao rei, a
remoção do rei—o regicídio até.
CAPÍTULO II
A MONARQUIA CONSTITUCIONAL.
LEIS CONTITUCIONAIS E LEIS INCONSTITUCIONAIS
A sciência política de que derivou o movimento
constitucional em França tem hoje determinadas
as suas origens.
Ela informou-se das criações de
Montesquieu
na
contemplação das instituições inglesas—
hanc prolem
sine matre creatam—e de todo um doutrinarismo
filosófico que, importante já nos séculos XVI
e XVII, ía no século XVIII constituir a escola do
direito natural e do
direito das gentes. E são os
seus princípios que, modificados, e depois enormemente
desenvolvidos, se encontram em
Rousseau,
sob o dupla noção famosa do
estado da
natureza e do
contracto social, donde se podem
considerar derivados os mais racicos princípios
da revolução francesa.
[40]
Estes princípios não eram novos, decerto, se os
quizer reduzir
ao mínimo que êles significam e comportam—e se quizer
abstraír da diferente intenção política que visavam. Ao saudar
em Suarez um espírito maravilhoso no
século XVI,
vagamente o
apresentei como remodelando a sciência política do seu tempo.
Ele opunha, às leis de revelação divina, leis naturais de caracter
racional e humano, e são essas, provindas da vontade dos individuos
quando se constituem em comunidade, que fazem a atribuição
do poder político, até aí não conferido a quem quer que fôsse, com
exclusão dos mais, visto como, nascidos todos os indivíduos iguais,
não havia nenhum mais ou menos elevado: «omnes enim homines
natura fecit aequales, nec est ab ipsa assignatum discrimen quare
hic inferior, ille superior existat». Por quê? Por que «nemini
enim
dedit natura supra aliam potestatem. Qua propter solum ipsa
communitas humana seu hominum congregatio hanc a natura accepit
potestatem».
É uma lei de revelação divina a que cria o poder e o torna obedecido?
Não; é uma lei natural, oriunda do geral assentimento
para que a autoridade se estabeleça pelas necessidades da inevitável
associação: «ita ut non sit in hominum potestate ita congregari
et impedire hanc potestatem. Unde si fingamus homines
utumque velle, scilicet, ita congregari velut sub conditione, nt non
manerent subiecti huic, esset repugnantia et ideo nihil efficerent»
(De legibus, lib. III, cap. II, n.os
3 e
4).
Daqui a Hugo Grotius é um passo—largo
talvez—e,
daqui,
mais facilmente se atinge Rousseau.
Dessas noções derivaram quási todos os princípios
que modificaram as instituições políticas.
Á magestade ou soberania do Rei, os princípios
da revolução hão de opôr a
soberania nacional,
residente no corpo da sociedade visto que, sendo
a autoridade pública conformada à custa dos
sacrifícios que cada um fez, colaborando no contrato
social, ao demitir-se da plena independência
[41]
que gosáva—só na universalidade dos indivíduos
ela pode consistir e permanecer.
Todavia, os indivíduos não haviam renunciado
em absoluto, à sua inteira liberdade. A necessidade
do contrato social apenas exigiu deles os
sacrifícios rigorosamente indispensáveis à formação
do Estado e ao exercício da autoridade
pública: conservaram, decerto, e prevalecendo
sobre a alienação feita, alguns direitos ainda, que
eles poderiam opôr em nome da sua liberdade
não inteiramente afectada. Esse feixe de direitos
que limitavam a actividade do Estado constituiam
assim os chamados
direitos do indivíduo,
seus
direitos inviolaveis, que a revolução irá opôr
apaixonadamente ao direito do Principe.
Mas há quanto tempo, comtudo, os não exercitavam
os indivíduos? Embora! Pelo facto
do seu não exercício não se entende que a êles
renunciaram—porque não podiam renunciar.
A revolução é necessariamente individualista
se, aos poderes politicos do imperante, ela contrapõe
o indivíduo, considerado no corpo politico
da nação, gosando ou devendo gosar, em direitos
atribuidos,
o ávo de soberania que, em
globo, só os indivíduos detinham.
Direitos esses, direitos novos que só agora pretendiam?
Não. Direitos que noutros tempos
haviam exercitado, e de que, pelo decorrer dos
[42]
tempos, e no esplendor do engrandecimento da
funcção régia, os reis haviam desapossado os
povos.
Assim, o movimento agora iniciado não era
uma
revolução contra o rei: era uma
restituição
aos vassalos. Ao cabo de porfiadas lutas, o
corpo político da nação readquiria os direitos
que haviam caído no esquecimento, reduzindo o
poder régio à sua primítiva função.
Mudava-se a forma política da nação? Não—embora
esta, afirmando a sua vontade, o
podesse fazer certamente. Ia então
depôr-se o
rei? Não. Iam
opôr-se ao rei os direitos do
indivíduo, e porque o desprêso dêsses inviolaveis
direitos só se devera ao facto de o rei
haver cumulado nas suas mãos todos os
poderes—volviam-se
os olhos para a constituição
inglesa e, mais do que lá se continha, se reclamava
a separação deles, de sorte que nunca o
soberano podesse, no exercício dum poder e no
abuso doutro, preteri-los ou suprimi-los mesmo.
E justamente porque a crise, a tormenta, todos
os males emfim do corpo social, só haviam provindo
do esquecimento dêsses direitos naturais do
cidadão, havia agora que readquiri-los e garanti-los.
Uma
revolução, portanto? Não. Uma
restauração apenas. E é assim que, entre os
revolucionários de 1789, se sauda com entusiasmo
[43]
a velha constituição política da França,
e se conclama que é à primitiva era de liberdades
que se regressa, depois de ela ter sido funestamente
interrompida pelo abuso dos monarcas
absolutos, unindo assim nessa hora por um elo
de ouro, à tradição antiga, a restauração agora
feita dos direitos individuais.
E para que êstes não mais fossem postergados,
havia que enumerar e consagrar solemnemente
esses direitos, essas liberdades, num texto
único e escrito, compondo uma equilibrada obra
de perfeição onde para todo o sempre fôsse garantido
o poder do Principe, é certo—mas especialmente,
os direitos dos cidadãos. São as constituições,
é o contitucionalismo...
Esmein, Éléments de droit
constitutionnel,
1.º fasc.; Duguit,
Traité de droit constitutionnel, t. I, §§ 63 e seg.; II, §§ 93
e seg.;
Boutmy, nos Études de droit
constitutionnel; Janet,
Histoire de la
science politique, t. II; Dr. Marnoco e
Sousa, Direito politico,
págs. 1-81; Dr. Rocha Saraiva, Construcção
jurídica do estado,
II, pág. 55 e seg., e nota a pág. 57.
Assim tambem em Portugal.
Os documentos e autores da época iniciada em
1820 arredam pertinazmente a acusação de visarem
uma mudança de regimen, e protestam que
[44]
na forma de govêrno que exercitem, a mesma
religião persistirá, o mesmo amor ao trono, os
mesmos direitos da magestade, e que se segurariam
igualmente, indefectivelmente, os mesmos
direitos do indivíduo à propriedade, e às suas
crenças e opiniões, por via das quais jámais seriam
incomodados.
O mesmo—o mesmo em tudo? A que vinha
então a liberdade, que os manifestos e proclamações
diziam já desfraldada desde o Minho ao
Tejo?
É que a liberdade não desabrochava contra o
regimen, nem contra o rei, que continuava a ser
«o mais generoso e amável dos soberanos»: ela
ía apenas iluminar o quadro das nossas instituições
antigas, e consumir a lembrança dos opressivos
governadores do reino.
Voltemos a nossos maiores!—é o grito revolucionário.
O
Manifesto da junta provisional do
supremo govêrno do reino ainda hoje clama que
nunca, como nesses tempos, «a religião, o throno
e a patria receberam serviços tão importantes,
nunca adquiriram, nem maior lustre; nem mais
solida grandeza,
e todos estes bens dimanavam
perennemente da constituição do estado, porque ella
sustentava em perfeito equilibrio, e na mais concertada
harmonia, os direitos do soberano e dos
vassallos, fazendo da nação e do seu chefe uma
[45]
só familia, em que todos trabalhavam para a felicidade
geral».
A mudança que íam operar não era assim a
fantasia de sonhar para alêm: era a segurança
de melhorar, do que já se conhecera, aquilo que
se estimára, visto que, como dizia o
Manifesto
dirigido às potências, não eram «os falsos principios
de um philosophismo absurdo e desorganisador
das sociedades; não era o amor de uma
liberdade illimitada, e inconciavel com a verdadeira
felicidade de homem» que os conduziam em
seus patrióticos movimentos. E, justamente por
isso, em tudo que intentavam, haviam de permanecer
inalteráveis
as partes estáveis da monarquia.
E exprimem então: «
O que hoje, pois, querem
e desejam, não é uma innovação, é a restituição de
suas antigas e saudaveis instituições, corrigidas e
applicadas segundo as luzes do seculo e as circumstancias
politicas do mundo civilizado; é a restituição
dos inalienaveis direitos que a natureza
lhes concedeu, como concede a todos os povos; que
os seus maiores constantemente exercitaram e zelaram,
e de que sómente ha um seculo foram privados,
ou pelo errado systema do governo, ou pelas
falsas doutrinas com que os vis aduladores dos principes
confundiram as verdadeiras e sãs noções do
direito publico...»
(Manifesto da nação
portuguesa aos soberanos e povos da Europa, nos Documentos
para a historia das côrtes geraes, I, pág. 124).
[46]
Na mudança desejada, portanto, a nação «
não
quer destruir, quer conservar». Tudo era conservar
apenas? Não: era reconquistar tambem.
O quê? Os direitos e liberdades do indivíduo
«gravados por Deus no coração dos homens»,
que
o próprio absolutismo não conseguira
derogar:
apenas tornára «
descontinuado» o seu uso.
Agora revertia-se, e as Proclamações bradavam:
«
As cortes e a constituição não são cousa
nova n'estes reinos: são os nossos direitos e os de
nossos paes...»
(Documentos, I, pág.
31).
Oh! o problema ficava bem simples! Para
resgatar todos os males sofridos, todas as angustias
padecidas, bastava reabrir de par em par o
santuário da constituição antiga. «
Tenhamos,
pois, essa constituição, e tornaremos a ser venturosos...!»
(Manifesto aos portuguezes, nos Documentos,
I,
pág. 9).
Tiveram, de certo, uma constituição—mas
não foi a antiga, nem cousa que se lhe assemelhasse,
pois que, aos deputados elegendos as instruções
de 22 de novembro de 1820 determinavam
que lhes fôssem conferidos poderes para
organizarem a constituição política da monarquia
«
tomando por bases fundamentaes as da constituição
[47]
da monarchia hespanhola, com as declarações
e modificações que forem apropriadas ás differentes
circumstancias d'estes reinos, comtanto, porém, que
estas modificações ou alterações não sejam menos
liberaes...».
E nunca o foram, deve confessar-se. As
Bases
da Constituição promulgadas em 10 de março de
1821 acusam o mesmo espírito e texto da que fôra
aclamada em Cadiz—que derivára do espírito e
texto da
Declaração dos direitos do homem e da
constituição francesa de 1791. Tal como nessas,
a constituição era definida como sendo o
conjunto
de principios mais adequados para assegurar os
direitos individuaes do cidadão e estabelecer a organização
e limite dos poderes publicos do estado.
Implícito ou explicito, é esse o conceito que
domina a
Constituição de 22, a
Carta de 26, a
Constituição de 38—e no doutrinarismo dos seus
autores virá informar ainda a
Constituição actual.
O problema da
inconstitucionalidade das leis
coloca-se perfeitamente à vontade em face das
Constituições
que teve a monarquia constitucional
porque todas elas admitiram um
poder constituinte
diverso do
poder legislativo ordinário.
[48]
Possuiram nesse caso a noção de lei inconstitucional?
De certo, e prescrevem-se especiais
cuidados contra a confecção dessas leis.
É assim que, pela própria letra da
Constituição
de 1822, art. 58.º, aos deputados eleitos deviam
ser outorgados amplos poderes para que, reunidos
em Côrtes podessem, como representantes da nação,
fazer tudo o que fôr conducente ao bem geral
d'ella, e cumprir suas funcções «
na conformidade
e dentro dos limites que a Constituição prescreve,
sem que possam derogar nem alterar nenhum de
seus artigos...». Eleitos, legitimadas as suas
procurações, o art. 78.º os compelia a jurar que
cumpririam bem e fielmente as obrigações de
Deputado em Côrtes, «
na conformidade da mesma
Constituição».
E, se no regimen da
Carta não era preceito
constitucional, era dos decretos de 7 de
agosto de
1826, 3 de junho de 1884 e 4 de junho de 1836 o
preceito de que, as procurações entregues aos deputados
eleitos, os deviam habilitar com todos os
poderes para cumprirem as suas funções—mas
«
na conformidade e dentro dos limites que prescreve
a carta constitucional, dada e decretada pelo
senhor rei D. Pedro IV em 29 de abril de 1826,
sem que possam derogar ou alterar algum dos
seus artigos», e os eleitores se obrigariam a ter
por válido não tudo o que os deputados fizessem,
[49]
mas só o que fizessem—
dentro dos referidos
limites.
Dir-se-ia que, feita pelo parlamento uma lei
inconstitucional, os cidadãos estavam desobrigados
de lhe obedecer, visto que só se haviam comprometido
a ter por válido o que os deputados
naqueles precisos termos fizessem—tanto mais
que a própria
Carta afirmava
(art.
145.º, §
1.º) que
nenhum cidadão podia ser obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma cousa senão em virtude
da lei?
Não era a êles, todavia, que as Constituições
confiavam a sua guarda: era às próprias Côrtes
(Const. de 1822, art. 102.º n.º II;
Carta, art.
15.º, § 7.º; Const. de
1838, art. 37.º, n.º II) pois que até expressamente
(Const.
de 1822, art. 118.º, n.º IV; Carta, art. 139.º; Const. de 1838, art.
38.º)
lhes impunham examinar, no princípio das suas
sessões, «
se a constituição politica do reino tem sido
exactamente observada, para prover como fôr justo».
Mas esta mesma disposição era geralmente entendida
como visando uma
fiscalisação sôbre os actos
que o poder executivo praticara no interregno
parlamentar—e não como uma vigilância das
côrtes ácêrca da genuinidade constitucional das
leis que elas próprias haviam elaborado
(Prof. Dr.
Arthur Montenegro, em O Direito,
ano 32,
1900, n.º 7, pág. 99
e seg.).
Tornada a providência legislativa em decreto
[50]
das côrtes gerais, algum recurso haveria contra
êle—se fosse inconstitucional?
Fôra mister que, nesse intuito, o rei lhe suspendesse
a sancção, e isso lhe era lícito quando
entendesse «
que ha razões para a lei dever supprimir-se
ou alterar-se»
(Const. de 1822, art. 110.º),
ou
lha recusasse sem sequer expôr os motivos
(Carta,
artt. 57.º e 58.º). A
atribuìção desaparece na Constituição
de 1838, e dir-se-á que a suspensão ou
recusa de sancção nunca entre nós foi usada
como meio preventivo contra as leis inconstitucionaes?
Elas nunca foram meio
normal, é certo,
mas—circunstância verdadeiramente curiosa e
referida por um único escriptor português—foi
durante a sua elaboração, vigente
provisoriamente
a Constituìção de 1822, que a Rainha D. Maria II
suspendeu a sua sancção a um decreto do Congresso,
flagrantemente inconstitucional.
Cuido ser único o caso na história da nossa
vida politica durante o constitucionalismo, e não
é sem scismar ou sem sorrir que se vê suspendendo
a sancção a uma lei que cuida inconstitucional
o soberano em cuja vida a Constituìção
foi mais frágil—e que se vê o caso passado com
o ministério sempre reputado como o mais requintadamente
liberal.
Á Rainha fôra apresentado um decreto do
Congresso Constituinte de 24 de agosto de 1837,
[51]
pelo qual os poderes extraordinários e discrecionários
concedidos e prorogados ao govêrno
pelas leis de 14 de julho e de 13 de agosto do
mesmo ano eram interpretados no sentido de êle
se considerar «
authorisado para demittir sem processo
nem sentença os officiaes do exercito de qualquer
graduação e os juizes inamoviveis, que tomaram
ou vierem a tomar parte na rebellião». Não
constituia, evidentemente, um caso duvidoso de
inconstitucionalidade—e assim o entendia a soberana
que, em 4 de outubro de 1837, mandava
devolver os autógrafos respectivos, acompanhando-os
das seguintes observações, que, não constituindo
um primor gramatical, fazem todavia
prova da melhor intenção:
«O projecto de lei que se offerece á minha real sancção, tendo
sido apresentado em 28 de agosto, e havendo eu n'este intervallo
estado impedida, por grande molestia, de tomar conhecimento
dos negocios publicos, é fóra de duvida que os dias d'este impedimento
não devem ser contados nos trinta, que o artigo 111.º da
Constituição estabelece, e por conseguinte ainda estou dentro do
prazo que a mesma Constituição e o artigo 111.º me concedeu
para meditar sobre objecto tão importante como a sancção de
uma lei.
Este projecto de lei destruiria, se fosse sanccionado, os
principios
estabelecidos na Constituição e nas leis organicas em perfeito
vigor, e que em todos os tempos devem ser respeitados.
Se em casos extraordinarios se precisam remedios extraordinarios,
esses remedios não devem estender a sua influencia além
do rigorosamente preciso para remediar esses casos.
[52]
A influencia da lei actual, como exemplo de uma
violação das
garantias da Constituição se estenderia a todas as idades. As
circumstancias
d'aquelle momento eram justamente as mais improprias
para a sancção de medidas d'esta natureza, porque davam á
lei o caracter de uma sentença e não d'uma lei!
Sendo eu a primeira guarda das garantias individuaes, consagradas
na Constituição e nas leis organicas do Estado, as quaes
garantias são para todos os portuguezes, e para todos os tempos,
repugnava ao meu coração acceder a uma lei, que me parece
oppor-se a ellas e estabelecer um precedente de terrivel influencia.
As côrtes tinham já recebido provas de que podiam repousar sobre
a lealdade e vigilancia do meu governo, no que trata a conferir
ou a retirar as comissões, com que o governo reveste os agentes
necessários á sua acção; e esta faculdade, junta a outras, com
que as côrtes já tinham armado o mesmo governo, tornava escusada
a que lhe era conferida pela presente lei.
Os factos acabam de justificar este meu pensamento: o país
está pacificado. Como meio de obter este fim, mais que claro, já
não é necessária a lei; como meio de justiça, tambem a sua
nenhuma utilidade é manifesta, á vista da maneira por que terminou
a lucta, por meio de uma convenção que o meu governo deve
religiosamente executar, e na qual está reconhecido pelos mesmos
insurgentes ao governo o direito de não conservar aos seus chefes
os postos legalmente adquiridos.—Rainha.—Palacio
das Necessidades,
30 de setembro de 1837». (Cf. Clemente
José dos
Santos,
Estatisticas e biografias parlamentares portuguezas, vol. I,
1.ª parte, págs. 74 e seg.).
O caso é excepção—e prova assim que não
foi a recusa ou suspensão da sancção um meio
preventivo
normal? É certo. Mas nem por isso
menos devia ser destacado neste estudo de origens
que pretendo estabelecer.
Sanccionada e publicada a lei, algum recurso
contra ela havia, se fosse inconstitucional?
Havia, visto que as Constituições a todos os
[53]
cidadãos reconheciam o direito de «
expor qualquer
infracção da constituição», requerendo perante a
competente autoridade a efectiva responsabilidade
dos infractores
(Const. de 1822, art. 17.º; Carta,
art. 145.º § 28.º; Const. de 1838, art. 15.º).
Mas não passava de um recurso gracioso,
a que o parlamento decerto ficaria insensivel,
tanto mais que ninguem saberia como pedir-lhe
nem como tomar-lhe responsabilidades pela infracção
que cometera, se a doutrina o reputava a
salvo delas no exercício da funcção legislativa.
Poderiam os juizes recusar-se a aplicar leis
inconstitucionaes?
Os juizes tinham por missão aplicar a lei, e como
a Constituição determinava um processo particular
de revisão constitucional, era certo que a
lei ordinária tinha que ser conforme à Constituição,
que nenhum dos poderes do Estado podia
suspender
(Const. de 1822, art. 176.º, comb. art.
28.º;
Carta,
art. 119.º, comb. artt. 140.º-144.º e 145.º § 33.º; Const. de
1838,
art. 123.º, comb. artt. 138-139.º e 35.º). Até meados do
século XIX, todavia, o problema não se propõe,
segundo creio. E, que se propuzesse, viria a
ter a mesma que teve em regra no direito público
europeo contemporâneo com o princípio da
omnipotência parlamentar, e os juizes declarar-se-iam
incompetentes para conhecer da constitucionalidade
das leis.
[54]
Como sucedera com a
Constituìção de 1822 e
com a efémera
Constituìção de 1838, a
Carta
ficára desamparada para futuros golpes vibrados
pelo próprio parlamento, havendo-se apenas resguardado
dos arbitrios do executivo—e, deste,
não tão completamente que êle não viesse a assumir,
por maneira inconstitucional, o exercício da
funcção legislativa, já ordinária, já constituinte.
Será precisamente em resultado dessa defeza
contra o executivo, que teve as suas salientes
fórmas nas doutrinas do não cumprimento, pelo
poder judicial: 1) dos regulamentos, quando contrários
à letra da lei; 2) dos decretos promulgados
no uso da autorisação legislativa em tudo o que
êles excedessem os termos das ditas autorisações,
e, maiormente, 3) dos decretos dictatoriaes—que
se ensaia na nossa legislação constitucional
a primeira tentativa, no mesmo sentido, a respeito
das leis que violem os princípios constitucionaes
da lei fundamental.
Quem sustentou entre nós a doutrina? Ouso
apontar o nome de
Silva Ferrão como o
do primeiro
jurisconsulto português que, numa passagem
[55]
até hoje não citada, tocou o problema. O
curso das suas considerações visava mais caracterisada
e empenhadamente os decretos dictatoriais?
Mas a tése alarga-se-lhe abrangendo as
leis inconstitucionaes tambêm, e determinando-se
claramente pela opinião de que os juizes deviam
conhecer da constitucionalidade das leis
que tinham de aplicar—negando-se a cumpri-las
quando verificassem que elas violavam ou ofendiam
os princípios da constituição.
É assim que, combatendo uma sentença da
época que decidira pela incompetência do poder
judicial para conhecer da constitucionalidade de
um decreto de ditadura, o insigne jurisconsulto,
versando com esse problema o das leis inconstitucionaes,
opunha que «
os juizes prestaram juramento
de observar, e fazer observar, a Carta Constitucional
da Monarchia, e as Leis do reino, e não
podem abstrahir estas d'aquella, no cumprimento
dos seus deveres, estando obrigados por isso, a
considerar, não só, se as Partes, se os processos, se
as acções, tem a qualidade de legitimas, mas, outrosim,
se os diplomas, ou determinações, cujas theses
devem applicar ás hypotheses dos autos, tem ou não,
o cunho de Lei.
Os Juizes, quando assim obram, não tem por
objecto apreciar as Leis, feitas pelo Poder Legislativo,
ou pelas Dictaduras, nem se arrogam supramacia
[56]
sobre os outros Poderes do Estado: muito
pelo contrario, mantem-se, unica e precisamente,
dentro da orbita da sua propria independencia e
juramento, não reconhecendo, em cada um dos processos,
que tem a julgar, outros Poderes, que incompetentemente
lhes dictem as normas.
O contrario disso importaria o mesmo que subordinar
a acção da justiça ao arbitrio desses Poderes;
reduzir os Juizes a instrumentos cegos e doceis
para homologar somente determinações exorbitantes
e inconstitucionaes; tornar em fim o Poder Judiciario
uma cousa muito diversa do que deve ser na
realidade, pela firme, constitucional, e justa manutenção
dos direitos dos cidadãos...»
(Tratado
sobre
direitos e encargos da Serenissima Casa de Bragança, págs.
256-7).
E, temendo que à sua argumentação falecesse
autoridade,
Silva Ferrão (nota
a págs.
257-9) invocava
as de
Dupin e de
Henryon de
Pensey. O primeiro,
nas lições sôbre
A Justiça, o Direito, e as
Leis feitas para o Duque de Chartres, ensinava-lhe
que «
a Lei Fundamental conserva todas as outras
na sua dependencia: que, no conflicto entre estas
Leis e a Carta, se deve preferencia á mesma Carta,
como Lei Rainha, a mãe de todas as Leis»
e que,
mesmo não existindo na época o recurso para o
sénat conservateur que a Constituição do ano VIII
estabelecera, os Juizes devem ter como elementar
que as leis, feitas pelos legisladores que juraram
[57]
obediência à Constituição do Estado, não podem
derogá-la. Em caso de colisão, os juizes deverão
obedecer à Carta, como lei evidentemente mais
poderosa e mais clara—sem que por esse facto
sejam desobedientes à lei, ou se erijam em legisladores,
visto que limitam o seu oficio a pronunciar-se
sôbre uma questão de Direito, manifestando
que o acto não é aplicável à hipótese que
lhes é submetida para julgamento.
A mesma lição vinha de
Henryon de Pensey.
E
é verdadeiramente interessante que o escritor
francês, tão nomeado no tempo, em abono da
sua tése aponta o facto de, pelo art. 44.º do nosso
decreto de 7 de agosto de 1826, as procurações
a entregar aos deputados portuguêses os deviam
munir de todos os poderes para cumprirem suas
funcções, mas «na conformidade e dentro dos
limites que prescreve a carta constitucional...
sem que possam derogar ou alterar algum dos
seus artigos», e só nessa fórma se obrigavam os
eleitores a «cumprir e ter por válido tudo o que os
ditos Deputados assim fizerem, dentro dos referidos
limites».
As nossas ótimas leis—e os seus péssimos executores!
Mas a tése de
Silva Ferrão ficára, sem
interesse
nem éco, num livro de caracter histórico,
onde, se bem creio, até hoje se julgou oculta. E
[58]
é pelo menos sem citar
Silva Ferrão
que, três
anos depois, em 1856 ainda, o redator da
Gazeta
dos Tribunaes iria sustentar decididamente a
mesma tése num trecho que com prazer transcrevo,
quasi penalisado de vêr que até hoje o
não apontaram aqueles que, entre nós, escreveram
sôbre o têma—quando afinal, na eterna
ilusão, o escritor, cuidando que às suas palavras
o problema ficava ligàdo, dizia:
«
É preciso que se intenda de uma vez por todas
que não se póde nada contra a Carta ou contra a
lei fundamental em quanto não for revogada pelos
meios que ella estabelece, e que as leis que se fizerem
em diametral opposição com ella não são leis,
nem obrigam os cidadãos, e que é um dever dos
tribunaes não lhes dar execução. Dizer que nem
os cidadãos nem os juizes tem direito a conhecer da
legalidade das leis, é sobre um erro, um absurdo,
é a theoria em pessoa do poder absoluto—não digo
bem, na theoria do poder absoluto não ha tal coisa,
nem tal ponto de doutrina; é o poder despotico, o
obscurantismo...»
(Gaz. cit., 1856,
n.º 1211,
pág. 9464).
Seria o obscurantismo? Cuido que era, porém,
a omnipotência do regimen parlamentar—e
dela deriva que só quarenta e quatro anos
depois a doutrina encontraria acolhimento na
proposta de reforma constitucional de 1900,
acolhimento efémero todavia porque a inoportunidade
[59]
politica a breve trecho a deixava desamparada
novamente.
São conhecidas as condições em que essa reforma
foi preparada. Á situação ministerial regeneradora,
que operára por símples decreto ditatorial
uma reforma constitucional, sucedera o
ministério progressista desejoso de sanar o que
a situação anterior causara. Não bastaria um
símples decreto para aluir uma inconstitucional
reforma que por símples decreto se operara?
Mas o governo, considerando a reforma de 1895
como não feita, preferia que só
constitucionalmente
se repuzesse a fórma antiga, aproveitando-se o
ensejo para a modificação de alguns artigos da
Carta. É certo que ao mesmo tempo se aproveitara
precisamente dessa reforma de 95—a que
considerava como não feita—para introduzir na
Câmara Alta 24 Pares do Reino seus partidários?
Mas isso constituia apenas uma pequena culpa
que a oposição fazia avultar.
É neste ambiente apresentado o projeto de lei
de 3 de julho de 1899, pelo qual as Camaras, em
obediência aos estritos preceitos da
Carta e do
Acto de 85, deviam reconhecer a necessidade da
reforma de determinados artigos constitucionaes.
Era visado o artigo 119.º da
Carta—aquele justamente
que definia a missão do juiz? Era.
Mas a verdade é que a leitura do relatório convence
[60]
bem de que a reforma projetada não abrangia
ainda o problema de atribuir-se ou não ao
juiz o poder ou o dever de conhecer da
constitucionalidade
da lei que tivesse de aplicar—visando
directa e exclusivamente a questão, fundamental
na época, sôbre deverem ou não os juizes cumprir
os decretos ditatoriaes.
O mesmo pensamento se afirma no parecer da
comissão especial da Câmara dos Deputados, onde
se escreveu que «os factos, occorridos em o nosso
país, justificam, de resto, a necessidade de expressamente
conferir ao poder judicial meios de evitar
os inconvenientes, que resultam, para os cidadãos,
das continuadas
usurpações de funcções do legislativo,
que o executivo se tem permittido praticar...».
E nada constava, nem alguem aludiu, nas aliás
brevissimas discussões que o projeto teve, ao problema
da constitucionalidade das leis.
Na proposta de 14 de março de 1900 aparece
todavia atribuida competência aos tribunaes para
conhecerem da
validade das leis, e do relatório
constam os motivos:
A competencia dos tribunaes para conhecerem da valídade das
leis, e outros diplomas, que hajam de applicar, fica definida na
proposta,
que preenche assim uma grave lacuna do nosso direito...
A falta que se suppre, é da letra, não do espirito da carta. A
independencia do poder judicial não é effectiva, se a elle não pertence
o direito, ou antes e melhor, se lhe não corre a rigorosa
obrigação de apreciar a validade dos textos em que funda a auctoridade
das suas decisões: e sem a completa independencia d'este
poder a liberdade politica, no seu mais elevado e expressivo conceito,
ficará irremediavelmente desprovida da sua principal segurança.
[61]
E, convertendo-se estes princípios numa fórmula,
o art. 10.º da projetada reforma dispunha
que «
os tribunaes têem competencia para conhecer
da validade das leis».
A 16 de junho, começa na Câmara dos Deputados
a discussão. Já o govêrno havia reconsiderado
sôbre a proposta, e no parecer que a comissão
especial elaborara de pleno acôrdo com o
govêrno, vinha declarar-se que «
A vossa comissão
modificou o artigo da proposta do governo, a fim
de evitar quaesquer duvidas que podessem suscitar-se,
ácerca da competencia dos tribunaes para
apreciarem a validade intrinseca das leis: fica bem
claro que tal objecto lhes é estranho».
De facto, o novo art. 11.º do projeto da comissão,
proíbindo aos tribunaes que aplicassem decretos,
regulamentos, instrucções ou quaisquer deliberações
dos corpos e corporações administrativas,
contrárias às leis constitucionaes ou ordinárias—vedava-lhes
conhecerem da
validade das
leis. Na discussão que o parecer teve na Câmara
dos Deputados ninguem pugnou pelo texto primitivo.
Porquê? Porque, por parte do govêrno,
havia todo o desejo de viabilisar a reforma, e era
[62]
já tão formidavel a luta que a oposição contra ela
erguia, especialmente pelo facto de se impôr aos
tribunaes o não cumprimento dos decretos de
ditadura, que chegava ao ponto de declarar que,
votada
quand même, por seu lado a não cumpriria.
De resto, com o govêrno em crise, já ninguem
discute a reforma. É aprovada ainda na Câmara
dos Deputados? É. Mas cinco minutos depois
que, em sessão de 27 de junho de 1900, o 1.º secretário
da Câmara dos Pares comunica ter recebido
do presidente da outra Casa um oficio contendo
a proposição de lei sôbre a reforma da
Carta,
entra na sala, já constítuido, o ministério regenerador.
A reforma gorára-se.
Gorára a proposta?
Mas colhera a doutrina, e o problema desde
essa éra em diante paira no espírito de todos
os nossos escritores de direito público, sempre que
se trata da funcção e competência do poder
judicial.
Em 1901 retoma-a o Prof. Dr.
Afonso Costa
(Lições de Organisação Judiciaria, págs.
50 e
seg.); em 1904,o
juiz
Francisco José de Medeiros
(Sentenças,
1.ª. ed.,
págs. 8 e 9); em 1905 o Prof. Dr.
José
Alberto dos
Reis (Organisação Judicial, págs.
19 e
seg.); em 1910, o
Prof. Dr.
Marnoco e Sousa (Direito
politico, págs. 781
e segg.), em cuja obra se
encontra a sua fórma
definitiva.
[63]
Durante o regimen monarquico constitucional,
procurou-se pois caracterisar a Constituìção diferentemente
da lei ordinária, pelo seu fim e pela
sua fórma. Considerou-se que a Constituìção
definia primordialmente as atribuições e limites
dos poderes públicos e sanccionava as garantias
imprescindiveis dos direitos individuaes.
É certo que ao mesmo tempo se entendeu que
nas leis constitucionais nem tudo era matéria
rigorosamente constitucional? Mas isso só prova
o desejo vão de querer precisar o caracter próprio
de lei constitucional—que, de resto, e mais acentuadamente
se considerava diversa da lei ordinária
pelo
aspecto formal, perante o qual a Constituição
se caracterisava como a lei para cuja
feitura, alteração ou revogação eram necessários
especiaes requisitos.
Sanccionava-se a distincção concluindo que
não valia a lei ordinária quando contrariasse disposições
constitucionais da Constituição—a quem
não podia revogar—devendo em tal caso os
tribunais negar-se a aplicá-las, visto que a funcção
de as aplicar envolvia a de se certificarem da
sua validade. Alguma vez eles decidiram assim?
Caso algum conheço—e, todavia, a necessidade
da doutrina tanto se impoz que no projeto de
reforma constitucional apresentado em 1900 pelo
estadista
José Luciano de Castro
encontrava uma
[64]
satisfação cabal. A reforma não foi a cabo?
Contra as leis inconstitucionais continuaram a ser
único recurso simplesmente os mais graciosos?
É certo. E foi assim a actual Constituição política
da República que, pela primeira vez, introduziu
o rigoroso e salutar princípio, no seu art. 63.º,
de atribuir competência aos juizes para conhecerem
da constitucionalidade das leis. Essa disposição
me proponho analisar.
CAPÍTULO III
O PROBLEMA DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
EM FACE Á ACTUAL
CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DA REPÚBLICA
O problema da inconstitucionalidade das leis
pode e deve colocar-se agora em face à actual
Constituição política da República visto que ela
admite, no artigo 82.º e seus §§, a distinção entre
a lei constitucional e a lei ordinária—diferença
persistente no espírito dos seus princípios, pelos
quais já antes, no artigo 63.º, fôra sanccionada.
Deverá haver, haverá hoje, perante uma rigorosa
técnica, distinção de
natureza jurídica entre
a lei constitucional e a lei ordinária? Não deve
haver—nem ha.
Não quero cuidar por ora se é ou não falso o
critério de
fim, que se toma para base quando se
procura afirmar uma diferente natureza jurídica
[66]
entre aquelas leis; e sustento que no próprio seio
da doutrina que assim expõe não ha elementos
que conduzam a uma distincção daquela ordem.
Tem um
conteúdo próprio a lei constitucional—dizem.
Qual?
Não é unanime a fórma por que em face aos
estados modernos definem Constituição ou lei
constitucional aqueles mesmos que a reputam
com diversa natureza da lei ordinária, e isso será
já uma condição desfavoravel.
De facto, uma noção apresenta
Wilson,
quando
Palma,
Esmein,
Brunialti,
Boutmy
e
Orlando
apresentam outras diversas, e, entre nós mesmo,
não é igual a maneira por que os Professores da
Universidade de Coimbra a definem.
Mas os seus diferentes pontos de vista não
mutilam talvez uma noção que pode apresentar-se
como reunindo muitos pareceres, quando se diga
que a Constituição é «uma regra objectiva que
organisa a soberania sôbre a base de uma separação
de poderes, com fim a obter o reconhecimento
e garantia das liberdades individuais».
Assim definida a Constituição, e se é esse o seu
conteúdo próprio e
privativo—sob pena de se
descaracterisarem, as Constituições só podem
conter regras de direito com aquela natureza.
Mas percorram-se todas as Constituições e ver-se-á
como o critério é falso—e como se mesclam
[67]
com disposições que teem realmente aquele fim
disposições cujo objecto fica inteiramente alheio
ao objecto que se proclama como privativo de
uma Constituição.
Ha Constituições onde a lista de matérias reservadas
é interminável, versando em detalhe questões
cujo objecto não tem relação com aquelas
que se indicam como de caracter rigorosamente
constitucional.
É assim que, especialmente nos estados americanos,
as Constituições versam numerosos pontos
de natureza inteiramente secundária (e até de
caracter puramente privado) dos mais diversos
generos, e regulamentam promenorisadamente
sôbre o processo judicial, vencimentos dos funcionários
públicos, proíbição de venda de bebidas
alcoólicas, taxa de juro, fixação das oito horas
de trabalho, protecção às mulheres e crianças nas
fábricas, emigração e salários, bens da mulher
casada, escolas, venda de terrenos públicos, obrigações
das companhias ferroviárias, ocupação e
exploração das minas, portos, canais, bancos e
celeiros de trigo, e até determinando que se copiem
em pergaminho os projectos de lei, e como há-de
fornecer-se papel e a lenha para uso das Câmaras
(Vid. Racciopi, Nuovi
limiti e freni
nelle istituzioni politiche americane,
Milão, 1894, cit. em Brunialti, Formazione revisione delle
Costituzioni moderne, na Biblioteca di scienze politiche e
amministrative,
2.ª serie, vol. II, pág. XXIV).
[68]
Cousa aproximada sucedia nas Constituições
que a França possuiu na éra revolucionária e
sucedeu com as nossas Constituições, e cousa parecida
se dá ainda na actual Constituição política
da República. Dentro desse critério, taes disposições
serão
por natureza constitucionais tambêm?
E se o não são, pode dizer-se porventura que a
lei constitucional tem, pelo seu
objecto privativo,
uma natureza jurídica particular?
Ah! eu sei: a doutrina para se salvar ha de
distinguir, ha de precisar-se, e dirá que nas Constituições
nem tudo é matéria rigorosamente constitucional,
normas havendo que, sem essa natureza,
nela se inscrevem pela sua conexão com as
primeiras.
E é justamente a distinção que compromete a
doutrina! Como ha de conciliar-se a ideia de
que a Constituição difere da lei ordinária mesmo
pelo seu conteúdo jurídico, com a ideia de que
ha nas Constituições matéria rigorosamente constitucional
e matéria não constitucional?
Para que se colocaram então, a par, normas de
natureza jurídica diversa num diploma que devia
caracterisar-se pela sua natureza jurídica única?
Dir-se-á que esses princípios não rigorosamente
constitucionaes se colocam na
Constituição para
que, por contacto, se fixem com um certo caracter
de permanência? Mas nesse caso ir-se-á
[69]
buscar ao abrigo da Constituição não uma especial
natureza jurídica, mas uma simples diferença
de forma, porque a doutrina que distingue entre
matéria constitucional e matéria não constitucional
nas Constituições daí tirou sempre uma única
conseqùência: a de que a matéria não constitucional
podia ser revogada por via da legislação
comum. Para que se incluiam pois na Constituição?
Ad quid?
Só porque eram princípios
conexos com os princípios
rigorosamente constitucionaes é que se
inscreviam na Constituição? Mas eis justamente
o Maleströn de toda a doutrina que vê naturezas
jurídicas diferentes na lei constitucional e na lei
ordinária! O facto de existir matéria que não era
rigorosamente constitucional mas que se inscrevia
contudo na Constituição, e que, não necessitando
do poder constituinte para ser modificada, todavia
se não confiava claramente à competência do
legislador ordinário, não vinha atestar a dificuldade
insuperavel—como diz
Orlando—de
encontrar
um critério objectivo que caracterise
juridicamente
a lei constitucional, ou a impossibilidade
absoluta de, como diz
Palma, apontar
onde
começam e onde acabam as leis constitucionaes?
Impossivel, o adoptar-se o critério da
Carta,
cujo art. 144.º definia como matéria constitucional
a que dizia respeito «aos límites e atribuìções
[70]
respectivas dos poderes políticos e individuaes
dos cidadãos». Todos sabem a que maravilhosos
prodígios de acrobacia política sempre conduziu
êste artigo. Os governos que pretendiam
modificar algumas das disposições da
Carta
entendiam sempre que essas não eram constitucionaes—e
entre nós já em 1900 o Prof. Dr.
Marnoco
e Sousa com toda a razão considerava
grave dificuldade a determinação da matéria
rigorosamente constitucional, reputando preferivel
que a
Carta tivesse enumerado precisamente
quais os artigos constitucionaes. O mesmo pensamento
animára já o grande espírito de
Garrett.
Segundo refere
Carlos Bento da Silva,
em 1852,
o autor da Constituição de 1838 manifestára-lhe
o desejo de que no texto do 1.º
Acto Adicional se
fixassem esses artigos: «Levantam-se dúvidas incessantemente
a respeito de quaes são os artigos
constitucionaes do pacto fundamental; é bom
que se declare êsse ponto». Mas
Carlos Bento
sugeriu que, com essa enumeração, ia dar-se à
Carta uma
imobilidade prejudicial, e
Garrett
desistiu da sua pretensão.
Foi trabalho poupado. As incessantes dúvidas
sôbre qual era a matéria constitucional haviam
de renovar-se, áparte o espírito de partido,
por ocasião de querer fixa-la, e seria em vão a
tentativa.
[71]
De resto, por que motivo são constitucionaes
certos princípios da Constituição e não se consideram
assim as leis eleitoraes, as leis de imprensa,
as leis de administração, as leis sôbre liberdades
civís e religiosas?
Adotar-se-á o critério de que a Constituição
vem fixar simplesmente
os princípios essenciaes do
direito público, e que por isso entrega a sua alteração,
revisão, interpretação e revogação a um
poder especial?
Como seria falso um critério dessa ordem!
Assim, entre nós, o poder legislativo ordinário
poderá em qualquer momento determinar como
quizer as condições de capacidade eleitoral e de
elegibilidade, poderá reduzir ou multiplicar sem
límites o número de deputados, terá poderes para
readmitir em Portugal os membros da dinastia
de Bragança, que foi proscrita «para todo o sempre»;
poderia até talvez alterar o regimen de
separação em matéria de cultos—porque tudo
isto, que certamente são pontos essenciaes de
direito público, a Constituição não regulou ou deixou
sem límites. Mas não ha poderes que lhe
permitam extinguir a medalha ao mérito, filantropia
e generosidade, porque, como ponto essencialissimo
de direito público, foi regulado pela
Constituição...
Poderá dizer-se ainda que as Constituições
[72]
determinam os problemas essenciaes de direito
público, e que quanto às leis ordinárias teem,
pelo seu objecto, uma
natureza jurídica privativa?
De resto, como nota
Orlando, por mais
perfeitas
que sejam as Constituições e as Cartas, nunca
será possivel que elas abranjam todos os pontos
essenciaes de direito público. Fóra da Constituição,
e à roda dela, pairam princípios que o
legislador respeita, visto que as condições políticas
lhe aconselham que não convém violá-los,
embora não estejam na Constituição, porque
vivem nas tradições e teem necessidade de permanência.
Entre nós, isto colhe imediatamente—e até
em questão de princípios afirmados pela primeira
vez na vigência do regimen republicano. Quem
poderá cuidar que não seja princípio constitucional
o dever que incumbe aos governos de apresentarem
às Camaras o relatório dos seus actos praticados
durante o interregno parlamentar, desde
que, em 1913, o apresentou o gabinete
Afonso
Costa e em 1914 teve de seguir-lhe o princípio o
gabinete
Bernardino Machado? E,
todavia, êsse
princípio não está na Constituição, nem se deduz
inevitavelmente dos seus princípios. Aconselham-no
as condições de vida política.
A actual Constituição, seja outro o exemplo,
não só não admitiu como deliberadamente não
[73]
quiz consignar como constitucional o princípio
da não retroactividade da lei. E, todavia, quem
cuidará que o legislador possa, a todo o momento,
fazer leis com efeito retroactivo? Detem-no juridicamente
a Constituição? De modo nenhum.
Aconselham-no a isso unicamente considerações
do ponto de vista político.
Um último esforço se faz pela distinção: é a
tentativa recente de
Santoni (De
la
distinction des lois
constitutionelles et des lois ordinaires, Toulouse,
1913) dizendo
que, por muito que se pretenda assimilar as leis
constitucionaes às leis ordinárias, ha afinal entre
elas uma pequena distinção irredutivel: as leis
constitucionaes são a norma dos
interesses públicos
do
cidadão nas suas relações
políticas com o
Estado, ao passo que as leis ordinárias são a
regra dos
interesses privados do
homem nas suas
relações civis com
os seus similhantes.
Mas tornam-se então constitucionaes todas as
regras de direito público. E, repetindo por expressões
antiquíssimas a celebrada distinção
entre o
jus publicum e o
jus privatum, o autor não
consegue afinal contrapôr as leis constitucionaes
às leis ordinárias. Onde é que o direito público
se torna constitucional?
Isto mesmo
Santoni confessa,
reconhecendo as
dificuldades que as escolas alemã, italiana (e certamente
a nova escola francêsa) apontam a uma
[74]
diferenciação de conteúdo jurídico entre aquelas
leis. E, atravez de largas transigências que revelam
um espírito em dúvida, mal resignado com
a ideia que vai defender, o autor declara que à
pergunta de
Palma quando indagava onde
começam
e onde acabam as leis constitucionaes só se
pode responder «que isso depende de circunstâncias
variáveis cujos factores principaes são o
espaço e o tempo, reputando indispensável, nesta
matéria, manifestar um prudente oportunismo
político».
Oportunissima confissão! Pois se para caracterisar
uma lei como constitucional, se para lhe
atribuir uma natureza, um conteúdo jurídico
peculiar, é indispensável que se considerem os
os
elementos do meio, as
circunstâncias da época, o
condicionalismo político da éra em que essas leis
vivem—com que verdade pode dizer-se que essas
leis teem uma natureza jurídica particular, quando
afinal é sob um ponto de vista puramente político
que tal norma se considera ou deixa de considerar
constitucional? Em que intervem aí a técnica
jurídica?
Porventura, pelo facto de as condições sociaes
e políticas de um país indicarem que, por efeito
de necessidades conhecidas, ha vantagens em que
certas regras de direito tenham um processo especial
na
fórma por que são declaradas—é lícito
[75]
afirmar que essas regras teem um
conteúdo jurídico
próprio?
Não. Por isso mesmo já em 1895 similhante
distincção era combatida entre nós pelo Prof.
Dr.
Afonso Costa; em 1900 pelo Prof.
Dr.
Marnoco
e Sousa, para quem não
havia um critério
jurídico que possa servir de base para a distincção
entre matéria constitucional e não constitucional, e
em 1905 pelo Prof. Dr.
Alberto dos Reis
que
sinceramente
confessava
não quebrar lanças por similhante
distincção, atribuindo-lhe um valor simplesmente
formal.
Outro não tem, evidentemente. Para se afirmar
que entre a lei constitucional e a lei ordinária
ha uma diferença de conteúdo jurídico seria indispensável
afirmar que elas produzem
efeitos jurídicos
diversos, porque o
fim visado não caracterisa
o conteúdo do acto jurídico, que só pode ser definido
pelos
efeitos jurídicos que cria. E o acto
legislativo, constitucional ou não, só produz uma
espécie de efeitos jurídicos: cria situações jurídicas
objectivas.
W. Wilson, trad. fr. L'État,
t. II, pág.
203 e segg.; Palma,
Corso di diritto costituzionale, t. I, pág. 207 e segg.;
Brunialti,
Formazione e revisione delle Costituzioni moderne, na Biblioteca
di scienze politiche e amministrative, 2.ª serie, vol. 2.º, pág.
XVII e
segg.; Santoni, no De la
distinction des lois
constitutionnelles et
des lois ordinaires, e os autores aí citados;
Gajac, no De la distinction
des lois constitutionelles et des lois ordinaires;
Angleys,
Des garanties contre l'arbitraire du pouvoir législatif, págs.
1-17;
Orlando, Prncipii di diritto
costituzionale, (1912), págs. 136 e
segs.; Duguit, Traité, 1911,
t.
II, págs. 515 e seg.; Laband, trad.
fr., Le droit public de l'empire allemand, t. II, pág. 314;
Jèze, Cours
de droit publique, págs. 21 e seg.; Dr. Lopes
Praça, Estudos sobre
a Carta Constitucional, III,
XXIII; Prof. Dr. Marnoco
e
Sousa,
Direito Politico, 1899-1900, págs. 804 e segs.; Prof. Dr.
Afonso
Costa, Theses ex universo jure, pág. 9, cit. pelo
Prof. Dr. José
Alberto dos Reis, Organisação judicial, 1905,
págs. 21; Fesas
Vital, Do acto jurídico, págs. 86 e seg.
[76]
Admitiu a actual Constituição política da República
a distinção entre leis ordinárias e leis
constitucionaes? Admitiu—já o disse. Mas
com que caracter?
Pela letra do art. 82.º e seus §§ é evidente que
distinguiu pela
fórma as duas espécies de leis.
Te-las-ia diferenciado tambêm pelo seu
objecto
privativo?
Ao contrário da
Carta que, no art. 144.º, só
considerava como matéria rigorosamente constitucional
a que dizia respeito «aos límites e atribuições
respectivas dos poderes políticos e aos
direitos políticos e invioláveis dos cidadãos»,
debalde se procurará na lei constitucional da República
qualquer disposição que defina os seus
artigos constitucionaes.
Significará isto que a Constituinte de 1911,
apesar de estar confeccionando solenemente uma
[77]
Constituição se contentou de a diferenciar das leis
ordinárias apenas pelo diverso aspecto
formal
que lhe fixou?
Só o balanço de ideias emitidas durante a
discussão parlamentar informará com segurança,
e essa evidentemente atesta que o pensamento
geral, quasi unanime, era de facto o que levava
a distinguir as leis ordinárias da lei constitucional
pela sua
fórma e pelo seu
objecto próprio.
Os constituintes de 1911, seguindo nesse
passo a doutrina comum, figuravam a lei constitucional
como contendo, embora não exclusivamente,
um objecto privativo. E esse pensamento
se traduzia, no primitivo projecto de
Constituição, no § único do n.º 31.º do art. 19.º, ao
dizer que
só era matéria constitucional a que fixava
«as attribuições e limites respectivos dos poderes
políticos e os direitos políticos e individuaes dos
cidadãos», acrescentando-se que toda a matéria
não constitucional podia ser modificada, revogada
ou interpretada pelas legislaturas ordinárias. Assim
se fazia neste § único, pelo seu
objecto e pela
sua
fórma, a distinção clássica das leis.
Por que não apresenta hoje a lei constitucional
da República uma disposição correspondente?
Não ha outra razão que não seja a que consta
da história parlamentar desse § único, que na
Constituinte, em sessão de 10 de agosto de 1911,
[78]
o deputado
Egas Moniz discutiu
pela seguinte
fórma:
«...chamo a especial
attencção da comissão para o outro ponto. O numero 31.º do artigo
19.º, § unico, diz o que é materia
constitucional.
Esse artigo não é senão a reproducção do artigo 144.º
da carta constitucional, que consignou igual principio. Não censuro
a comissão por ter adoptado um artigo que vinha na carta
constitucional porque em direito publico é difficil hoje ser-se
original.
«Não ataco, por isso a comissão, mas lembro-me das lutas colossaes
travadas nesta Camara, sobre o que era matéria constitucional.
«Quero que materia constitucional seja tudo o
que na Camara
se apresenta. Pode ser uma lei mais simples, mais
reduzida,
mas clara.
«Sou, portanto, pela abolição desse artigo, que é uma copia do
artigo 144.º da carta constitucional...».
E a comissão tão prontamente anuiu a êste
alvitre que, realmente, no
projecto-emenda,
apresentado
de novo à Assembleia quando se deu por
finda a discussão na generalidade, eliminou o referido
§ único do n.º 31.º do art. 19.º—que ninguem
aliás procurou restabelecer. Desta maneira,
pode hoje dizer-se que,
no que se referia à caracterisação
de matéria constitucional, o princípio do
projecto primitivo foi evidentemente repelido pela
Constituinte.
Que se conclue?
Conclue-se que, desde o momento em que a
Constituinte repeliu a distincção entre matéria
[79]
constitucional e matéria não constitucional, não
pode duvidar-se hoje de que
todas as disposições
da Constituição são constitucionaes.
E deste princípio hão-de derivar-se conseqùências
de larguissimo alcance.
Mas subsiste o primeiro problema.
Considerando
todas as suas disposições, sem
excepção, como constitucionaes, quiz a Constituinte
atribuir-lhes uma natureza
rigorosamente
constitucional, isto é, dotal-as de
fórma e
objecto
próprios—como entendia a doutrina comum—ou
pelo contrário, formando com elas a Constituição,
pretendeu apenas especialisá-las pela
fórma,
convencida pela nova doutrina de que entre
leis constitucionaes e leis ordinárias apenas se
observa uma distincção formal, importantissima
aliás sob o ponto de vista político?
A doutrina que pairou nos espíritos da Constituinte
inclina-se para reputar ainda como de
diversa natureza jurídica as duas espécies de leis.
Mas se assim é, se realmente a Constituinte ao
aprovar a proposta do deputado
Egas Moniz
não
pensou em aderir às novas doutrinas e abraçou
a doutrina antiga—a verdade é que a comprometeu
sem remédio. Aprovando essa proposta,
entendendo que seriam constitucionaes todas as
matérias, uma vez admitidas na Constituição,
acabou por negar a esta uma
natureza jurídica
[80]
própria, visto que a constitucionalidade de qualquer
dos seus preceitos não derivará do seu
conteúdo
peculiar aferido por um critério jurídico,
mas sim do facto puro e símples de estar inserto
na Constituição.
E ninguem póde afirmar que os dois pontos
de vista coincidam.
São constitucionais todas as matérias da
Constituìção:
não há matéria constitucional que não
esteja na Constituìção.
Perante
o seu texto serão todavia considerados
por egual forma todos os seus princípios? Não.
Apesar do conceito geral de que tudo que na
Constituìção se inseriu é constitucional, há por
um lado que distraír princípios que ela considerou
superiores ao alcance do próprio poder constituinte—e
que devem denominar-se
supra-constitucionais.
É assim que no art. 82.º, § 2.º, determina que
«
não poderão ser admittidas como objecto de deliberação
propostas de revisão constitucional que não
definam precisamente as alterações projectadas,
nem aquelas cujo intuito seja abolir a forma republicana
do governo». Trata-se de disposições
[81]
supra-constitucionais, visto que o proprio poder
constituinte—que as creou—não poderá te-las
por objecto da sua modificação ou revogação.
Por outro lado, a lei constitucional contêm
normas proìbindo que
durante determinado tempo
ela seja alterada—como consta do art. 82.º que
fixa em dez anos,
como regra, o prazo dentro da
qual a Constituìção, não pode de maneira alguma
ser revista.
Que deve julgar-se acêrca da legitimidade
dêstes preceitos?
I. Há que examinar, sob o duplo ponto de
vista político e da técnica jurídica, êstes problemas.
Pronunciando-se pela legitimidade de restrições
à revisão constitucional, no seu optimo
Comentário à Constituìção Política da República
Portuguêsa o Prof. Dr.
Marnoco e Sousa
defende-a,
de harmonia com
Esmein, sob um ponto de
vista puramente político, nos seguintes termos:
«Compreende-se muito bem esta disposição,
pois, desde o momento em que um povo escolheu
uma forma de governo como condição de desinvolvimento
da sua vida nacional, seria contradictório
que inscrevesse na Constituìção a permissão
de se propor a mudança desta forma
política»
(Comentário, pág. 618).
[82]
Ouso divergir—e pergunto primeiro se será
vantajoso inserir na Constituìção um princípio
indicando que só por um acto anti-jurídico, por
um acto revolucionário, é que poderá fazer-se a
transformação da forma do govêrno. Como
princípio, mostrarei que é erróneo, como indicação
de único processo a seguir, cuido que só traz,
evidentemente, desvantagens.
As condições sociais e políticas do meio podem
levar a estabelecer princípios
verdadeiramente
imutaveis, que nunca o poder legislativo constituinte
possa alterar? Há porventura princípios
de organisação política, superiores e anteriores
à reputada expressão suprema da chamada vontade
nacional?
De que estranhos poderes se muniu o poder
constituinte para limitar
in aeternum a sua competência,
e para comprometer uma vez por todas
a vontade das gerações futuras?
Dir-se-há que assim foi expressa pela forma
mais solene na lei constitucional a vontade da
nação, ao conferir aos deputados os mais amplos
poderes para fazerem a sua lei constitucional?
Mas que diferença de origem há entre o poder
constituinte que confeccionou a Constituìção e
aquele a quem de novo sejam atribuidos poderes
não restrictos para a rever? Não derivam ambos
da vontade geral da nação? Provindos, nos
[83]
mesmos termos, da mesma origem—como podem
ter alcances diversos? É mais poderosa
uma vez que outra a natureza da representação
que desempenhem os constituintes?
Dir-se-há que foi a própria vontade nacional
que a si se limitou futuras competências? O
êrro profundo! Limitação que a si própria se
oferece não é limitação.
Foi a própria vontade nacional que se limitou?
Mas se os poderes constituintes que a nação conferiu
aos seus deputados foram destinados a confeccionar
a Constituìção, com que poderes é que os
deputados começaram justamente por se atribuir
competência para limitar—por toda uma eternidade,
presumptivamente—o alcance da própria
soberania nacional, proìbindo que ela podesse,
pelo processo normal da representação, afirmar-se
de novo àcêrca de determinados pontos?
A que fica reduzido o princípio da omnipotência
da soberania nacional—o estrutural princípio
dos sistemas constitucionais? A que fica
reduzido o poder que o constitucionalismo atribue
à nação de reformar, sempre que o queira,
a sua organização fundamental? Que novo
direito
natural surge neste passo das doutrinas de
direito público—que novos dogmas, superiores e
anteriores à suprema vontade nacional regularmente
expressa?
[84]
Dir-se-há, como dizem alguns com quem
Esmein
concorda, que a forma política do govêrno
é uma expressão da vontade nacional no momento
supremo em que ela se encontra toda poderosa—e
que nisso se fundam as restricções
postas à revisão constitucional nesse ponto?
Equivaleria isso a dizer que só quando saída de
um acto revolucionário, que a nação sancionasse,
a Constituìção poderia restringir a possibilidade
de ser revista no que toca à forma política do
govêrno. E em França, todavia, essa restricção—que
não existe em nenhuma das Constituìções
do seu período revolucionário—foi introduzida
nas leis constitucionais vigentes pela lei de 14
de agosto de 1884, de reforma constitucional, por
um puro processo parlamentar.
Quem estabeleceu essa restricção? O poder
constituinte, que nas leis constitucionais de 1875,
e hoje ainda, é exercido em qualquer altura por
um organismo constituido pelos mesmos senadores
e deputados eleitos para a legislatura ordinaria.
Como diz
Duguit, a cada eleição os
eleitores
devem saber que, elegendo-os, designam
talvez os membros de uma assembleia constituinte—sem
que para isso tenham de conferir-lhe mais
amplos poderes. De resto, se foi o poder constituinte
quem estabeleceu essa restricção à possibilidade
de se rever totalmente à lei constitucional,
[85]
quem, se não o mesmo poder constituinte, pode,
por um novo acto, afastar a restricção?
Para se negar esta competência, é necessário
demonstrar que entre as
disposições
constitucionais
e as disposições supra-constitucionais há ou
uma diferença de
forma ou de
natureza jurídica
que o justifique.
Mas uma distinção formal resolver-se-ía por
fim numa distinção de poderes, incapaz um, outro
capaz, de tocar determinada matéria. Compreende-se
assim a distinção entre matéria constitucional
e matéria da lei ordinária, feita em atenção
simplesmente ao órgão que a declara, altera
ou revoga, porque êle é num caso o poder constituinte
e noutro o poder legislativo ordinário.
Mas é inutil distinguir entre matéria constitucional
e matéria supra-constitucional sob o ponto
de vista do órgão que a declara ou revoga, porque
a conclusão a que se chegava havia de ser
a de que, tendo sido um e o mesmo o órgão que
as declara, não há órgão competente para alterar
ou revogar a matéria supra-constitucional, que,
uma vez fixada, fica eterna. Se não há órgão
competente neste caso, se falta o segundo termo
de comparação, como é que há de fazer-se a distinção
entre a matéria constitucional da matéria
supra-constitucional sob êsse ponto de vista?
Poderá dizer-se que é uma diferença de natureza
[86]
jurídica a que leva a concluir no sentido de que
nem sequer o poder constituinte pode tocar nas
disposições supra-constitucionais? Mas, sob o
ponto de vista da técnica jurídica, não se sustenta
uma tal diferença. O acto jurídico legislativo,
seja qualquer o órgão competente para o
fazer e revogar—e neste caso nem
sequer órgão
havia capaz de revogar a matéria supra-constitucional—perante
a técnica jurídica tem sempre,
indefectivelmente, a mesma natureza jurídica,
que há de ser definida pelos efeitos jurídicos
que cria.
Diferente natureza jurídica, neste caso, como?
se, a reputar-se jurídica, essa disposição legislativa
supra-constitucional só criaria, como o acto
legislativo constitucional e como o acto legislativo
do congresso ordinario, situações jurídicas gerais,
objectivas?
De resto, a técnica jurídica repele a distinção
entre matéria constitucional e matéria supra-constitucional
por uma razão realmente simples:
porque não conhece matéria supra-constitucional.
Compreende-se que haja
condições de ordem
política que aconselhem ao legislador a respeitar
o caracter de
permanência a certas normas: é
êsse, fundamentalmente, o conceito das Constituìções
rígidas. Mas o que não pode conceber-se
é uma regra de direito positivo de caracter
[87]
eterno. Não precisa de ser inscrito nas Constituìções
o princípio—verdadeiramente superior
às vontades individuais, e que se impõe juridicamente
aos governantes—de que as instituìções
políticas, administrativas ou sociais podem ser
modificadas ou suprimidas em dado momento.
Não está êsse princípio nas Constituìções? Mas
nem precisa estar—e a ausência só prova contra
elas.
Dir-se-há que, negando eu rigor jurídico à
proibição eterna de rever-se a Constituìção no
que respeita à forma de govêrno com a razão
de que não existe
direito natural nem princípios
eternos—é afinal em nome de um princípio que
digo pairar sôbre as Constituìções que defendo
a minha tése? Dir-se-há que impugno a renascença
do
direito natural para com êle argumentar
por meu turno?
Mas pelo contrário!
O direito natural era a propria imagem do direito,
o direito eterno, perenemente intransformavel—importando
pouco que os factos o contrariassem.
Ora eu não argúo em nome do direito
natural, mas sim dos factos de hoje, porventura
diversos ámanhã. São as
condições normais da
vida jurídica actual que me levam a caracterisar
a regra de direito sentida nas consciências actuais
como transformavel por natureza.
[88]
As disposições supra-constitucionais são assim
inteiramente desprovidas de caracter jurídico.
Juridicamente—não constituem um limite para
o legislador constituinte. Constituem-no
politicamente?
É certo. Ninguem há de crer que
o poder constituinte possa modificar frequentemente
a forma do govêrno.
Politicamente, seria
odioso, detestavel, o poder que o fizesse. Mas,
as circunstâncias de vida política exigindo a alteração
da forma do govêrno, essas circunstâncias
defenderiam a assembleia constituinte que o
fizesse. Poderia isso ser um verdadeiro atentado,
um crime de lesa-interesses políticos do
país? Trata-se nesse caso, apenas, de um ponto
de vista político que, evidentemente, não interessa
à técnica jurídica.
Assim, não havendo lugar para uma distinção,
já de forma, já de conteúdo jurídico, entre disposições
constitucionais e disposições supra-constitucionais—a
competência do poder constituinte
deveria ser a mesma em relação a elas, se a técnica
jurídica porventura aceitasse a ideia de
uma disposição supra-constitucional. Ora esta
ideia é anti-jurídica, e portanto, em face à disposição
do § 2.º do art. 82.º da actual Constituìção
política da República, entendo, como entendem
Duguit e
Jèze,
contra
Esmein e, mau grado meu,
contra o ilustre Prof. Dr.
Marnoco e Sousa,
[89]
que ela não constitue juridicamente um limite à
possibilidade de fazer-se uma revisão total da
Constituìção, e que, até, esta mesma revisão total
poderia levar a cabo uma assembleia constituinte,
eliminando primeiro, sem ter que patentear intuitos,
o referido § do art. 82.º, e modificando depois
a forma de govêrno, o que poderia fazer—constitucionalissimamente.
II. Mas a Constituìção dispõe tambem no
art. 82.º que, em regra, só de dez em dez anos,
poderá levar-se a cabo a sua revisão—exceptuado
o caso do seu § 1.º em que ela poderá
antecipar-se.
Que cuidar dêste preceito?
Sob o ponto de vista
jurídico, a êle se aplicam,
mutatis mutandis, todas as considerações que fiz
no problema precedente.
É incompreensivel a proibição formulada, por
uma autoridade, qualquer que ela seja, de modificar
a regra de direito antes de uma dada época,
visto que em todos os países deve haver um
meio
jurídico normal para modificar as instituìções
políticas, economicas, sociais, para as pôr de
harmonia com as necessidades morais ou materiais
da população. Dizer que só de dez em dez
anos é que devem sentir-se essas necessidades,
aferir por um artigo de lei as conveniências nacionais,
[90]
por vezes tão inesperadamente despertadas
e ardentemente sentidas—é cuidar que elas
derivam da lei, e que da lei deriva a oportunidade
de lhes dar satisfação.
Politicamente, decerto, é de desejar que a Constituìção
não seja frequentemente victima da paixão
imoderada do Parlamento
qui, parfois, de trop
l'aimer la tue.
Politicamente, não há dúvida, só circunstâncias
muito graves da vida nacional, ou uma verdadeira
forma nova da sua indole devem conduzir
a uma reforma da Constituìção. Tudo isso está
ou deve estar nas consciências políticas, e tem a
sua sancção no ódio ou aplauso da opinião política
apenas. Mas não deve estar nem guardar-se
na Constítuìção.
Pois porventura, mesmo sob o ponto de vista
puramente político, pode cuidar-se que só de dez
em dez ou de cinco em cinco anos é que a chamada
vontade nacional tem poderes para se
exprimir por uma reforma constitucional?
Como maravilhosamente diz o Prof.
Jèze,
«politicamente, é absurdo, quimérico e criminoso
querer encerrar as gerações sucessivas em instituìções
políticas, administrativas, sociais, etc.,
que podiam porventura estar em contradição
absoluta com o ideal de momento, a moral em
moda, a justiça em voga, as necessidades políticas,
[91]
económicas, etc. É forçar uma geração à
revolução e à violência. Se uma geração qualquer
manifestasse, pelo órgão do seu Parlamento,
a pretensão grotesca de regular
ne varietur o
destino e a conducta das gerações futuras sôbre
êste ou aquele ponto, a sua vontade não teria
valor algum, nem político, nem jurídico. Teria
exercido um poder que, nem política nem juridicamente
lhe pertencia que lhe não pode pertencer...
Seria sem dúvida um êrro político, uma provocação
à revolução, inscrever numa lei esta
afirmação, desprovida de valor jurídico, de que
tal ou qual disposição nunca mais pode ser modificada
ou que o não poderá ser sem que decorra
um período determinado...»
(Cours de droit
public,
1913, págs. 89-90).
Assim, o Congresso, solicitado amanhã por
instantes indicações nacionais,
acculé por verdadeiras
necessidades políticas do país que inequivocamente
exigirem uma reforma da Constituìção,
e colocado em face ao seu art. 82.º não terá
neste um
limite jurídico que o iniba de operar a
revisão: terá apenas um
conselho político. As
condições de vida política normal do país reclamam,
terminantemente, uma reforma? O Congresso,
deliberando faze-la, ainda mesmo contra
a estipulação dos prazos do art. 82.º, não praticará
[92]
nisso a menor falta
sob o ponto de vista jurídico.
Poderá praticar um êrro, uma verdadeira
monstruosidade sob o ponto de vista político?
Mas a sancção dêsses êrros não atinge o domínio
rigorosamente jurídico. Poderá despertar
paixões, contrariar interesses, suscitar conflitos,
conduzir à rebelião? Tudo isso será possivel—e
não deve ser indiferente ao Congresso e ao
govêrno. É o momento de tomarem a palavra
os políticos e de se manifestarem os interesses
políticos contrários. Mas não poderá dizer-se
que o Congresso tenha procedido por uma forma
anti-jurídica. Anti-jurídico, é o preceito constitucional.
Dir-se-há—eu sei!—que, sem êsse escrúpulo,
sem um freio, como diz
Larnaude, o
Congresso
não terá pejo de reformar a Constituìção quando
isso mais convenha aos interesses políticos do
grupo dominante, tornando-se a breve trecho
numa Constituinte permanente. O argumento
é apenas de ordem política—mas merece ser
respondido porque é um êrro profundo. Nas
Constituìções europeias, só a grega e a portuguesa,
creio bem, estipularam um prazo indispensavel
para a revisão constitucional. Pois
tanto na Grécia como em Portugal, apezar de a
reforma e a Constituìção actuais viverem apenas
egualmente há tres anos, toda a vantagem política
[93]
estaria justamente em que não se houvesse estipulado
semelhante prazo. O êrro foi maior
na reforma grega de 1911, agora vigente, visto
que a crise política que a determinou foi provocada
precisamente pelo facto de serem difíceis
e morosos os processos de revisão constitucional
e urgentes as necessidades que a impunham.
Imprevidentemente se colocou portanto aquele
limite.
De resto, a demonstração fica perfeita se se
aduzir o exemplo da Italia e da França. Em
Italia, o
Statuto fundamental tem a natureza de
uma lei ordinária: pode ser modificada por uma
lei. Todos os Parlamentos teem poder para
isso: por muito pouco que dure, qualquer govêrno
terá sempre ocasião, se quizer, de revogar, alterar,
dispensar ou interpretar o
Statuto. Que
limite há portanto a obstar-lhe? Puramente
político—e, todavia, êsse tem bastado.
Mas seja exemplo a França onde as leis fundamentais
teem natureza
constitucional. Aí, por
circunstâncias políticas históricas que não interessam
agora, a revisão é
possivel a toda a hora.
Não há limite de prazo, não há necessidade de
novas eleições, não concedem mais poderes os
eleitores.
Uma vez eleitos os senadores e deputados, se
a meia legislatura as duas camaras separadamente
[94]
deliberarem por maioria absoluta de votos
que deve realizar-se uma revisão constitucional—reunem-se
logo em assembleia nacional e passam
a reve-la
(Lei de 25 de fevereiro de 1875, art.
8.º). É
o cúmulo da facilidade revisional em países de
Constituìção rígida—e é um contrastre com as
antigas Constituìções francêsas todas escrupulosas.
Seria de supôr que a cada passo os deputados
e senadores se sentissem com veleidades
de constituintes. Pois as leis constitucionais
francêsas actuais duram invioladas há cêrca de
quarenta anos, apenas com duas revisões, leves
aliás—vida que não viveu nenhuma das rigorosas
Constituìções anteriores.
Que limites há, todavia, à vontade dos legisladores,
se não os da oportunidade e senso político?
Dir-se-há que, entre nós, povo latino,
apaixonadamente político, imoderado, as conseqùências
seriam funestas? Mas povo latino não
o é a França—não o é a Italia, mãe de latínos?
Esmein, Éléments de droit
constitutionnel
(1914), II, págs. 1073
e seg.; Duguit, Traité cit.,
II, págs. 529 e seg; Jèze, cit.
Cours de
droit public (1913), págs. 89, 90 e 242;
Arnoult, De la révision des
Constitutions, págs. 277 e seg.; Prof. Dr. Marnoco
e
Sousa, Commentário,
págs. 99, 100 e 618.
[95]
Uma vez assente a distinção, sob o ponto de
vista formal, entre a Constituìção e a lei ordinária—que
sancção recebe? Evidentemente a de
que a lei ordinária não pode revogar nem alterar
a lei constitucional, ou, melhor, a esta tem de ser
conforme para que possa obrigar.
É possível, todavia, que o Congresso faça uma
lei não conforme aos preceitos da Constituìção,
e, nesse caso, depois de promulgada e publicada
a lei, quem deverá cuidar, por dever, àcêrca da
sua constitucionalidade?
Aos juizes deve confiar-se êsse poder e dever.
Para averiguar da constitucionalidade da lei, bem
está quem há de interpretá-la e aplicá-la, se porventura
esta missão não abranje já a primeira.
De facto, ao interpretar e aplicar a lei, o juiz pode
reconhecê-la em conflito com a lei constitucional,
anterior e superior a ela—e que no conflito
há de prevalecer.
O contrário seria admitir e reconhecer que a
lei ordinária pode, validamente, ir de encontro à
Constituìção que, nos países de Constituìções rígidas,
é por definição a lei mais forte.
Conflitos de natureza análoga vê-os o juiz estabelecidos
[96]
diariamente entre uma lei e um regulamento
e, nesse caso, ainda o juiz fará prevalecer
a regra mais forte sôbre a mais fraca, que
é a lei sôbre o regulamento.
É justamente com o mesmo critério que o juiz,
no desempenho dum dever, encontrando em discórdia
a lei comum e a Constituìção, desprezará
aquela para cumprir esta—indefectivelmente.
Na sua missão de aplicar a lei, o juiz tem que obedecer
e aplicar a Constituìção, e aplicar esta é,
como diz
Larnaude, arredar qualquer
texto
legislativo
que importasse uma sua violação.
Houve muito quem impugnasse, e ainda há quem impugne, com
clássicos argumentos, de ordem política especialmente, a competência
atribuida por esta forma aos tribunais, e assim o fez ainda
ultimamente entre nós o Juiz Pinto Osorio
no seu
aliás ótimo, eruditíssimo
livro No Campo da Justiça, 1914, a págs. 189 e seg. Mas
não há senão que confessar que essa impugnação tem hoje um
interesse puramente histórico, e entre nós está vencida depois das
exposições magistrais dos Proff. Drs. Alberto
dos
Reis, Organização
Judicial, 1909, págs. 22 e seg.; e Marnoco
e
Sousa, no Direito
político, 1910, págs. 781 e seg.; e ainda ultimamente no seu
Commentário, a págs. 581 e seg.
Seria interessante notar que a atribuição desta competência
é bem uma caraterística da função judicial, como ela deve ser
considerada
no regímen de distinção de funções. Notou-o admiravelmente
o Prof. Dr. Guimarães Pedrosa que, ao
definir o
fim do
estado, escreve: «Mas, porque os órgãos ou elementos que actuam
no proseguimento dêsse fim, podem desviar-se da lei que os reje;
praticando actos ou incorrendo em omissões, que a contrariam
ou desconhecem, necesária se mostra a acção de uma fôrça, que
restitua ou obrigue aqueles órgãos à sua acção legítima; e se em
tais factos, de caracter negativo, se ofenderam as esferas de acção
de outras fôrças ou actividades, individuais ou sociais, aquela
mesma fôrça impõe a reparação respectiva. Emfim, o que se dá
com os órgãos da soberania ou poder político, análogamente sucede
com as fôrças individuais ou sociais nas ofensas, positivas
ou negativas, de direitos individuais, sociais, ou do estado, que
êste, pelos seus órgãos superiores, foi chamado a tutelar....» E
e por isso intervem a função judiciária reconduzindo o indivíduo,
a colectividade, o órgão público ao desempenho normal da sua acção
(Curso de ciencia da administração e direito administrativo,
t. I,
págs. 78 e 79).
[97]
São considerações desta ordem que conduzem nos
Estados
Unidos da América do Norte a assinalar nos juizes uma verdadeira
e alta função. Deve ler-se a primorosa comunicação de
Larnaude inserta no Bulletin de la
société de
législation comparée,
t. XXXI, 1901-1902, a págs. 175 e seg.
Deve o juiz conhecer
oficiosamente da inconstitucionalidade
da lei, ou apenas quando esta for
alegada por qualquer das partes, como adoptou
a atual Constituìção, e como adoptaram as outras
que aos juizes atribuem tal competência?
Decido-me pela
competência oficiosa dos juizes
que na Constituinte de 1911 empenhadamente
defendeu o deputado
Barbosa de Magalhães,
e
aventuro-me a discordar do Prof.
Dr. Marnoco e
Sousa, que, pela doutrina da Constituìção, escreve:
«
Mas se ambas as partes estavam de accordo em
considerar constitucional uma lei... para que se
havia de dar ao poder judicial o direito de apreciar
a inconstitucionalidade da lei?»
(Commentário,
pág. 584).
Para quê?
É que a constitucionalidade da lei é, evidentemente,
[98]
a primeira condição da sua força obrigatória,
e, no regímen das Constituições rigidas, a
distinção entre lei ordinária e lei constitucional
não teve outro intuito diferente do de enunciar
que a genuidade da lei se aferia, na frase de
Wilson,
pelo «estalão invariável» da Constituìção.
Se é a conformidade da lei ordinária à lei fundamental
que a torna verdadeiramente uma lei,
como há de o juiz ser indiferente à necessidade
de a verificar êle próprio? Pode o juiz aplicar
uma lei, quando sabe que ela
não deve obrigar,
só porque as partes o não alegaram? Porventura,
a obrigatoriedade da lei, dirigindo-se áqueles
a quem há de aplicar-se, não se dirige aos encarregados
de a aplicar?
Por essa forma, dependendo da arguição das
partes o facto de cumprir-se ou deixar de cumprir-se
a Constituìção, como os litigantes podem
ter vantágem comum em se subtrair aos seus
preceitos—a seu bom grado ela se cumprirá ou
não. E o juiz permanecerá impassível.
Pois quê! A Constituìção confeccionou-se
dando o carácter de constitucionais a todos os
seus artigos, resguardou-se do executivo, resguardou-se
do legislativo, resguardou-se do próprio
poder constituinte no escrúpulo de sempre se ver
obedecida e proeminente—para afinal se cumprir
ou não a bom gosto dos litigantes?
[99]
Pode suceder que a estes seja mais favorável a
lei possivelmente inconstitucional? Mas acaso
o carácter obrigatório das leis, e da Constituìção
principalmente, é imposição que possa elidir-se,
graça ou vantágem a que possa renunciar-se?
Que a atual Constituìção se tenha limitado,
por ora, a dar poderes aos juizes para conhecerem
da inconstitucionalidade das leis só no
caso das partes a alegarem—compreende-se
perfeitamente. Determinaram-na a isso naturais
razões de
pura ordem política. Como legislação
positiva, o princípio era novo em Portugal, como
princípio constitucional—inaugurava-se na Europa.
Porventura convinha dar-lhe o máximo alcance?
Mesmo assim, reduzido aos termos em que
está, a aprovação do artigo suscitou embaraços
enormes que o puzeram em perigo, como se avaliará
pela leitura do
Diário da Assembleia Nacional
Constituinte da sessão noturna de 15 de agosto
de 1911.
Os constituintes democráticos são, em regra,
extremamente ciosos da sua obra legislativa, temendo
sempre do conservantismo dos tribunais,
cujas invasões receiam. Foi assim em 1789 em
França, foi assim entre nós já em 1821. Na
Constituinte de 1911 era tão forte a corrente hostil
ao princípio que o deputado
Afonso Costa,
[100]
ainda depois duma longa defeza da doutrina demonstrando-lhe
as vantágens, sentia necessidade
de declarar: «Falarei tantas vezes quantas sejam
precisas para justificar a minha proposta».
E, só depois de mutilado, como adiante referirei,
o artigo conseguiu entrar na Constituìção.
Mais de três anos de vigência da regra mostram,
todavia, que eram infundados os receios.
Os cidadãos não alegam todos os dias inconstitucionalidade
de leis, e os tribunais não teem demolido
a obra legislativa. A jurisprudência dos
tribunais superiores, publicada durante estes três
anos, limita-se, salvo erro, a três acórdãos apenas,
sôbre a mesma lei, decidindo pelo seu não
cumprimento em virtude da sua inconstitucionalidade.
É de esperar que, na primeira Constituinte que
se reuna, virá a completar-se o princípio, reconhecendo
e impondo aos juizes o poder e o dever
de conhecerem
oficiosamente da constitucionalidade
das leis.
Larnaude, e os
autores referidos na sua
notabilissima comunicação
já citada; W. Wilson, op. cit.,
t. II,
págs. 186 e seg.; Esmein,
Éléments, ed. cit., I, pág. 588 e seg.;
Orlando, Principii cit.,
págs. 257 e seg.; Teoria giuridica delle guarentigie della libertà,
na Biblioteca di scienze politiche, de
Brunialti, (1.ª série), vol. V,
págs. 943 e seg. e a extensa bibliografia em nota a pág. 946;
Jèze,
série de artigos, Contróle des délibérations des Assemblées
délibérantes,
na Revue générale d'administration, 1895, t. II, pág. 407 e
seg.; Jèze e Berthélemy,
na Mémoire
sur le caractère inconstitutionnel
de la loi roumaine du 18 décembre 1911... extratada na
Revue du droit public, 1912, págs. 138 e segs.;
Duguit, Traité cit.,
I, págs. 155 e segs.; Gajac, op.
cit.,
págs. 221 e seg.; Angleys,
op. cit., págs. 142 e seg.;
Santoni, op. cit., págs. 106 e
seg.; Prof.
Dr. Alberto dos Reis, Organização
Judicial,
1905, págs. 19 e seg.;
Prof. Dr. Marnoco e Sousa, Direito
Politico,
1910, págs. 781 e
seg.; Commentário cit., págs. 581 e seg.; vid. tambem os
acórdãos
de 12 de julho de 1913 da Relação de Lisboa, de 5 de junho
de 1914 da Relação do Pôrto e de 13 de fevereiro de 1914 do
Supremo Tribunal de Justiça, na Gazeta da Relação de Lisboa,
27.º ano, n.º 40, págs. 324; Revista dos Tribunaes, ano
33.º, n.º 780,
págs. 184; e Revista de Legislação e de Jurisprudencia, 47.º
anno,
n.º 1957, págs. 15 e 16.
[101]
Devem os juizes conhecer da
inconstitucionalidade
da lei. Mas o que deve entender-se por esta expressão?
De uma forma lata, a designação
constitucionalidade
da lei, deve reputar-se sinónima de
conformidade
da lei à Constituìção. Ora a lei pode
carecer de constitucionalidade por duas ordens
de razões que devem distinguir-se: ou porque na
sua formação não teve os requisitos que constitucionalmente
são indispensáveis para que seja
genuinamente uma lei, ou porque, perfeita aliás
sob êsse ponto de vista, as suas disposições são
[102]
contudo
doutrinalmente contrárias à Constituìção
ou aos princípios nela consignados.
A
conformidade à Constituìção desdobra-se
assim em
validade e em
constitucionalidade propriamente
dita. E é para notar que quási todos os
autores não concordes ainda em atribuir aos juizes
competência para conhecer àcêrca desta última,
sem hesitar lhes reconhecem poderes para
se negarem ao cumprimento da lei desde que ela
careça de qualquer
elemento formal indispensável
para a sua
existência constitucional. Assim
Larnaude,
Gabba,
Saredo,
Orlando,
Contuzzi,
Cammeo,
Lessona
e tantos
mais.
Por quê? Porque atribuindo-se aos juizes o
poder ou o dever de conhecerem àcêrca da constitucionalidade
da lei, isto é, da conformidade
da lei à Constituìção, a primeira cousa que eles
teem que inquirir é sôbre se, de facto,
em face à
Constituìção e só à Constituìção, êsse diploma tem
ou não os caracteres formais exigidos para que se
diga constitucional e genuinamente uma lei.
Assim o juiz
Francisco José Medeiros
entendia,
e na mesma altura sustentava já e sustenta ainda
o Prof.
Dr. José Alberto dos Reis, na
Universidade
de Coimbra, que os juizes devem ser competentes
para conhecer da constitucionalidade da
lei no que se refira às condições da sua existência.
E, desenvolvendo o tema, o Prof.
Dr. Alberto
[103]
dos Reis pronuncia-se no sentido de que,
antes
de aplicar a lei, devem os juizes verificar se ela
foi aprovada pelas duas Câmaras (supõe-se a hipótese
dum sistêma bi-cameral), sancionada,
promulgada
e publicada. Estes são, portanto, os
elementos formais reputados necessários e suficientes
para que a lei obrigue, e seja constitucionalmente
uma lei.
Alegam as partes outra qualquer «preterição
das formalidades exigidas para a elaboração das
normas legislativas»? O juiz deve escusar-se a
averiguar ácêrca da impugnação, porque «a legalidade
do processo parlamentar depende do regimento
interno da camara, que esta pode modificar
constantemente...».
Salvo o devido respeito pela opinião do ilustre
Prof.
Dr. Alberto dos Reis, alguns
reparos creio
poderem oferecer-se à sua doutrina. E assim,
colocando o problema perante os princípios, insisto
na afirmação: os juizes devem conhecer da
constitucionalidade da lei pela sua
conformidade
à Constituìção.
Trata-se do primeiro exemplo apresentado, o
facto de, num sistema bi-cameral, como entre nós,
a lei haver sido aprovada apenas por uma das
Câmaras?
O juiz, tendo de conhecer da
conformidade da
lei à Constituìção forçosamente reconhece que ela
[104]
é inconstitucional—visto que, em disposições
de carácter rigorosamente constitucional, aquela
exige que a aprovação seja feita pelas duas Câmaras.
Trata-se da falta de sancção, promulgação ou
publicação—e a Constituìção
exije êsses elementos
para validade da lei? O juiz, tendo de
conhecer da conformidade da lei à Constituìção,
negar-lhe há cumprimento.
Nestes pontos convenho. Mas figure-se outro
exemplo:
Nos sistemas bi-camerais exige-se, em regra,
que seja da Câmara dos Deputados a iniciativa
sôbre impostos. Imagine-se que a discussão de
uma lei a êles relativa foi iniciada pelo Senado e
que, embora isso, foi aprovada em ambas as Casas
e depois seguiu os tramites normais. Deve o juiz
negar-se a cumprí-la? Pela doutrina do Prof.
Dr. Alberto dos Reis, o juiz não podia
conhecer
da questão, ainda que ela lhe fôsse proposta, porque
evidentemente se trata de «
preterição das
formalidades exigidas para a elaboração das normas
legislativas»,—e o exame dêsses foge em seu
entender à competência do juiz.
Julgo todavia, que êste tem de declarar inconstitucional
a lei. Trata-se duma
formalidade?
É certo. Mas duma
formalidade de natureza
constitucional, e, a lei que se fizesse com desprezo
[105]
dela fatalmente não seria
conforme à Constituìção.
O juiz tem de negar-lhe cumprimento.
A razão invocada pelo ilustre Professor é a
de que a legalidade do processo parlamentar depende
apenas do regimento interno da própria
Câmara—que ela pode ter querido dispensar.
Mas, como se vê, há formalidades de processo
parlamentar que estão expressas na própria Constituìção—e
é só em conformidade a elas que as
leis são válidas, constitucionais. Daí resulta que
o juiz conhece, por dever, da observância dessas
formalidades, antes de passar a conhecer da conformidade
doutrinal da lei à lei constitucional.
Juiz Francisco José Medeiros, Sentenças,
1.ª ed. (1904),
págs. 8 e 9; Larnaude, communicação no
cit. Bulletin,
a págs. 220;
Orlando, Principii cit., a
págs.
260-261; Prof. Dr. Alberto dos
Reis, e os autores citados na sua Organização Judicial,
1905,
pág. 19 e seg.; 1909, págs. 22 e seg.
Qual é a doutrina da actual Constituìção política?
Diz o seu artigo 63.º:
O Poder judicial, desde que, nos feitos submetidos
a julgamento, qualquer das partes impugnar
a validade da lei... apreciará a sua legitimidade
constitucional em conformidade com a
Constituìção e princípios nela consagrados.
[106]
Como deve interpretar-se o artigo? Com o
próprio artigo, evidentemente.
Para o legislador—validade da lei, legitimidade
constitucional, e conformidade da lei com a
Constituìção e seus princípios são, patentemente,
expressões sinónimas.
A lei será válida ou legítima quando fôr conforme
à Constituição e aos seus princípios. A lei,
para ser válida, terá que ser conforme a todas as
disposições constitucionais? Tem. Já expuz
que, no sistêma da Constituição, todas as suas
disposições são constitucionais: nela não há que
distinguir entre matéria rigorosamente constitucional
e não rigorosamente constitucional.
Ora a Constituìção contêm disposições de processo
parlamentar—constitucionais portanto.
Desde o art. 7.º ao art. 35.º da Constituìção há
numerosos preceitos que a ele tocam—especialmente
os artt. 23.º e 28.º a 35.º
Assim, a alínea
b) do art. 23.º determina expressamente
que seja privativa da Câmara dos
Deputados a iniciativa sôbre organisação das
forças de terra e mar. Figuremos, porêm, que
se iniciou no Senado a discussão de um projecto
de lei dessa natureza e que, aprovado aliás por
ambas as secções do Congresso, foi regularmente
sancionado, promulgado e publicado como
lei. Obriga?
[107]
Sustento decididamente a negativa.
Quem quer que pretenda impugnar a validade
da lei deverá alegar apenas que ela não é conforme
à Constituìção—e prova-o facilmente.
E o juiz terá evidentemente que demonstrar para
considerar legítima a lei, se ela está conforme
à Constituìção. Por ventura nesta hipótese o
está?
Eis, rigorosamente, a interpretação devida.
Poderá dizer-se que a história do art. 63.º da
Constituìção abona a interpretação que apresento?
Vou mostrá-lo.
No primeiro projecto que a comissão apresentou
à Assembleia Nacional Constituìnte, o artigo
não estava redigido pela forma actual. A sua
redacção era a seguinte:
Art. 48.º—O Poder Judicial da República,
desde que nos feitos submetidos a julgamento
qualquer das partes impugnar a validade da lei...
apreciará a sua legitimidade constitucional em
conformidade com a Constituìção e princípios
nella consagrados,
e bem assim a conformidade
do processo parlamentar ou formação da lei com
os respectivos preceitos da Constituìção.
Decorreu a discussão na generalidade sem referências
ao artigo, que, no projecto-emenda apresentado
[108]
de novo pela comissão, continuava como
art. n.º 53.º redigido da mesma forma. A sua
discussão realisou-se na sessão noturna de 15 de
Agosto de 1911, e logo pelo deputado
Matos Cid
foi proposto que dele se eliminassem precisamente
as palavras==
e bem assim a conformidade do processo
parlamentar ou formação da lei com os respectivos
preceitos da Constituìção==alegando ser
isto «matéria inaceitável, que briga com outras
disposições já votadas».
Quais—e em quê?
Tal como estava, o texto do artigo foi defendido
pelos deputados
Pedro Martins,
Barbosa
de Magalhães
e
Afonso Costa.
Aprovada foi, todavia, a proposta
Matos Cid,
depois de a seu favor terem falado os deputados
Machado Serpa e
António
Macieira. E com
que argumentos repeliram a doutrina do artigo?
O deputado
Machado Serpa, hostilisou-a
alegando
que, munido desses poderes, «um juiz,
com uma simples penada, pode anular toda a
obra do poder legislativo». Mas como?
Só por constatar que o poder legislativo, ao
fazer uma lei, violára as regras ao caso relativas
que a Constituìção, como todas as Constituìções
dos povos modernos, prescreve? Mas há
perigo em que o juíz constate a violação—e
não há perigo em que o poder legislativo a tenha
[109]
praticado? E como admitir que isso se faça em
toda a obra do poder legislativo?
De resto, o juiz não anula a lei, ainda que a
repute inconstitucional:
decide simplesmente que
ela não obriga no caso que lhe propuzeram a julgamento.
As arguições do deputado
Antonio Macieira
virão provar, claramente, que se fazia confusão
sôbre o verdadeiro alcance do artigo discutido.
É assim que, para regeitar as suas últimas palavras,
parte da suposição de que por elas ia dar-se
poderes aos juízes para constatar se na confecção
da lei tinham sido cumpridas—não as regras
constitucionais da formação das leis, mas sim
todos os 177 artigos do
Regimento interno que
a Constituinte, havia dois meses, aprovára. Nessa
ideia, o deputado
António Macieira,
expondo os
motivos por que concordava com a proposta
Matos Cid, declarava:
Parece me que conceder ao poder judicial a
faculdade de
verificar
se uma determinada lei seguiu o processo regulamentar,
se foi feita nos termos constituídos para ela se fazer, nos termos
do Regimento, é dar-lhe muito ampla e larga attribuição ao poder
judicial, é dar origem a que nos tribunais haja verdadeiramente
logar, permitta-se-me o termo não parlamentar, à maior chicana,
tornando irrisória, pode dizer-se, a forma como o poder judicial
possa apreciar essa lei.
Não é admissivel que uma pequena infracção do Regimento,
porventura desejada pelo proprio Parlamento, seja motivo para
pôr de parte uma lei.
[110]
Uma lei não é cousa que se ponha de banda pela
simples razão
de uma infracção tão insignificante; o que é indispensável é saber
se essa lei é ou não constitucional.
Justamente—e o artigo não pretendia outra
cousa. Ele não concedia poderes aos juízes para
conhecerem do processo parlamentar que seguira
a lei, em harmonia com o Regimento. O artigo
apenas exigia que, no processo parlamentar, se
seguissem os preceitos dos artigos já votados da
Constituição, e que, como matéria constitucional,
tinham de respeitar-se.
A mutilação que sofreu o artigo que significa
pois? Que a Constituinte entendeu que os juizes
não tinham poderes para conhecer se a lei
na sua formação seguira um processo parlamentar
conforme à Constituição? Não.
O artigo foi mutilado porque, por equívoco,
se entendeu que ele ia colocar nas mãos dos juizes
poderes para aferir a legitimidade do processo
parlamentar seguido na formação da lei,
não pelos artigos da Constituìção, mas pelos 177
artigos do
Regimento, que é um simples acto de
vontade da Câmara. E não era isso evidentemente
o que ele queria.
A constitucionalidade de uma lei não se afere
por um
Regimento que, em quási todas as suas
disposições, é apenas uma lei, e que, por si, nunca
é uma lei constitucional. As palavras eliminadas
[111]
do artigo referiam-se unicamente à Constituìção.
Fica assim provado que a sua mutilação não
significou que a Constituinte reprovasse o
principio,
que se impõe porque é constitucional, de que
os juizes, tendo de conhecer da validade da lei,
devem conferir se, no processo parlamentar da sua
formação, foram ou não seguidos os preceitos que
a Constituição estabelece. Só depois de verificarem
nesse ponto a conformidade da lei à Constituição
teem que averiguar se, doutrinalmente, as
suas disposições estão tambem conformes à lei constitucional.
A argumentação que desenvolvi, com um facto
recentíssimo pode exemplificar-se. Pela renúncia
colectiva de 16 senadores, apresentada em sessão
do Senado de 5 de Janeiro de 1915, o número dos
seus membros que,
constitucionalmente, é de 71
desceu a 55. Ora a Constituìção, na segunda
parte do art. 13.º, exige que as deliberações das
duas Câmaras sejam tomadas estando presente
a maioria absoluta dos seus membros, que, no
caso do Senado, será o número de 37. Serão
válidas as leis aprovadas no Senado por um
número de votos inferior a êste? E deverá o
juiz, se uma das partes lhe impugnar a validade
de qualquer dessas leis, apreciar a sua constitucionalidade?
[112]
Esta questão só a pode propôr quem entenda
pela forma por que a expus a competência do
juiz para conhecer àcêrca da constitucionalidade
da lei. Não a figura, evidentemente, quem
entenda que ele só tem que averiguar da
conformidade
doutrinal das disposições da lei ordinária
em relação à lei constitucional, sendo incompetente
para tudo mais.
A interpretação que dou ao art. 63.º acaba
todavia de ser autorisada pela
declaração que o
juiz e deputado
Caetano Gonçalves em
sessão
de 11 de Janeiro de 1915 enviou para a mesa da
Câmara dos Deputados—e que me contento de
reproduzir:
«Para a hipothese de ser impugnada perante
o poder judicial, nos termos do artigo 63.º da
Constituição, a validade das leis saidas do Congresso
em contravenção da segunda alinea do
artigo 13.º da mesma Constituíção, a que ainda
nenhuma lei fixou interpretação ou sentido diverso
d'aquelle pelo qual se entende que n'uma
Camara de 164 deputados é de 83 a sua maioria
absoluta, como em 71 senadores a mesma
maioria não póde baixar de 37: desejo que na
acta fique consignado que, emquanto pela forma
prescripta na Constituìção outro entendimento
não fôr dado á lei n'esse ponto, reservo o meu
[113]
voto no assumpto» (em
A Capital de 11 de janeiro
de 1915).
Se o juiz só tivesse poderes para conhecer da
conformidade doutrinal da lei com a Constituìção—poderia
alegar-se porventura a circunstância
de faltar ao Senado a capacidade constitucional
para fazer leis? Não. E, todavia, toda conforme
com a doutrina que sustento, a declaração
do deputado
Caetano Gonçalves revela
que pode
em juizo fazer-se a arguição, e della terá que
conhecer o juiz. Evidentemente.
Desde o momento em que, num feito submetido
a juizo, alguma das partes impugne a validade
da lei, há de o juiz apreciar se, de facto, a
lei possue legitimidade constitucional. Por onde
deve aferi-la?
Apezar de partir do princípio de considerar
constitucional tudo e só o que nela se contivesse,
a Constituìção não foi tão rigorosa como era
necessário em ponto de tão grave alcance. Em
três artigos ela emprega expressões diferentes,
que teem forçosamente de considerar-se de sentido
igual.
É assim que não podendo a lei ordinária atingir
[114]
os direitos e garantias individuais, depois de
as haver enumerado no art. 3.º, a Constituìção
diz que essa especificação não exclue outras
garantias e
direitos não enumerados, mas
resultantes
da forma do govêrno que ela estabelece e
dos princípios que consigna ou constam de outras
leis.
No art. 63.º define que o juiz, uma vez impugnada
a
validade da lei, apreciará a sua
legitimidade
constitucional, e afere esta pela
conformidade
com a Constituìção e princípios nela consagrados.
E no art. 80.º, tendo determinado que
como lei ficam valendo as leis e decretos com
força de lei até então existentes—põe essa validade
dependente de explicita ou implicitamente
não serem contrários ao systema de governo adoptado
pela Constituição, e aos princípios n'ella consagrados.
Todas estas diferentes fórmulas podem e devem
reduzir-se a uma só: o juiz, em face a uma lei,
para apreciar a sua
legitimidade constitucional, tem
que aferi-la pela Constituìção e pelos princípios
nela consagrados.
A lei viola realmente a Constituìção
em qualquer
das suas disposições? É inconstitucional,
visto que são constitucionais todas as disposições
da Constituìção.
A lei não viola expressamente uma disposição
[115]
constitucional, mas é declaradamente contrária
aos
princípios que a informam? Da mesma maneira
carece de legitimidade constitucional.
Por quaisquer outros elementos terá ainda
que verificar-se a constitucionalidade da lei?
Não, embora os termos do art. 4.º, que o Prof.
Dr.
Marnoco e Sousa justamente critica,
podessem
à primeira vista fazer cuidar erradamente
que a outras disposições havia ainda que satisfazer.
Esse art. 4.º indica que a especificação das
garantias e direitos expressos na Constituìção
«não exclue outras garantias e direitos não enumerados,
mas resultante da fórma de governo
que ella estabelece e dos princípios que consigna
ou
constam de outras leis».
Quererà isto dizer que, alem dos anteriores,
outros direitos e garantias
constitucionais há tambem?
Não. Todos os direitos e garantias
apontados nas demais leis conservam a sua natureza
de direitos e garantias ordinárias. O serem
simplesmente
aludidas na Constituìção não
lhes empresta natureza constitucional: constitucionais
seriam por essa forma as leis de imprensa,
de reunião e associação, de revisão de sentenças
condenatórias, do
habeas corpus, a lei eleitoral,
o código administrativo, as leis de organisação
das províncias ultramarinas, de responsabilidade
[116]
ministerial, organisação judiciária, acumulações
de emprêgos públicos, de incompatibilidades políticas,
etc.—porque todas veem
aludidas na
Constituìção.
Ora a verdade é que os direitos e garantias
que constem apenas destas leis não podem considerar-se
constitucionais—como muito bem o
decidira já o Prof. Dr.
Marnoco e Sousa.
Porque, «ou as garantias que constam de outras
leis constituem matéria constitucional, mas nesse
caso cahe-se no absurdo de considerar como Constitucionaes
garantias estabelecidas pelas leis ordinarias,
tornando-se difficil a reforma destas leis,
ou taes garantias não constituem matéria constitucional
e neste caso não se pode explicar a
referencia que este artigo lhes faz, pois a Constituìção
deve occupar-se unicamente de garantias
constitucionaes»
(Comentário, pág.
204-205). Evidentemente.
De resto, determinando-se a Constituinte pelo
critério de só considerar constitucional o que
ficasse na Constituìção, decerto que essa matéria
não compreendia garantias e direitos que
constam apenas de outras leis, e que o Congresso
ordinário amanhã póde suprimir.
É verdade que a própria Constituìção em dada
maneira corrige nos artt. 63.º e 80.º a redacção
do art. 4.º, classificando como regras constitucionaes
[117]
apenas as fixadas na Constituìção ou que
resultem dos seus princípios—deixando assim de
lado outros quaisquer direitos e garantias apenas
expressos nas leis ordinárias?
Melhor fôra todavia, como diz o ilustre comentador
da Constituìção, que a elas não se houvesse
aludido no artigo 4.º.
Depois da apreciação que se lhe impõe, e para
que declare inconstitucional uma lei—deve o
juiz constatar se ela é abertamente contrária a
uma disposição expressa da Constituìção, ou se
por uma fórma indubitável viola os princípios
nela consagrados. O caracter constitucional de
uma lei é, como expuz, apenas um ponto de vista
político, mas não deixa de ser importantissimo.
E é preciso que de facto a lei ordinária lhe seja
caracterisadamente contrária, para que o juiz se
decida a negar-lhe cumprimento por inconstitucional.
Trata-se de uma competência nova:
toda a vantagem está em não tornar demasiado
hostil o seu desempenho.
Por outro lado, para que a inconstitucionalidade
de uma lei seja decidida, só devem colher razões
tiradas da doutrina da Constituìção. Pouco deverá
importar ao tribunal alegar-se que determinada
lei não deve cumprir-se por iníqua, por
inútil, por inoportuna, por gravosa—se realmente
contra ela não se alegar que viola preceitos constitucionaes
[118]
ou que é incompativel com os princípios
na Constituìção consagrados.
É certo que ao Congresso compete fazer leis
no intuito de «
promover o bem geral da Nação»?
Mas a
conveniência ou inconveniência, a
oportunidade
ou inoportunidade da confecção de uma lei
estão absolutamente fóra da competência dos tribunaes.
Estes,
interpretando a lei, podem averiguar
que ela é inconstitucional, e então se negam
a cumpri-la: mas não lhes cabe provêr aos males
resultantes da lei, uma vez que ela não viole a
Constituìção. Aos cidadãos cumpre, e só a eles,
pelos melhores meios, conseguir que a lei seja
revogada.
Refere
Larnaude que, num processo
intentado
nos Estados Unidos da América do Norte perante
a
Supreme Court, um dos litigantes, para arguir
de inconstitucional a lei aplicável, alegou que
alguem havia comprado os membros do congresso
para a votarem e que, por essa fórma, a lei devia
ser anulada visto constituir um acto jurídico praticado
com dolo ou fraude. Escusado será dizer
que foi desatendido.
O juiz deve pois atender unicamente à Constituìção
e aos seus princípios quando tiver de apreciar
a constitucionalidade da lei ordinária. É
duvidoso que esta haja violado aquele «estalão
invariável» da legitimidade constitucional? Nesse
[119]
caso aplicará a lei—e com ela aplicará, sem
dúvida, o espírito da Constituìção.
Vid. a comunicação já citada de Larnaude;
Story, Commentaries,
II, pág. 393; Cavalcanti, Regimen
federativo
e a republica
brazileira, págs. 228 e seg.; Wilson,
Le
gouvernement congressionnel,
trad. fr., págs. 29 e 43; Bryce, La
république américaine,
trad. fr., I, pág. 526 e seg.; Cooley, Constitutional
limitations,
pág. 195.
Por que razões pode uma lei ser declarada inconstitucional?
O critério já foi indicado: sempre
que contrarie as disposições da Constituìção
ou os princípios que nela se consagram. E quando
sucederá assim?
Nas páginas anteriores expuz até que ponto
entendo que os juizes podem conhecer da constitucionalidade
da lei sempre que esta lhe fôr
impugnada: o juiz deverá conhecer não só da
conformidade doutrinal das disposições da lei
ordinária com a Constituìção, mas tambêm sôbre
se no processo da sua formação foram seguidos os
respectivos preceitos constitucionaes. Daqui se
deriva a inconstitucionalidade da lei em quanto
ao objecto e em quanto à fórma.
Para que, quanto à
fórma, a lei ordinária seja
constitucionalmente válida e obrigue, torna-se
primeiramente necessário que o seu órgão criador—normalmente,
[120]
as duas secções do Congresso—funccione
nas condições
constitucionalmente exigidas
para que possa fazer leis. É assim que, se
por acaso, no dia aliás marcado pela Constituìção,
se reunisse a maioria absoluta dos deputados
e a dos senadores, e sem prévia verificação e
reconhecimento de poderes, discutissem e aprovassem
providências—as deliberações provindas
dessas assembleias não poderiam ser consideradas
genuinamente, constitucionalmente, como
leis.
Verificadas mesmo as condições constitucionaes
em que o Congresso pode fazer leis—para
que elas obriguem torna-se necessário que, no
processo da sua formação, se tenham observado
todas as disposições
constitucionaes que a êle se
referem. Por isso entendo que não obrigaria
uma lei que criasse um imposto se a sua discussão
houvesse tido começo no Senado.
Como pode uma lei ordinária ser inconstitucional
quanto ao seu
objecto? Desde o momento
em que as suas disposições violem alguma das
disposições constitucionaes ou repugnem declaradamente
aos princípios que a Constituìção consagra.
Partindo deste critério, poderão promenorisar-se
alguns caracteres da lei inconstitucional?
Podem.
[121]
A Constituìção, umas vezes, enuncia princípios
sem todavia figurar as leis ordinárias que a eles
tenham porventura de conformar-se. É o que
se verifica nos artt. 1.º, 2.º, 5.º e tantos outros.
Uma vez feita, porêm, pelo Congresso, qualquer
lei manifestamente contrária a esses preceitos, a
lei deverá considerar-se inconstitucional.
Mas, na maioria dos casos, a Constituìção não
procede por essa forma, e tem em espírito,
prevê
as
leis orgânicas que, a ela conformes, a hão de
desinvolver e completar. São as hipóteses figuradas
em quasi todos os números do art. 3.º, e
nos artt. 8.º, § único, 57.º, 60.º, 66.º, 67.º e outros
mais. Qualquer das leis aí previstas, se pelo
Congresso ordinário fôr feita sem que as suas
disposições sejam conformes a esses
caracteres
constitucionaes que a Constituìção lhes impõe,
será, evidentemente, inconstitucionaes.
Á primeira vista poderia cuidar-se que havia
a distinguir ainda—visto que, umas vezes, a
Constituìção define
positivamente os pontos por
que há de orientar-se a lei prevista, e noutros
casos caracterisa esta por uma forma
negativa,
proíbindo-lhe que se guie por critérios determinados.
Assim usa a primeira forma quando,
antes de no art. 85.º ter incumbido ao primeiro
Congresso da República a elaboração de uma lei
sôbre os crimes de responsabilidade, no art. 55.º
[122]
enumerara quaes as categorias de actos do poder
executivo e dos seus agentes que como taes
devem ser classificados—e a segunda fórma
emprega no art. 66.º quando determina que na
futura lei de organisação e atribuìções dos corpos
administrativos o poder executivo não terá ingerência
na sua vida.
Mas não vale a pena descriminar: inconstitucional
será a lei ordinária, prevista na Constituìção,
sempre que se não conforme aos
caracteres
constitucionaes que ela lhe fixa para base, sejam
eles indicados por uma imposição positiva, seja
por uma defêsa proibitiva.
Em qualquer caso, a lei não será conforme à
Constituìção nem aos princípios que esta consagra—e
tão inconstitucional será portanto a lei
orgânica do poder judicial que não tome por base
a natureza
vitalícia e inamovivel dos juizes, como
a lei de organisação e atribuìções dos corpos
administrativos que,
de qualquer maneira, autorisasse
a mais leve ingerência do executivo na vida
desses corpos.
Uma vez reconhecido pelo juiz que a lei, ou
alguma das suas disposições, não é conforme à
Constituìção, qual o efeito desse reconhecimento?
Os efeitos limitam-se ao juiz afasta-la, negando-lhe
cumprimento. No conflito entre a lei ordinária
e a lei constitucional prevalece a mais forte, e a
[123]
lei mais forte é, por definição, a lei constitucional.
O juiz não terá portanto a declarar que a lei
a ninguem obriga, ou que ninguem deve por isso
obedecer-lhe ou cumpri-la. O juiz não se constitue
censor, de uma forma geral, da obra do
Congresso, nem tem que alargar o alcance da
competência que lhe é atribuida. O juiz limita-se
a declarar que, tendo reconhecido a inconstitucionalidade
da lei, a não cumprirá naquele
caso que lhe foi submetido a juizo. A lei é má,
a lei é pessima? Cuidem os cidadãos de a modificar,
em nome da ordem política, pelos meios
jurídicos ao seu alcance. O juiz apenas decide
que a lei não é aplicável à hipótese que lhe foi
proposta.
Se amanhã lhe fôr proposto um novo caso em
que pela mesma fórma se alegue a inconstitucionalidade
da mesma lei—o juiz terá de novo de
apreciar a conformidade desta com a Constituìção
e os princípios nela consagrados, e sem essa apreciação
não poderá limitar-se a declarar que tal
lei ou disposição de lei já foi reconhecida como
inconstitucional.
Não se receie como apoucada esta competência
dos juizes—nem se receie a incerteza ou diversidade
das decisões. Cumprindo os juizes strictamente
a sua missão, não declarando inconstitu-*
——-File: 131.png—-\—————
*cional a lei se não quando realmente ela repugne
à Constituìção ou aos seus princípios—bastará
que,
num caso, o juiz mais obscuro da mais humilde
comarca se negue a cumpri-la, para que o
artigo da lei ou a lei inteira cáia imediatamente
na impotência. Por meu entender, nem sequer
o Congresso teria, na primeira legislatura que
se reunisse, de revogar
motu proprio a disposição
ou a lei que a opinião dos tribunaes superiores
houvesse reconhecido inconstitucional—como se
usa nos Estados Unidos da América do Norte.
Bastára que os juizes lhe negassem cumprimento,
para que, como princípio assente se reputasse
que, dora avante, não obrigava.
Tudo deve inclinar-nos a desejar que, em direito
público tambêm, os princípios se informem mais
da jurisprudência, dos costumes e tradições constitucionaes,
que da boa ou má vontade dos Parlamentos,
tão naturalmente voluveis nas suas
práticas e nos seus impulsos. Mais feliz do que
todos será o povo cujos governantes respeitem
não só a lei constitucional, mas essa outra Constituìção
que à roda dela se cria e coalha. Tanto
seria para desejar em Portugal—e essa aspiração
me guiou, página por página, atravez de todo o
meu trabalho.
INDICE
CAPÍTULO I
|
Brevissima
notícia da noção
de Leis Fundamentais até à implantação
do regimen constitucional |
3-38
|
1.
|
A noção da
lei fundamental desde
o começo da Monarquia
até à Restauração. |
3-7
|
2.
|
Necessária
conformidade das novas leis ao direito do
reino. O Chanceler mór do reino. |
7-8
|
3.
|
As leis
contra o direito do
reino. O direito de representação
das côrtes |
9-10
|
4.
|
A noção
comum da lei fundamental nos teóricos da
Restauração. As doutrinas da soberania popular.
O conceito de pacto. |
10-15 |
5.
|
O pacto e o
rei. O rei não pode
alterar o govêrno da
república. |
15-22
|
7.
|
A noção da
lei fundamental nas
côrtes de Lisboa de
1679 e 1697. |
22-24
|
8.
|
A noção da
lei fundamental na era pombalina. Seu
objecto, sua forma. O Principe «faz as Leis e as
deroga quando bem lhe parece». Não há contra os
reis «mais recurso que o do sofrimento». |
25-32
|
9.
|
Era de
crise: o conflicto entre nós. Paschoal
de
Mello
e Antonio Ribeiro dos Santos como
figuras representativos das ideias monarquicas e das ideias
democráticas.
O conceito das leis fundamentais. Sua
forma e objecto. 1820—O
constitucionalismo. |
32-38
|
CAPÍTULO II
|
A
Monarquia Constitucional. Leis Constitucionais e Leis
Inconstitucionais |
39-64
|
10.
|
A revolução
francesa e o movimento constitucional
no continente europeu. |
39-43
|
11.
|
O movimento
constitucional entre nós. O significado
de Constituìção. |
43-47
|
12.
|
O problema
da inconstitucionalidade das leis perante
a Constituìção de 1822, a Carta e a Constituìção
de 1838. Um caso curioso da história política
portuguesa. |
47-53
|
13.
|
A defesa da
Constituìção contra o poder executivo
e contra o poder legislativo. O poder judicial e a
inconstitucionalidade das leis. As opiniões entre
nós, anteriormente e posteriormente à proposta de
reforma constitucional de 1900.
Conclusões. |
54-64
|
CAPÍTULO III
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O
problema da inconstitucionalidade das leis em face à actual
Constituìção política da República |
65-124
|
14.
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O problema
pode colocar-se na Constituìção actual?
A distinção entre lei constitucional e a lei ordinária.
Deve admitir-se? Qual o significado que deve
dar-se a essa distinção?
|
65-76
|
15.
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Como
distingue a Constituìção as leis ordinárias da
lei constitucional? É matéria constitucional tudo
o que está na Constituição. |
76-80
|
16.
|
A
Constituìção admite disposições de caracter supra-constitucional
e outras que impõem restrições de
prazo para a sua revisão. Sua legitimidade sob
o ponto de vista político e
jurídico. |
80-94
|
17.
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A distinção
entre a lei constitucional e as leis ordinárias:
como é sancionada. Os juizes competentes
para conhecerem da constitucionalidade
das leis: quando? A actual
Constituição. |
95-101
|
18.
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O que deve
entender-se por constitucionalidade da
lei? Sentido lato e sentido restrito. A validade
e a constitucionalidade. Em que extensão deve
conhecer o juiz. A opinião do Prof. Dr. José
Alberto
dos Reis e do juiz Francisco José de
Medeiros.
A opinião que
defendo. |
101-105
|
19. |
O problema
anterior em face à Constituição actual.
Os juizes só conhecem da constitucionalidade
em sentido restrito? Não. Conhecem tambem
das condições constitucionais do processo de formação
da lei. |
105-113 |
20. |
Por onde se
afere a constitucionalidade da lei?
Como? |
113-118
|
21. |
A lei
inconstitucional: a forma e o objecto. Efeitos
da declaração de
inconstitucionalidade. |
119-124 |
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
|
Original |
|
Correcção |
#pág.
x |
uma uma condição |
... |
uma condição |
#pág.
16 |
ultilidade |
... |
utilidade |
#pág.
46 |
a próprio absolutismo |
... |
o próprio absolutismo |
#pág.
47 |
allerações |
... |
alterações |
#pág.
47 |
constitucionalidade |
... |
inconstitucionalidade(*) |
#pág.
47 |
constituições |
... |
Constituições(*) |
#pág.
48 |
E se, |
... |
E, se(*) |
#pág.
48 |
constitcional |
... |
constitucional |
#pág.
48 |
derogrr |
... |
derogar |
#pág.
54 |
constitucionalidade |
... |
inconstitucionalidade(*)
|
#pág.
80 |
Constuìção |
... |
Constituìção |
#pág.
85 |
disposicões |
... |
disposições |
#pág.
86 |
seguer |
... |
sequer |
#pág.
101 |
inconstitucionali- da |
... |
inconstitucionalidade da |
#pág.
103 |
promnlgada |
... |
promulgada |
#pág.
109 |
veririficar |
... |
verificar |
(*) Correcções efectuadas
com base na errada da obra original.
Existe efectivamente a ausência do
capítulo 6 no original e a referência do facto
na errata. Decidimos manter a mesma númeração, respeitando o original.